David Cage e polígonos: Tecnologia é tão importante assim para transmitir emoção?

O Playstation 4 foi revelado ao mundo em uma conferência especial que durou duas fucking horas. Menos de metade disso teria sido mais que o suficiente pra mostrar o controle, especificações técnicas e aqueles conceitos de interação social, então obviamente muita gente foi chamada para ir ao palco basicamente para pagar pau pro console e contar pra plateia um pouco sobre jogos e engines em andamento para a nova plataforma.

Uma dessas pessoas foi o ilustríssimo (?) David Cage. Caso não esteja familiarizado com o nome, esse é o mastermind da Quantic Dream, o cara por trás de Heavy Rain. Caso esteja familiarizado, deve saber que ele é famoso por fazer afirmações grandiosas sobre o potencial artístico dos jogos para expressar emoção, temas complexos e se aproximar cada vez mais de Hollywood. Sua apresentação na conferência da Sony não foi exceção. Se seu inglês estiver afiado, pode conferi-la na íntegra no vídeo abaixo.

Basicamente o que o tio Cage fez foi explicar que quanto maior for o número de polígonos utilizados na renderização de um personagem, mais complexas e sutis serão as emoções que ele será capaz de expressar, pelo menos através da animação de músculos faciais. O que não está errado, vale dizer, é uma conclusão bastante óbvia. O problema é ele usar essa informação para dar a entender que os jogos precisam dessa tecnologia de ponta pra renderizar trocentos trilhões de polígonos se quiserem transmitir emoções mais complexas, variadas e intensas do que normalmente transmitem.

O baixo número de polígonos não pareceu ser um obstáculo para comover muito marmanjo por aí quando o Sephiroth fincou dois metros de Masamune no corpo da Aerith (spoiler!!!). E o que dizer de To the Moon, provavelmente um dos jogos mais tocantes que já vi, feito totalmente no RPG Maker? É contraditório o fato de eu ter sacado as nuances das emoções dos personagens e ter lacrimejado fortemente aqui (na verdade só caiu um cisco no meu olho) mesmo com as limitações tecnológicas?  E Thomas Was Alone que tem personagens mais carismáticos e com mais personalidade do que a maioria dos jogos recentes, mesmo sendo só um monte de retângulos e quadrados coloridos?

Dá-lhe RPG Maker!

Todos esses jogos citados conseguiram criar momentos emocionalmente impactantes não em função da tecnologia, mas sim por causa de dois elementos muito mais importantes: carisma e contexto. Se o contexto for suficientemente convincente e os personagens forem carismáticos o bastante, o jogador tende a ficar emocionalmente envolvido e preencher a lacuna com sua imaginação (que por sinal é mais poderosa que um PS4). Simples assim. Isso vale até para a Hollywood que o Cage tanto idolatra. Nem o Al Pacino na mais brilhante e sutil atuação de sua vida conseguiria salvar um personagem escrito de maneira medíocre e colocado em situações forçadas.

Tudo bem, qualquer um pode dizer que uma coisa não anula a outra e você pode ter uma puta de uma tecnologia fudida usada em uma história muito bem escrita com personagens inesquecíveis. Concordo, e a Pixar está aí para provar isso, mas não é o que podemos observar no trabalho do próprio David Cage. Para ilustrar melhor isso, darei um pequeno spoiler da introdução Heavy Rain. É algo que rola bem no comecinho realmente não estraga a experiência no que rola a partir disso, mas tá avisado pra quem não jogou e é radical quanto a isso de não saber de nada. Continua comigo? Ok então, próximo parágrafo.

Jason: “FUCK THIS SHIT! vou pegar esse balão e sumir daqui, CONHECER O MUNDO!”

Lembra de quando você tem que comprar um balão vermelho para o seu filho JAASOOON dentro de um shopping e do nada o moleque começa a andar sem rumo até morrer atropelado do mais completo nada? Essa é a cena que faz Heavy Rain começar de fato. Ela justifica todo o drama do protagonista, a relação dele com o filho mais novo e a cadeia de eventos que faz a trama do jogo engrenar de fato, então é sensato deduzir que o David Cage tenha visado aqui um forte impacto emocional. E o que temos de fato é um motivo de piada entre quase todo mundo que jogou. Motivo? Personagens tomando atitudes artificiais e criando uma situação forçadíssima. Eu poderia incluir como exemplo a revelação das motivações do Origami Killer, mas aí já é spoiler demais. Quem zerou sabe do que estou falando.

