ARTESFODA BR #11 – bitmOO, a criativa moo artist

03/05/2012 – 22:34

por Shana

Muitas pessoas acham que sua expressividade está nas palavras (algumas inclusive gritam), e acabam deixando de lado outras formas de expressão, como cantar, fazer música ou simplesmente rabiscar alguma coisa, ou enquanto a vontade de assistir a aula não chega ou quando o ócio bate forte o trabalho. Ou mesmo quebrar a rotina, resolver encarar as coisas de outra forma, agir diferente.

Usar a criatividade ou não se restringe só ao visual, mas em quase todos os aspectos da vida – basta sair do lugar-comum.

Nossa convidada da semana preza muito isso, e é nossa querida bitmOO!

E sua vaquinha

Karen Garcia Teixeira tem 26 anos, é nascida em Santos e foi cursar Artes Visuais na UNESP em Sampa, onde ficou morando pelos últimos 7 anos. Só que daí veio uns gringo do Bossa Studio roubá-la pra ir trabalhar lá em Londres como 2D/UI (user interface) artist. Ela também faz parte do Miniboss Studio!

Algo muito importante de ser ressaltado: o apelido dela é bitmOO – bit de bit (?), moo por causa do som que vaquinhas fazem e os dois Os em maiúsculo porque o nick dela também é míope e usa óculos.

Bitmoo foi uma daquelas crianças do cantinho sem muitos amigos, que ficava desenhando, lendo e escrevendo histórias. Ficava criando mini-gibis, mas também cresceu rodeada de computadores e sempre amou animais e o ambiente, então queria ser desenhista, escritora, cientista, ativista do Greenpeace (pausa pra respirar). Teve alguns períodos de maior ou menor dedicação ao desenho, mas nunca parou de desenhar.

The Legend of Harvest: Ocarina of Moon

Sua maior inspiração foi Maurício de Sousa, porque, como a maioria da nossa geração, cresceu junto com a Turma da Mônica (que na verdade só foi crescer mesmo em 2008), e acabou virando sua referência mais querida. Mais tarde, vieram os mangás, mas como nunca se considerou uma artista de mangá muito decente, tentou desvincular um pouco desse estilo na faculdade, procurando encontrar algo mais autêntico. Também é apaixonada pelo trabalho da Mary Blair (Peter Pan, Cinderela, Alice) e outros artistas da Disney, tem um amor enorme por ilustrações de livros infantis. Além de Maurício, ainda tem como fortes referências cartunistas como Charles Schulz (Charlie Brown) e alguns artistas do mundo dos joguinhos eletrônicos, como Kazuma Kaneko (Shin Megami Tensei series) e Shinichi Kameoka (Legend of Mana, Mother 3).

Como o Atari já estava entre sua família antes de se conhecer por gente, começou abalando com River Raid, Enduro e Pitfall (e admite que achava a caveirinha do subsolo aterrorizante – ai gente, era mesmo viu). O coitado do pai é que levava a pior, porque tinha de digitar aquelas linhas imensas de código para fazer um jogo no TK-90x (gente!). Depois disso, Bit passava horas jogando Sokoban (sdds), Life&Death e Gorillas (não a banda) nos PC-XT e PC-AT da família. A maior alegria foi quando compraram um SNES, apesar de que o fato do console ter vindo com a fita do jogo da Bela & a Fera ao invés de Super Mario World ter estragado a festinha inicial (devo dizer que senti a raiva em suas palavras, viu).

Virou fã de jrpgs ao jogar Final Fantasy, porém, depois de passar 200 horas jogando Persona 3, resolveu diminuir um pouco o tempo gasto nos rpgs pra distribuir melhor entre outros jogos, principalmente depois que o Steam apareceu. Além de jrpgs, gosta de adventures point-and-click, simuladores (The Sims) e estratégia em tempo real (Age of Empires) e por turno (Civilization).

É uma fã incondicional da série Megami Tensei, a qual acha muito underrated e que passaria batido se não fosse por Persona. Gosta muito também dos jogos do Team ICO (ICO, Shadow of the Colossus e The Last Guardian se você tiver muita fé na humanidade) e das insanidades da cabeça do Keita Takahashi (Katamari Damacy); além de acompanhar os brother indie, tendo uma grande admiração pela thatgamecompany (Journey, Flower) e Amanita Design (Machinarium, Botanicula).

E ama todas as versões de Harvest Moon. Todas.

