NEW AGE RETRO GAMER #7: Vagrant Story

  13/03/2012 - 16:31   Matsuno, NARG, RPG, Square,  
 


NEW AGE RETRO GAMER #7


Vagrant Story (PS1)
Squaresoft
2000

Eu sempre curti bastante JRPGs, mas de uns anos pra cá tem sido uma paixão cada vez mais difícil de apreciar. Mudanças no enfoque e escassez de títulos de qualidade – além, claro, de eu ter ficado mais velho – me deixaram um tanto seletivo. Salvo poucas exceções (The World Ends With You, Demon’s Souls, Tactics Ogre: Let Us Cling Together), títulos novos me empolgavam pouco, com seus diálogos a lá fanfiction pré-adolescente e gameplay de empurrar com a barriga. Daí, resolvi garimpar por jogos antigos que eu tivesse deixado passar. Assim que descobri EarthBound (tema do 1º NARG), e, meses depois, buscando por jogos de PS1, me lembrei do tal Vagrant Story que um amigo meu havia me apresentado tempos atrás (alô, Mackel!). Fui à internet: notas altíssimas, mas você quase não via gente comentando sobre ele fóruns afora. Qual era a desse jogo, então? Nove anos após o seu lançamento, mergulhei nele para tentar descobrir o que tinha de mais nesse título… e saí consideravelmente surpreso.

OS GAMER PIRA

Vagrant Story é um action-RPG desenvolvido pela Squaresoft e lançado no ano 2000 para o Sony PlayStation. O game foi dirigido e escrito por Yasumi Matsuno (“Deus”, em japonês), e foi produzido em conjunto com grande parte do time responsável por seu trabalhos anteriores (tais como Final Fantasy Tactics e Ogre Battle). Durante a época do seu lançamento o jogo foi incrivelmente bem recebido pela crítica, sendo o terceiro jogo a receber um score perfeito de 40/40 na publicação japonesa Famitsu (na época que eles não saíam distribuindo a nota máxima por aí feito brinde num pacote de Fandangos).

Acima: Peter Molyneux, só que ao contrário.

O jogo conta a história do “Riskbreaker” Ashley Riot, um dos agentes de elite do Valendian Knights of Peace (VKP). A missão de Ashley é contada na introdução da história: infiltrar-se no palácio do Duque Bardorba, que foi invadido pelo culto terrorista Müllenkamp poucas horas atrás. Fontes indicam que há uma ligação entre o Parlamento e o líder do culto, Sydney Lesstarot – além de zelar pela segurança da família do Duque, Ashley também deve descobrir quais são essas ligações. Após encontrar a agente Mello Carlose do lado de fora do seu destino, Ashley prossegue rumo ao seu objetivo da forma que Risbreakers o fazem: sozinhos. Após uma armadilha, Sydney avisa a Ashley que, se quiser saber a verdade, ele deverá segui-lo à cidade fantasma de Léa Monde. Tudo isso é contado nas duas introduções do jogo, todas elas feitas com a engine in-game e com uma das cinemáticas mais impressionantes do PS1, lado a lado de games como Metal Gear Solid ou Legacy of Kain: Soul Reaver.

Dá o play, Maca!

Apesar de fundamentalmente ser um JRPG, VS foge tanto aos padrões do gênero que nem mesmo os próprios criadores sabiam caracterizá-lo. Ao contrário do usual, não há um bando de selecionáveis: você controla um personagem só o jogo inteiro, Ashley Riot. Pontos de experiência? Não existem aqui. Níveis? Dinheiro? Naaah. Seu poder depende de seus equipamentos e o quão efetivos eles são contra tal inimigo, enquanto a evolução é contabilizada por uso e desuso: usar uma arma em um tipo de inimigo tornará ela mais forte contra este tipo, e até mesmo tomar dano em uma parte respectiva pode tornar ela mais resistente no futuro.

Achou pouco? Então toma mais: não há shops para comprar itens e equipamentos, pousadas para descansar, ou NPCs para se conversar. O que faz muito sentido, visto que Léa Monde é uma porra duma cidade fantasma, e “desolação” é a palavra chave aqui. Mas não pense que por ser só uma, a abandonada Léa Monde é pouca coisa: o ambiente explorável do jogo é bem grande, com diversos calabouços, videgas, becos, uma enorme catedral, os restos de uma civilização passada em seu subterrâneo, e vários de outros ambientes. Cada uma das salas possui um nome e o ambiente é estruturado de forma semelhante a Metroid ou Castlevania Symphony of the Night, com mais de um caminho para o mesmo local e novas possibilidades se abrem após algumas horas de jogo. Espere por áreas com inimigos, armadilhas, puzzles, segredos e baús escondidos.

