Lei Anti-Games, The Binding of Isaac e a falácia do “é só um jogo”

Por Cellus | 29/02/2012 – 21:07


 

Hoje bombou na internet a notícia de que o ilustríssimo senador Vauldir Raupp deu pra trás e retirou o projeto de lei nº 170/2006, toscamente apelidado na internet de “lei anti-games” – o que faz parecer que ela ia proibir truco nos botecos ou algo do tipo, mas tudo bem. É o fim daquela novela sobre criminalizar jogos ofensivos à moral e aos bons costumes da família brasileira (?).

Enquanto jogadores de todo o país comemoram esta que é  mais uma vitória de Você-sabe-quem, Edmund McMillen, um dos fundadores do  Team Meat, confirmou em seu Twitter que a Nintendo barrou o lançamento de The Binding of Isaac na loja virtual do 3DS. O motivo? Supostamente é pelo conteúdo religioso questionável, como você pode ver nos tweets abaixo.

Vi algumas pessoas dizendo que isso era a Nintendo regredindo à sua mentalidade dos anos 90, quando barrava suásticas ou só aceitava sangue verde em Mortal Kombat. Por mais que pareça, não é a mesma coisa. A Nintendo não é mais assim. Manhunt e Madworld estão no Wii, e muito antes disso a Rare já tinha ironizado com o moralismo da empresa transformando a fofura de Conkers Quest (ou Twelve Tales) no aloprado Bad Fur Day. Violência e escatologia não são problema pra Nintendo há tempos. A censura agora tem muito mais a ver com temática e mensagem.

Como você pode ver aqui, Binding of Isaac não é só um jogo sanguinário e escatológico qualquer. OK, ele tem ataques de urina, sangue inundando a tela e vaginas gigantes, mas por trás de tudo isso existe uma mensagem. Uma crítica à repressão sexual e à intolerância religiosa. Essa profundidade sutil, nesse império de Modern Warfares e Battlefields, vale ouro.  A resistência da Nintendo a isso soa como um “Pô, vai com calma aí meu filho. Pra que colocar a bíblia no meio ou botar isso de repressão aos homossexuais? É só um jogo“.

É só um jogo?

Como falei acima, a Nintendo permite jogos do naipe de Manhunt nos seus consoles. Esse e tantos outros jogos populares são violentos porque isso tem apelo comercial, porque é fácil fazer um jogo assim. São jogos que o tio Raupp chamaria de “ofensivos”, sem saber que violência é a coisa menos ofensiva nos videogames. A maioria dos jogos têm histórias porcas, motivações fracas, clichês mal empregados, mulheres que não passam de objetos com peitões renderizados e umbiguinho de fora, entre muitas outras consequências de um game design preguiçoso. Se tem uma coisa que esses jogos ofendem, é a inteligência do seu público, e tudo porque alguém no estúdio disse “não pega nada, é só um jogo”. Esse tipo de coisa a Nintendo (e a indústria em geral) libera sem questionar.

Até então estamos falando só da Nintendo porque o lance de The Binding of Isaac é notícia recente, mas alguém aí acha que a Microsoft ou a Sony aceitariam o jogo sem frescura? É muita dor de cabeça com questões morais e convervadores religiosos pra pouco retorno financeiro. Enquanto isso eles liberam pros seus consoles tranqueiras como Call of Juarez: The Cartel e similares, inundando a indústria mainstream de bosta de cavalo.

Tá permitido difundir informações erradas sobre tráfico de mulheres no México. Afinal, é só um jogo

Ou seja, se o jogo é violento, sexista, preconceituoso e estereotipado,  tudo bem. É só os produtores falarem que foi “sem querer querendo” e continuarem em cima do muro sobre a consequências disso. Agora, quando uma pessoa tem perfeita noção do que está fazendo em seu jogo e tem uma mensagem clara, direta e construtiva para passar pro público, é vetado. A impressão que fica é que o crime de The Binding of Isaac é justamente tratar jogos de videogame como algo mais do que mero passatempo descerebrado.

O Inimigo Agora É Outro

É óbvio que videogame traz muito mais que uma distração vazia e temos provas claras disso tanto em jogos indies quanto no mainstream. O problema é que existe uma resistência à idéia de jogos podem cutucar temas polêmicos como the Binding of Isaac faz. Coisa que as outras mídias (cinema, música, literatura etc) têm espaço pra fazer de boa – tá, nem sempre, mas teoricamente sim. Videogame continuará sendo visto como “coisa de criança” enquanto a indústria preferir assim. Porque aumentar a classificação indicativa com tripas ou peitos de fora não torna a mídia necessariamente mais madura.

E no final, no balanço geral dos fatos, o que temos é um senadorzinho mequetrefe voltando atrás num projeto inconstucional e falho que ameaçava a liberdade de expressão nos videogames, enquanto a maior produtora de jogos do mundo exerce seu preconceito contra um dos melhores jogos independentes de 2011 numa boa.

Dá mesmo pra comemorar?

Marcellus Vinícius, vulgo Cellus, é co-criador do GAMESFODA e corresponde a aproximadamente 9,7% da capacidade intelectual da equipe do site, atualmente composta por 7 pessoas. Mantém desde pequeno o hábito de digitar número quebrados no microondas.

Compartilhe

Comentar

Não há nenhum comentário até agora. VOCÊ pode ser o primeiro!

12 Comments

Deixe um comentário

Você precisa estar logado to post a comment.