Shadow of mOOnlossus

Antes de entrar na faculdade, trabalhar com jogos não lhe parecia possível. Queria fazer um curso de Design de Jogos ao invés de Artes, mas uma faculdade paga estava fora de cogitação. Durante algum tempo na faculdade, abraçou o 3D e modelagem pois achava que era esse o caminho, mas acabou não se achando. A partir daí, começou uma bolsa de iniciação científica sobre jogos e conheceu pessoas, fez contatos e aprendeu por conta própria. Com mais dois colegas tentou fazer um grupo de interessados em jogos, mas uma parte acabou caindo fora quando percebeu que precisava mesmo colocar a mão na massa e isso não seria tão fácil como parecia no papel. Porém, com isso acabou formando um trio com os colegas iniciais que resultou no jogo My Country My Name, que, apesar de não estar finalizado até hoje, foi um ótimo aprendizado.

Na mesma época (meados do segundo semestre de 2010) que conheceu a Amora e o Santo (fundadores do Miniboss) e, provavelmente muito assustados com a stalkeação insana da Bitmoo, resolveram acolhê-la como membro. Fez concepts para Talbot’s Odyssey e trabalhou em alguns outros jogos, como Planetary plan C, Down Goes The Phoenix e Trapped! In the Chamber of Eternal Darkness. Trabalhou também na 8Dgames, onde trabalhou no PetLeco (citado na última coluna), Open Drink e mais alguns que ainda não foram publicados; já na Tapps, onde estava trabalhando até ser chamada para Londres, produziu Honey Battle para iOS e Android.

Trapped!

O motivo de querer trabalhar com jogos é simples.

“Acho que é por ser o ramo que mais junta coisas que eu amo fazer. É uma área cheia de potencial criativo: é entretenimento, é lúdico, é imersivo, pode abranger tanta coisa diferente! Sempre achei incrível me sentir comovida com jogos, chorar, gargalhar, ficar incrivelmente tensa com uma história, personagens e por estar no controle de situações que nem ao menos são reais, seja o simples fato de sentir as pernas bambas com vertigem quando eu jogo algo em 3D e preciso subir em algum lugar alto (eu tenho muito medo de altura) ou parar de jogar um jrpg por um dia inteiro por um personagem querido da história ter morrido – toda uma gama de experiências diferentes que você pode ter sem sequer sair do lugar – ao menos não fisicamente. Mas sabe, acho que tive certeza mesmo que tinha feito a escolha certa quando vi na exposição do My Country My Name um grupo de garotos jogando o nosso jogo e se divertindo. Enquanto eles davam risada eu queria sair pulando e berrando pra todo mundo: ‘É isso! É isso que eu quero fazer pro resto da minha vida!!’”

os tio do churrasco etc

Como Bitmoo admira muitos artistas que trabalham com jogos, eles acabaram influenciando seu próprio trabalho; porém o que a atrai mais e considera importante o que trouxeram para seu trabalho com arte, é o aspecto lúdico e a forma honesta como nos relacionamos com a mídia, algo meio 8 ou 80: ou você gosta ou não gosta, ou te distrai ou é chato.

“Eu tenho um flerte pessoal com a melancolia (adoro uma historinha de drama, uma tragédia e um angst), mas eu -amo- fazer as pessoas sorrirem. E eu trago isso comigo tanto pra games quanto pra arte que eu gosto de fazer. Acho que chocar as pessoas com violência ou tragédias é uma saída fácil e cômoda, simples de se conseguir com um jogo – acaba sendo uma ferramenta sedutora e usada à exaustão. Rola uma identificação fácil, a violência está ali, da porta pra fora quando você sai de casa, no jornal, no noticiário – e em coisas simples, como picuinhas e problemas: vai medir o tempo que dura uma conversa sobre a sua sinusite, cólica e uma sobre como você se sentiu feliz por qualquer coisinha simples e igualmente corriqueira.

Quando eu jogo Botanicula (Amanita Design) ou Flower (thatgamecompany), eu me sinto feliz comigo mesma. Não é felicidade de gargalhar, é satisfação de sorrir com bem estar, sabe? É algo mais difícil de conseguir, e é algo que eu acho que faz falta nos jogos de hoje em dia. Tento, na medida do possível, trazer isso pra minha arte, usar isso de norte. No Bossa Studios, onde eu trabalho atualmente, tem um quadro que diz “WORK HARD, PLAY HARD AND BE KIND“. Eu acho que as pessoas se esquecem especialmente da última parte, do “Be kind”. Acho que anda faltando gentileza no mundo. Talvez seja por isso que eu goste tanto de vacas – tem algo mais pacífico e gentil que uma vaquinha ruminando?”

