NEW AGE RETRO GAMER #1: Earthbound

Olá, senhoras e senhores! Eu sou o Rod e gostaria de dar-lhes as boas vindas à minha coluna no site do GAMESFODA: a New Age Retro Gamer.

Nesta coluna, comentarei principalmente sobre jogos antigos, dando preferência a títulos não tão conhecidos e que são (infelizmente) muitas vezes ignorados mesmo por um público mais entusiasta. Meu objetivo é fazer uma análise destes jogos não apenas do ponto de vista técnico, mas também por uma visão externa a partir de sua filosofia de design e o que eles podem querer alcançar em um jogador. Espero poder mostrar aos mais interessados que há uma grande biblioteca de jogos que, apesar de não serem tão constantemente lembrados nos holofotes da mídia, são de alta qualidade e merecem ser jogados tanto por novatos quanto veteranos. Espero que gostem.

Simbora nessa porra!


NEW AGE RETRO GAMER #1
EARTHBOUND (Snes)
Nintendo / Ape, Hal Labs
1994, 1995

Os Beatles, Charlie Brown e sua turma, o clássico de Sessão da Tarde Conta Comigo, Monty Python, os Blues Brothers, Mr. T, o Monstro do Lago Ness, Stonehenge, dinossauros, hippies, filmes toscos de alienígenas dos anos 50, e até mesmo um aborto cósmico em outra dimensão fluxo-temporal; acredite se quiser, todas essas coisas estão presentes ou ao menos são referenciadas no decorrer de EarthBound. Provavelmente um dos jogos que mais vem à cabeça quando pensamos em “clássicos cult”, EarthBound é constantemente lembrado pelo seu senso de humor aparentemente aleatório e sua fanbase ardorosa, o que torna ele uma mais que excelente escolha para a nossa primeira matéria aqui no New Age Retro Gamer. Mas então, qual é a dessa porra de EarthBound, afinal? Qual é a ideia do jogo, o que há de tão especial neste título, por que carambolas seus fãs chegam ao ponto de quase parecerem fanáticos religiosos e por que tem um cara de capuz azul batendo na minha porta?

Frescuralidades primeiro: EarthBound (PresoTerra) é um JRPG para o Super Nintendo, lançado pela Nintendo em 1994 no Japão e em 1995 nos Estados Unidos. Ele é o segundo título da série Mother, uma criação de Shigesato Itoi, personalidade importante no cenário cultural japonês, melhor conhecido pelo seu trabalho como escritor e jornalista. O jogo conta a história de Ness, um jovem garoto que mora nos subúrbios de Onett, em Eagleland. Após investigar a queda de um meteorito junto ao seu vizinho pentelho Pokey (pense num moleque demoníaco), Ness recebe uma mensagem de uma abelha chamada Buzz-Buzz, que viajou no tempo (não, sério) para contar que, no futuro, uma entidade maligna conhecida como Giygas deixará todo o mundo em ruínas. Segundo Buzz-Buzz,  Ness é o Escolhido e, acompanhado de dois garotos e uma garota, deve viajar ao redor do mundo em busca dos oito “Your Sanctuary” para resolver a situação. E é com essa premissa a certo ponto clichê, mas com uma execução diferenciada, que começa a sua aventura.

Quando se inspirou em criar o primeiro jogo da série, Itoi foi influenciado pela sua experiência com o primeiro Dragon Quest (NES), o qual ele jogou em uma cama de hospital. Se você já se aventurou em um JRPG antes, não verá nada tão diferente na jogabilidade de EarthBound – você luta contra inimigos, ganha dinheiro, compra equipamentos melhores, visita novas cidades, adquire novas habilidades e por aí vai. “Véi, isso parece básico pra cacete”, você pode estar pensando. As mecânicas do jogo são decentes e funcionais, longe de serem ruins, mas não chegam a ser espetaculares. O grande diferencial do jogo não prevalece em suas mecânicas, e sim em sua execução. Estamos começando a chegar no que faz EarthBound o que ele é.