E não me entendam mal, eu curti Heavy Rain. Achei uma experiência bem interessante, teve seus momentos memoráveis e os esforços do Cage e da Quantic Dream nesse e nos próximos títulos são totalmente válidos. O que fodeu foi a expectativa irreal que foi criada em cima do título, alardeado pelos produtores como uma revolução tecnológica e narrativa que levaria os video games a um novo patamar. Porque pra cumprir essa promessa a trama precisaria de personagens extremamente carismáticos em situações muito intensas e convincentes, aliados a um uso competente da interatividade na narrativa, ponto forte dos video games em relação a outras mídias como cinema e literatura.

Foi por nos trazer justamente isso que The Walking Dead foi tão aclamado por crítica e público no ano passado. Não é curioso que um adventure da Telltale sem nem um terço da tecnologia que a Quantic Dream tem à disposição tenha se tornado o que Heavy Rain tentou ser e não conseguiu? Tem evidência maior que dessa de que nosso amigo Cage pode estar seguindo numa direção meio equivocada?

Quantos polígonos tem o rosto dela mesmo?

Não me incomoda a Quantic Dream  investir uma caralhada de recursos em tecnologia própria pra mapear o rostinho da Ellen Page nos mínimos detalhes. Toda evolução tecnológica é bem-vinda. O ponto é que jogos não dependem de tecnologia de ponta para comunicar emoções intensas e complexas. Acredito que o David Cage é um game designer experiente o bastante pra ter isso em mente, mas o tom – e a prepotência, se me permite – das suas declarações pode culminar num artigo da Forbes afirmando que o hiperrealismo desses trilhões de polígonos nos levará ao “Cidadão Kane dos video games”.

E vejam só, talvez o Cidadão Kane dos videogames já exista e seja todo pixelado ou quadradão. Talvez ele não exista e nem existirá. Talvez nem precisemos de um Cidadão Kane pra podermos bater no peito e dizer que joguinho é arte com A maiúsculo. Talvez o segredo seja parar de ficar traçando paralelos idiotas com Hollywood e seguir nosso próprio caminho.

Chupa essa Forbes!

Por hora, espero que o Cage não pense que sou louco por achar Adventure Time mais expressivo e emocionante do que qualquer coisa que ele tenha criado. Acontece…

Cellus

Sobre

Ébano, Dreads, Maconha e Loucura. Aqui a chapa é quente e o sistema é bruto. Vigiado 24 horas por dia por fofoca. Sua inveja é meu Noz. Fé em Deus é amor pelos Irmãos, Tucuruva 4 Life.
  • http://twitter.com/desgastada @desgastada

    E quantos polígonos tem em um livro mesmo?

  • http://twitter.com/MadzFox @MadzFox

    Sempre acho besta essa coisa de "O Cidadão Kane de X", Cidadão Kane podia ser o filme mais incrivelmente bem escrito, atuado, filmado e etc que não mudaria o fato dele ser um filme.

    A mesma coisa pro argumento "Jogos são arte" por que no fim das contas, TUDO feito pra se expressar é arte, o termo acaba sendo ligado a gente pretensiosa e não melhora o que o povo acha dos vídeo games na mídia geral.

    Aaanyway, espero que ele gaste uma parcela desse dinheiro que ele ta queimando violentamente em tecnologia em alguns bons escritores. Mesmo que a história ou a ideia geral seja questionável, bom dialogo que faz com que você se importe com os personagens e acaba salvando o barco no fim das contas.

  • leandrobelmont

    só do GAMESFODA ter mencionado Cidadão Kane para comparar com jogos eletrônicos, subiu ainda mais no meu conceito.

    olha sobre a tecnologia ser importante e demonstrar emoções, não são os gráficos. mas sim os personagens e a situação naquele momento que se encontra ali. é como foi dito aqui, seja em Journey, Out of This World,But Was Yesterday, To The Moon e outros provaram que mesmo com poucos recursos, são capazes de fazer muitas pessoas ficarem tocadas com bonequinhos em bits. uma história bem contada de um game vale mais do que gráficos.

    espero que a nova geração futuramente tenha mais games tocantes com Thomas Was Alone do que jogos de zumbis e FPS

    • sksonicsk

      Eu acho que jogos de zumbis e FPS são sim extremamente necessários. Como o Neo disse no comentáro acima, nós não precisamos de jogos que sejam arte. Se todo mercado foi focado nisso, todos os jogos vão virar Heavy Rain e vai ficar só por isso.