Para ela, o mais importante em relação a desenho é que, antes de ele ser avaliado pela beleza, perfeição ou realismo, é a possibilidade de expressão e liberdade que o ato de desenhar proporciona.

A arte é uma maneira de nos relacionarmos com o que encontramos no mundo, e o desenho é uma das primeiras formas de expressão que temos na vida – e acabamos tirando isso de maneira besta: “(dizendo) ‘Como assim você está pintando o céu de cor-de-burro-quando-foge e desenhando cachorros que voam?’. Eventualmente a criança vai achar que não sabe desenhar pessoas que parecem com pessoas e pôr o lápis de lado.

Acredito que esse potencial de expressão e liberdade é importante especialmente pra quem tem o desenho como profissão. Fora da zona de conforto é que a mágica acontece – e acredito que isso vale pra praticamente tudo na vida. Empurrar fronteiras, experimentar, olhar as coisas por outras perspectivas, ser versátil e aprender coisas diferentes sempre traz vida nova pro nosso trabalho e crescimento pessoal. A técnica e a prática são importantes e vão te trazer instrumentos a mais pra sua arte, claro, mas não vai ser a técnica sozinha que vai tornar a sua arte distinta, algo que seja seu e no qual você se reconheça. Mas isso leva tempo, causa bagunça e borrões. Somos criados pra sermos intolerantes ao erro quando muitas vezes ele é mais um sinalizador de onde está o que buscamos do que algo ruim e danoso por si – só que a gente acaba interrompendo o processo antes de sequer descobrir isso. Criatividade e experimentação andam juntas e são forças renovadoras e agentes das mudanças e descobertas mais incríveis.”

Como uma pessoa que acabou sendo exportada para trabalhar com o que gosta, Bitmoo tem muito a falar sobre as dificuldades com a carreira.

 “Ser ilustrador no Brasil tem um quê de equilibrista na corda bamba – depois de um tempo não sabia mais explicar pra minha mãe como eu estava com 26 anos nas costas e sem qualquer perspectiva de uma vida profissional estável, mais agravada ainda pelo fato de trabalhar com games e startups falindo estar mais em moda que sapato croc no último inverno. Depois de um tempo a gente acostuma, mas vai explicar isso pros teus pais e falar pra eles não se preocuparem! E mesmo quando você dribla as dificuldades financeiras, tem os perrengues emocionais, a necessidade de se adaptar, de ter consciência de que você ainda tem muito a aprender como profissional, de saber lidar com a auto cobrança sem se sufocar, mas também sem relaxar e estacionar, de se ver muitas vezes tendo de fazer arte pra clones de jogos que são clones de outros jogos, isso tudo somado a uma crença vinda não sei onde de que o que fazemos é fácil.

Bate a insegurança pessoal, a nóia de não saber se vamos ter trabalho no mês seguinte, e pra quem está longe de casa, de lidar com parte disso enquanto sente saudade da família, dos amigos, do pastelzinho com caldo de cana da feira, do café da tarde da mãe com pão de cará da padoca santista e da cachorrinha. Isso porque volta e meia sempre tem um pra apontar o dedo na sua cara e te julgar por ter saído da cidade, estado ou país, geralmente com um discurso bonito que vem acompanhado de uma casa com carro na garagem. Por mais difícil que seja, não trocaria o que eu faço por nada – hoje me sinto realizada trabalhando com games e feliz de poder ganhar a vida fazendo o que amo. Acredito que as oportunidades sempre vêm pra quem persiste, se dedica e faz o seu trabalho com amor (o que é diferente de “por” amor, então galera, vamos parar de sacanear os ilustradores que eles também tem contas pra pagar, tudo bem?).”

Bora ser criativo na vida então?

Quem quiser entrar em contato com a Bitmoo, tem tudo isso aí: Website principal, Sketchblog, Behance, Cargo Collective, Deviantart e Twitter.

Curtam a galeria dela logo abaixo e até semana que vem!

 

P.S.: Bit, eu não sei como eu faria sem o pastel e cana da feira, peleia travada essa! Na próxima vez que vier visitar a terrinha da garoa, pode deixar que o pastel e a cana serão por minha conta e que vai compensar todo o tempo que esteve sem eles!

Shana Ximenes começou a desenhar ainda nos tempos da Rede Manchete, mas trabalha com design pra não morrer de fome. Está por trás de praticamente todos os pixelarts desse site. É uma grande fã de rhythm games, Neil Gaiman e caldo de cana com pastel.

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