ARTESFODA BR #6 – Elisa Kwon VS. O Império do Ultrarrealismo

22/03/2012 – 16:44

por Shana

Você tem um compromisso daqui a umas três horas. Sabadão, nada pra fazer, aí você resolve ligar seu console preferido e jogar um pouco pra passar o tempo. Quando você se toca, percebe que está atrasado para seu compromisso e sequer tomou banho. Quem nunca?

A importância dessa imersão parece estar se perdendo ultimamente. As pessoas – e o pior, as empresas – focam mais no quão realista é o jogo ou no quão potente é seu console e esquece que todos (pelo menos a geração anos 80/90 né) começamos com aqueles pixelarts toscos com paletas de cor extremamente limitadas, que ainda assim nos faziam pirar com a jogabilidade, ou com a história ou o que quer que fosse, fazendo com que nossas mães tivessem que nos puxar pelos cabelos pra ir fazer a lição de casa logo.

Resgatamos um pouco disso com alguns jogos que as pessoas teimam em chamar de “casuais” só porque não têm gráficos que demoraram 5 anos pra serem renderizados (vide Kirby’s Epic Yarn), ou então o que alguns believers chamam de ‘genialidade’, como Portal ou Mass Effect, quando, na verdade, esses dois últimos são exatamente belos exemplos de como um jogo com bons gráficos podem também focar num todo – ou seja, história, jogabilidade, pacing, etc, sem apelar para cutscenes gigantescas que matam o clima.

E é com grandes honras que apresento-lhes alguém que se importa muito com isso – Elisa Kwon.

Um presentinho de Jurassic Park

Elisa é importada da Coréia do Sul, mas mora em São Paulo desde sempre. Tem 27 anos e chegou a cursar Artes Gráficas, mas largou quando a grade de aulas começou a não acrescentar nada e agora trabalha com character design e ilustração.

Começou a desenhar quando criança, gosto esse provavelmente herdado de sua mãe, que desenhava e pintava em aquarela, mas nunca imaginou que fosse trabalhar com isso. Suas maiores referências são Leyendecker, Claire Wendling e Alessandro Barbucci entre outros. Tinha uma grande fixação por mangá, mas, ao conhecer outros artistas com outros focos, começou a enxergar seu próprio trabalho de um jeito diferente. Mas ainda guarda alguns sentimentos nostálgicos de otaku por alguns autores de mangá, como Hiromu Arakawa (Fullmetal Alchemist) e Takehito Inoue (Vagabond e Slam Dunk).

Para ela, o mais importante em relação a desenho é o próprio artista. O esforço e a dedicação sempre vêm com o resultado que todos esperam, que é a excelência. Técnica é adquirida com muita prática, o difícil mesmo é conseguir ser um artista empenhado e que investe seu tempo nisso.

E mesmo Elisa já encontrou dificuldades durante a carreira artística: antes de ser ilustradora, sempre quis ser veterinária. Sendo voluntária num CRAS (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres), viu-se dividida entre as duas coisas, mas felizmente percebeu que poderia conciliá-las e inclusive fazer com que ambas se complementassem.

Ownnn~~

Os videogames entraram em sua vida também na infância, porém ficavam na casa dos primos e amigos. Só teve um console pra si aos 20 anos, mas antes disso passava horas no fliper gastando o troco do pão jogando Street Fighter Zero e King of Fighters. O que provavelmente chamou atenção dela na época foram as personagens femininas nos jogos de luta; sempre que havia a opção de jogar com uma protagonista mulher, ela jogava. Agora, o que joga depende muito do que está com vontade na hora, e também depende muito da proposta do jogo. Porém, com segurança afirma que seu jogo preferido até hoje é Final Fantasy VI, e tem até o cartucho de GBA que guarda com muito amor e carinho.

Elisa trabalhou na Ubisoft-SP durante dois anos, e diz que ficou impressionada por perceber que a sua equipe, mesmo tendo artistas muito capacitados, deixou o ego de lado para trabalhar e tentar oferecer o melhor possível para a matriz. Mesmo com a experiência durando pouco, não a trocaria por nada.

Os jogos – assim como outras mídias – influenciam em seu trabalho pelo conjunto da obra, mesmo quando a arte não é algo incrivelmente bem renderizado, mas bem colocado. Procura sempre artes diferentes para poder expandir sua visão e poder acrescentar algo novo para futuras referências. Um dos exemplos que tem disso é Team Fortress 2, onde vê preconceito em relação aos gráficos por não serem realistas, mesmo com o jogo tendo um design tão genial.

A galere que fica até 5 da manhã jogando e talz

Com seu interesse por storytelling (tanto pra jogos quanto pra animação), sua visão sobre como isso pode influenciar num jogo é bem clara e objetiva – e alguns poucos compartilham isso por aí.

“As vezes não é muito a questão da arte ser bonita, tem muito mais a ver com o timing das coisas. A edição, a narração, o roteiro. A arte ser bem executada é apenas um detalhe dependendo da temática, mas muitas vezes a gente vai preferir um jogo com um visual bonito. Um jogo pode ser simplório, mas muito eficaz contando uma história, e isso faz o jogador se interessar pelos acontecimentos do jogo e não ligar tanto para a qualidade gráfica.

Também existem os jogos que podem ser muuuito realistas ou muito detalhados e bonitos e de fazer qualquer artista chorar, mas se a história não é bem contada, tudo aquilo não vai fazer diferença se o jogador está achando aquilo chato.”

Mais alguém aí lembrou de Uncharted 3 além de mim?

“Um exemplo bem extremo é o WarioWare, que tem uma arte horrivelmente mal feita, mas você aceita aquilo e se diverte. As histórias curtinhas são apenas pretextos, mas elas ajudam a te inserir naquele universo absurdo e depois disso você aceita qualquer outro absurdo que o jogo te propõe. Não é um jogo tão story-based, mas esses elementos ajudam.

Portal é um daqueles jogos que eu acho geniais em termo de construção de personagem, no caso, a GLaDOS. Portal pode ser um jogo de puzzles, mas se a GLaDOS não existisse, o jogo não teria a mesma graça e nem o mesmo reconhecimento. Ela é bem consistente, não revela tudo e te deixa imaginando o que poderia ser, tudo isso na medida certa. E acertar isso é que é dificil, porque nos tempos de hoje é muito fácil se perder em longas cutscenes e cinematics e ela não casar com o jogo em si.”

Pense nisso ou ele vai puxar seu pé à noite

Então fica aqui a nossa dica: não torça o nariz se os gráficos não parecem um filme – principalmente porque jogos não são filmes. O carinho que os produtores de jogos coloridos e cartunizados têm com o consumidor vai muito mais além do que simplesmente um show-off de poder HD. Dê uma chance a eles que você não vai se arrepender.

E para encontrar a Elisa pelas ~internetz~, é só acessar o site ou o blog. Divirtam-se com os bichinhos na galeria dela e até semana que vem!

 

Shana Ximenes começou a desenhar ainda nos tempos da Rede Manchete, mas trabalha com design pra não morrer de fome. Está por trás de praticamente todos os pixelarts desse site. É uma grande fã de rhythm games, Neil Gaiman e caldo de cana com pastel.

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