      O próprio Kojima adorou L4D e ficou um tempão jogando mesmo sendo nossa fps genérico zumbi etc etc

      • leandrobelmont

        Scksonic, é exatamente disso, OBRAS DE ARTE EM GAMES que estamos REALMENTE precisando. há tantos FPS que qualquer novidade em algum game novo nessa aréa se esvai.

        olha o MOH Warfighter por exemplo, mesmo eu achando um jogo massa bagarai, a grande maioria o massacrou sem dó e olha no que deu, acabou a franquia…uma grande perda. e justamente a COD e BF que ficaram poderosos demais. qualquer FPS vai ficar assim: uma imitação de COD Black Ops 2 ou Battlefield 3… e jogos de zumbi. amigo, vei, na boa… já deu o que tinha que dar. o que era para ser relacionado a terror e desespero a ser motivo de chacota…assim como fizeram com os vampiros. RE5 e 6, é um exemplo que o tema está tão saturado, que o impacto se perdeu.

        já viu nos cinemas, Meu Namorado é um Zumbi???

        é disso que estou falando, nos games então, nem se fala.

        tanto que agora os Aliens parasitas de Dead Space são o novo terror atualmente, dizem que até Silent HIill Downpour se perdeu…

        você Sksonic, já jogou Shadow of Colossus, Journey, ICO, But Was Yesterday, Heavy Rain,Sound Shapes, Flower,Out of This World? amigo, faça o favor a si mesmo e zere um desses. ao menos teste, vai se tornar uma pessoa melhor após joga-los.

        ao menos que você seja jogador assíduo de COD,BF, Fifa ou PES. aí nesse caso amigo……Deus te Ajude.

        • http://elkritzkrieg.wordpress.com neovillen

          Acho que tu não leu o que ele disse.

          • leandrobelmont

            e você leu menos ainda do que eu disse. tanto faz se Kojima gostou de Left for Dead, ou você quer que o próximo MGS seja de zumbis? ou de FPS? garanto que os fãs iriam adorar a mudança de estilo.

            espero que na próxima geração tenha menos zumbis, BEM menos FPS e mais jogos de gêneros variados como RPG, esportes, aventura, puzzle, point and click…

            e muitos The Last Guardian para essa nova geração enxergar além de jogos de tiro. e para mudar essa crença que videogame é para crianças, mas sim para todas as idades.

          • http://elkritzkrieg.wordpress.com neovillen

            Bom, o Kojima estava sim planejando pra que MGS4 fosse um FPS, mas isso não vem ao caso. O ponto é: dá pra fazer arte com qualquer coisa. Não importa se for com zumbi ou FPS, tem aí Walking Dead e Bioshock pra provar. Clichê anti-clichê não funciona mais, discurso pronto só existe até subverterem, e já foi feito muitas vezes.

        • sksonicsk

          Acho que você esqueceu que estamos falando de uma indústria assim como toda outra qualquer, e que uma indústria precisa de dinheiro, não só de obra de arte. Nenhum momento falei que obras de arte deveriam deixar de existir – ambos são necessários.

          Se fosse assim, a Clover Studio nunca teria falido – pelo contrário, estaria faturando milhões. Eu adoro jogos arte, mas a empresa não só podem mas como precisam lançar blockbusters pra se manterem vida.

          De qualquer forma, eu nem preciso responder alguém que não sabe nem escrever um nickname e acha que tá ofendendo os outros chamando os outros de jogador de COD né? Além de se achar superior por jogar ~jogos artes~

          Edit: Se não gosta de FPS e de Zumbi não compra uai

          • leandrobelmont

            eu não me acho superior por achar que Last Guardian é mais "culto" e divertido do que um Left for Dead. é como falei, o gênero zumbi está saturado até o talo, que qualquer coisa relacionada com o tema, que DEVERIA ser de terror, se tornou algo divertido….pffft

            se você leu alguma HQ do the Walking Dead, sabe que um mundo cheio de zumbis não é cool bagarai ou divertido como a maioria está pregando por aí. é pavor e sofrimento.

            e eu não o insultei o chamando de jogador de COD, disse QUE SE for um jogador assíduo, que joga apenas FPS e nada mais. que acho que você não é certo? você deve jogar vários tipos de game, já que mencionou a Clover Studios.