Do que lembramos quando pensamos em JRPGs? O cenário mais usual que se imagina é um mundo semi-medieval com influências (consideravelmente perdidas) de Tolkien ou D&D, onde espadas, mágicas e relacionados são lugar-comum. Ocasionalmente aparece um que se aventura no sci-fi ou steampunk, mas tem 98% de chance da arma do personagem principal ainda ser – adivinha! – uma merda duma espada.

Diferente desses, EarthBound se passa em um mundo contemporâneo. A história acontece no ano de “199X”, uma época na qual as pessoas ainda saíam de casa para salvar o mundo ao invés de ficar na internet o dia inteiro, e Eagleland (atenção no nome!) representa uma pseudo-América do Norte. Ness, o personagem principal, usa um boné e tacos de Baseball como seus equipamentos de ataque e defesa e tem que ligar para a mãe periodicamente para não ficar sentindo saudade de casa. Seus inimigos alternam dentre animais possuídos, hippies e cultistas ensandecidos, OVNIs bonitinhos e táxis desgovernados; a moeda corrente é o dólar, que seu sempre ausente pai deposita em sua conta para ser extraído em caixas eletrônicos. As cidades alternernam dentre subúrbios americanos, cidades zumbi, metrópoles enormes e colônias de férias; você recupera sua energia em hotéis, compra equipamentos em lojas de conveniência e itens de recuperação em cadeias de fast-food (segundo estudiosos, em 199X a galera “tava nei aí” para gorduras trans). Suas habilidades tais como magia de cura e ataque são poderes psíquicos de telecinesia.

Em suma, toda a ambientação do jogo é uma interpretação distorcida (proposital ou não) de uma cultura ocidental como adquirida por filmes, literatura e músicas estrangeiras, somadas a lendas urbanas e temas recorrentes da ficção científica. O resultado disso é inicialmente incomum e esquisito, mas à medida que vamos prosseguindo no jogo, se torna cada vez mais interessante por conter um aspecto muitas vezes negligenciado no gênero: a familiaridade.

Um dos aspectos de maior peso em um JRPG costuma ser a sua narrativa. Seja no diálogo dos NPCs, nos avisos espalhados pelo mundo ou mesmo durante as batalhas, a narrativa presente em EarthBound costuma ter um clima altamente descontraído, às vezes satirizando a própria situação e  apresentando inúmeras metalinguagens e “quebras de fourth wall”. Quem vê de fora pode pensar que o jogo inteiro é um precursor de ZUERA e dadaísmo desenfreado, o que é uma inverdade: o fato do diálogo nem sempre se levar a sério não torna este irrelevante, e muitas vezes alguns personagens farão comentários consideravelmente profundos, com um bom apelo emotivo ou reflexivo. Como quase não existem aquelas cutscenes estáticas com enormes diálogos presunçosos entre personagens, é a soma destes pedaços de informação entregues pelos habitantes do mundo do jogo que forma o grande conteúdo literário que reflete o que é EarthBound e o que ele pensa.

Seria impossível comentar de EarthBound  sem falar da sua trilha sonora, que é muito supimpa. Seu enfoque é tanto que cerca de um terço do espaço ocupado no cartucho é reservado apenas ao áudio. A música do jogo foi composta por pessoas que não costumam trabalhar em videogames, alternando entre diversos ritmos, com as suas principais faixas pendendo pro lado do jazz e do blues. Muitas músicas são específicas para momentos memoráveis, como o último show do Runaway Five (um grupo de Jazz parodiando os Blues Brothers), o Sky Runner e a viagem em Tessie. A trilha sonora complementa de um jeito tão característico que o próprio Itoi recomenda no manual que você jogue em som estéreo e com o volume alto. Na minha opinião, a ideia de jogar EarthBound sem música seria uma experiência tão incompleta que nem valeria a pena.