"Você vem sempre aqui?"

O sistema de batalha é bem único e – desculpe-me pelo clichê – diferente de tudo que você já viu. Ashley pode equipar escudos, armaduras, luvas e botas para se defender, e espadas, adagas, lanças, bowguns, machados e mais algumas coisas que eu nem lembro agora para atacar. Ao apertar o botão de ataque, uma esfera em wireframe emana de Ashley (lembra de Parasite Eve? Tipo isso), daí você pode decidir onde quer atacar – cabeça, torso, pernas, braços. Cada parte terá uma reação em dano e em porcentagem de acerto, e atacar inimigos de certa forma pode gerar certos status. Ataque muito nas pernas de um inimigo e sua speed caíra em 50% por exemplo, mas fique atento porque eles podem usar o mesmo contra você. Após certo tempo de jogo entra em ação o sistema de chains, que deixa você combinar contínuos ataques com o toque de um botão, e ter ritmo é a chave. Mas não pense que tudo são flores: cada ação numa chain custa certos pontos de RISK, uma barra que vai se esvaziando rapidamente durante o game. Exagere nas chains e seu RISK irá pras alturas, tornando sua porcentagem de acertos bem mais escassa e um alvo fácil à critical hits do inimigo. Deixe seu RISK chegar a 100 e você terá inimigos comuns dando mais trabalho que os piores chefes, com um ou dois golpes sendo suficientes para te levar ao chão.

Outros subsistemas incluem o forjamento de novas armas e equipamentos a partir das já existentes. Esta é uma parte quase opcional, mas aqueles mais dedicados podem passar dezenas de horas (literalmente) procurando pelas armas e metais mais raros do jogo. Além disso há o sistema de afinidades – elemento das armas, tipo de lâmina, afinidade contra determinado tipo de inimigo – que é a fonte principal do quanto de dano você vai conseguir causar ao seu oponente, ao invés de apenas um número de poder de ataque. Há também o sistema de magias e Break Arts, que vão sendo liberadas à medida que você for jogando. Magias incorporam vários efeitos; podem recuperar seu HP, curar ou causar envenenamento, melhorar uma certa afinidade do seu equipamento atual, atacar os inimigos, melhorar sua força ou agilidade temporariamente, etc. Break Arts são ataques foderosos que usam o seu HP e podem causar um grande dano ao inimigo.

Escolha qual parte do inimigo atacar e mande bala

Como você já pode ver por essa enorme explicação o sistema de batalha é o ponto principal de VS, mas também representa o seu possível calcanhar de Aquiles: a sua assustadora profundidade tornou a experiência um tanto complicada para os jogadores comuns. O jogo é um oito ou oitenta: se você não compreender os esquemas básicos da batalha (tais como que as afinidades contra um inimigo contam bem mais que seu poder de ataque), após algumas horas você não conseguiria mais prosseguir no jogo. Você estaria tirando meros 1 ou 2 pontos de dano dos chefes – ou até dos inimigos comuns – e não entenderia o que determina uma arma ser mais forte que a outra, tornando a experiência frustrante. É um sistema complicado, e exige sua dedicação para entendê-lo, mas é um aprendizado interessante assim que as peças começarem a se encaixar. (Não vou negar, na primeira vez que joguei, eu passei HORAS tentando entender o que estava fazendo de errado. Foi só após parar, repensar e analisar bem cada um dos aspectos – e muitos dos menus de estado – que tudo começou a fazer sentido.)

Vá se acostumando desde já com essa tela, você vai passar um bom tempo aqui

Vagrant Story é melhor lembrado em discussões sobre “melhores gráficos” ou “melhor arte” em um console, e não é à toa: mesmo hoje, doze anos depois, Vagrant Story é visualmente impressionante. Baixa resolução à parte, poucos games daquela época envelheceram tão bem. Todos os cenários são em 3D, a modelagem e movimentação dos personagens é incrível, e as cutscenes do jogo contam a história de forma excepcional. Da desnorteante floresta dos vagalumes às sombrias catacumbas e a gigantesca catedral onde ocorre o desfecho, a produção técnica ímpar traz os ambientes a vida. A fantástica trilha sonora de Hitoshi Sakimoto (vão se acostumando), produzida para combinar com cada uma das situações e alternando de forma dinâmica de acordo com a progressão das cutscenes, deixa o aspecto cinematográfico ainda mais forte. Talvez um dos únicos pontos negativos do quesito técnico seja a ausência de dublagem, restando aos diálogos se desenrolarem em bolhas de texto semelhantes às de HQs. Não sou de reclamar muito por falta de dublagem, mas em um jogo tão cinemático quando VS, é inegável que ela encaixaria como uma luva (zorra, apesar de não falarem, os personagens chegam ao ponto de apresentar sincronia labial com suas falas!)