Remix da música do jogo pelo compositor Jake Kaufman (Shantae, Contra 4)

Eu tenho a crença de que, apesar de seu envolvimento em Mother e uns dois jogos de pescaria aí, Shigesato Itoi não é uma pessoa tão próxima assim de videogames. Isso não é algo necessariamente ruim. Quando você é muito familiarizado com uma determinada habilidade ou processo criativo, a sua experiência te torna bem competente em sua área, mas isso também pode afunilar sua capacidade de olhar um mesmo problema por diferentes perspectivas. Daí você tem o tal do “olhar do lado de fora da caixa”. Um diretor ou designer de jogos estará sempre preocupado com mecânicas de jogo, narrativa, desafios interessantes, balanço de dificuldades e outros aspectos que façam um jogo funcionar primariamente como deve.Shigesato Itoi, sendo um escritor, tem que se preocupar em criar histórias, ambientações, situações, personagens e diálogos que sejam interessantes ao leitor, de forma a prender a sua atenção e fazê-lo sentir como parte daquele mundo. Acho que é isso que Itoi fez em EarthBound: criar um jogo onde aquilo que você lê, ouve, vê e vivencia é o que te põe imerso em seu mundo.

A experiência busca criar um laço emocional com o jogador tornando-o não apenas uma figura passiva dos acontecimentos, mas também um observador ativo e parte integrante da experiência. Além da ocasional piada que reconhece o fato que há um jogador comandando isso tudo (“Ei, você aí! Sim, você, segurando o controle!”), existem inúmeros segmentos e pequenos detalhes no jogo que estão lá por nenhuma outra razão além de agradar o jogador durante alguns minutos ou “conversar” diretamente com ele, tais como o show do Runaway Five ou a famosa sequência psicodélica do café em Saturn Valley (no qual o jogo passa dois a três minutos mostrando um texto que comenta sobre o passado e o futuro da sua jornada, enquanto o cenário de fundo e músicas passam uma vibe chill out & lounge + cogumelos alucinógenos).

No fim, acredito que o que há de tão especial em EarthBound é a junção de todos esses elementos citados: a ambientação surreal e psicodélica, porém familiar; a música animada; os diálogos que aparentam zuera, mas guardam muita sutileza em suas entrelinhas, e todas as pequenas histórias presentes na aventura. Mecanicamente ele não é o mais interessante dos jogos, mas a “colcha de retalhos” que constitui a sua jornada deixa uma forte impressão no jogador, de forma similar a outros clássicos como REZ (DC), ICO (PS2) ou flOwer (PS3), que são valorizados pela experiência emocional ou sinestésica. Ao tornar os personagens principais protagonistas silenciosos e reconhecer inúmeras vezes a existência do jogador, a experiência do game se torna estritamente pessoal e aparenta ter como intuito principal o de entreter, surpreender e comover a pessoa que está jogando, fazendo com que ela  se sinta como parte integrante da jornada, especialmente quando se aproxima do final.

EarthBound é impactante porque é familiar; ele é uma caricatura bem-humorada da sociedade que te cerca diariamente. Ele pega o nosso dia-a-dia, tão mundano e preso em seu cotidiano, e o transforma em uma aventura que transborda personalidade e vai além do jogo, rebatendo no mundo real. Lembra do filme Conta Comigo, já comentado no início desse artigo? Ele serviu de grande influência para a criação do jogo, e a experiência de terminar EarthBound é um tanto semelhante à do filme: a impressão que lhe passa é que você acabou de voltar de longas férias. E é essa sensação que torna a sua legião de fãs tão passional, a ponto de parecer ensandecida.

Pode ser que nem todo mundo consiga ver o jogo como essa “experiência transcendental” e blábláblá, mas quando você começar a jogar e a ficha cair, pode ter certeza que vai ser uma viagem do caramba.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia, finge ser escritor, e acha que entende alguma coisa sobre game design.

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