Guildenster leva o nome muito a sério e esquece que isso aqui não é Hamlet

Quando eu tive a ideia do NARG, eu pensei principalmente em mostrar a outros fãs de videogames que existem muitos títulos de excepcional qualidade mas que, por qualquer que seja a razão, nunca foram lá muito populares entre a massa. Para cada Uncharted 2 ou Super Smash Bros Melee que orgulhosamente reflete sua qualidade com vendas e renome, há algum ilustre desconhecido que vai além do usual, destruindo paradigmas e reconstruindo o modo de jogarmos videogames. Se eu tivesse que escolher apenas um exemplo disto, eu escolheria Vagrant Story. Balanceando um misto de épico medieval cinematográfico com um dos sistemas de jogabilidade mais casca-grossa de se aprender que eu lembro (dois opostos difíceis de balancear); recompensando a curiosidade, raciocínio e experimentação. Vagrant Story é rico, profundo e polido em praticamente todos os seus aspectos, e muito da sua ambição permanece ímpar mesmo hoje, doze anos após o seu lançamento. Ofuscado diante de jogos mais acessíveis e com maior apelo popular como Final Fantasy VII e Xenogears, ele permaneceu como “mais um dos mil RPGs do PS1″ para aqueles que nunca se aprofundaram no jogo, mas como algo único para aqueles que tiveram a perseverança de ir até o final. Tanto sua dificuldade quando sua duração dependem diretamente da astúcia do jogador; houvesse feito mais sucesso, poderia ter reformulado muitos aspectos do gênero como o conhecemos.

A cadetral

Tomando elementos de vários outros estilos, contando uma história de tom maduro e injetando criatividade e ousadia em um gênero que é infelizmente conhecido pela mesmice, Vagrant Story mostra que JRPGs ainda têm muito potencial para expansão e não precisam ser todos iguais. É um game fantástico do início ao fim, e um dos títulos mais impressionantes do PS1, que infelizmente não recebeu todo o valor que merecia. Como alguém que analisa games, eu o recomendaria como essencialmente obrigatório para qualquer pessoa que goste de JRPGs. Como jogador, me restaria apenas afirmar: meu jogo favorito, sem sombra de dúvidas.

Image

[Vagrant Story está disponível para PS1 e também para download na PlayStation Network, na seção PSOne Classics.]

NOTA: A partir da semana que vem, o NARG deixa as terças-feiras para dar o ar da graça às quartas.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador/BA, estuda psicologia e acha que entende alguma coisa sobre design de games. Gosta de ska, jogos retrôs, e camarão.
  • Mutsukki

    Sempre fui muito curioso em relação a Vagrant Story. Parece um jogo foda, mas não sei se me adaptaria hahahaha, só resta tentar pra ver.

  • https://www.facebook.com/profile.php?id=100000312398035 Samuel Hynx

    Tinha escrevido uma bíblia, mas perdi o comment.

    Resumindo: de todos os NARG, esse é o único que não sou saudosista. Os anteriores eu olho para trás dizendo "PQP, aquele era animal!" (principalmente Earthbound), mas Vagrant Story não envelheceu bem.

    No máximo considero um jogo bom para sua época, que hoje é impossível de não se notar falhas. Realmente não recomendaria NINGUEM jogar hoje em dia.

  • Rafael_Shazan

    Nunca joguei essa porra. Preciso. Passei com meu nostalgia-train pelo SNES jogando de Mario RPG a Super Metroid e agora vou passar o caminhão no PSX. Claro que vai demorar 20x mais horas pra terminar os jRPG do garoto.

  • Higor Branco

    Muito bom texto, Rod. Parabéns!

  • http://www.facebook.com/profile.php?id=100002603851584 MVikttor Rodriguez

    Esse game é muito bom, tenho ele no meu psp. Recomendo.

  • EltonBM

    Lembro de quando joguei Vagrant Story pela primeira vez no meu PS1 clássico. Eu fiquei bem assustado com a qualidade do jogo, afinal, um 3D que convencia no PS1 era muito raro, na época só tinha visto aquilo em Driver, em Silent Hill, Syphon Filter, em Toshiden 3 e Soul Edge.
    Mas não tinha visto aqueles gráficos em RPG's, bom, talvez em Legaia, mas esse eu conheci depois.
    Infelizmente não cravei as garras no Vagrant, principalmente por que estava vidrado em Chrono Cross naquela época.
    O que me deixa feliz é saber que posso experimentar esse jogo no meu PSP, junto do Parasite Eve.
    Talvez a artigo pudesse ter aprofundado um pouco mais na estória de VS, mas ficou muito bom.

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