            e o seu Nick eu errei de pressa mesmo. não por não saber escrevê-lo

  • http://elkritzkrieg.wordpress.com neovillen

    hahaha alguns anos atrás eu apreciava demais o David Cage pelo experimentalismo dele e tudo o mais, mesmo Fahrenheit perdendo as estribeiras na metade e tal. Hoje em dia ele é a encarnação do que eu mais abomino na indústria – o modo de pensar ocidental, denso, de que uma coisa precisa emular as outras pra causar as mesmas emoções. Nós não precisamos de um Cidadão Kane, nós não precisamos emocionar imitando filmes, nós já temos obras de arte como Metal Gear Solid 2 e Majora's Mask que são coisas que só poderiam existir nessa mídia. Nós já temos Mother, e temos Bioshock, e temos Walking Dead e Catherine e Shadow of the Colossus. Nós não precisamos emular o cinema ou a literatura pra causar o mesmo impacto – e poucos developers ocidentais pensam nisso. Pra cada jogo "maduro" que sai aqui, que conta uma história "dark" e "real" e "humana", a indústria dá um passo pra trás porque aí vamos viver sempre nessa sombra de que joguinho é cinema com controle.

    Não é assim, a mídia de videogames tem nuances que só podem existir com a interação, por menor que seja – é só ver a cena do corredor de Metal Gear Solid 4. Não são cutscenes que tornam um jogo um filme, é a filosofia de design de que cutscenes só podem existir pra passar história, de que a jogabilidade só pode existir pra divertir, de que quanto mais camadas no som melhor.

    Pra cada Spec Ops: The Line que sai aqui no ocidente, saem outros dez Assassin's Creed que prezam mais pela tecnologia e liberdade do que pelo fato de que temos que sair da área de conforto e fazer jogos que empurram um pouco mais a barreira que a gente coloca em nós mesmos. Arte é arte em qualquer lugar, seja você lendo, assistindo ou jogando. Não precisamos do David Cage pra provar que "jogos" são arte porque nunca tudo dentro da mesma mídia vai ser artístico. Nós precisamos de jogos que sejam arte, não de um alvará de "sim, jogos são arte". O primeiro depende só da gente, o segundo não serve pra nada.

    • http://twitter.com/twero @twero

      Égua, eu juro que aquela parte do corredor me fez suar…e meu botão triângulo nunca foi não esmagado como antes.

  • sksonicsk

    Poderíamos ir mais longe e dizer que não somente polígonos, mas sim toda a tecnologia ao redor da produção de um jogo não é a coisa mais importante. O próprio Final Fantasy VI tem uma ópera no jogo e nada foi feito com um "nossa vamos fazer uma parte pra todo mundo se emocionar sentar e chorar na frente do console".
    Talvez o pior problema das últimas gerações com o avanço da tecnologia são querer transformar livros e filmes em jogos.

  • http://twitter.com/twero @twero

    Pois é, respeito o Cage pelo profissional que é, mas a chupação de pau que ele faz de Hollywood é demais.
    O artigo expõe bem o que pensamos: Não precisamos de hiper-realismo, ou um filme em formato de jogo (isso existe ao monte) para termos empatia, gargalhadas e choros por personagens pixelados: um grande carisma ou uma construção de personalidade bem trabalhada fazem isso.

  • http://twitter.com/JardesonBarbosa @JardesonBarbosa

    Palmas para esse texto!

  • charles_albert

    Esse David Cage tem uma puta cara de bundão, daqueles que chora quando toma fora de uma mina (ou um cara, quem sabe)

  • http://twitter.com/fabiopl @fabiopl

    Matou a pau.

    "Nem o Al Pacino na mais brilhante e sutil atuação de sua vida conseguiria salvar um personagem escrito de maneira medíocre e colocado em situações forçadas."

    Isso é tão óbvio e me preocupa e mr irrita um pouco que esses gamedesigners metidos a besta não enxerguem isso.

  • Anarcker

    Isso de gráficos mais fodas ou mais simples é totalmente relacionado ao projeto e a visão da equipe e/ou da direção do mesmo.

    No fim, é algo que ajuda a deixar mais bonito, imersivo e etc, mas não são tantas vezes em que eles (gráficos) são o fator determinante.

  • http://twitter.com/twero @twero

    Ah, tem mais uma coisa.

    Ele fala tudo isso para chegar em um "Cidadão Kane dos jogos".
    O filme não precisou ser um primor técnico para causar tanto furor. Com o que tinham na época, fizeram tudo aquilo. Se eu mostrasse para um moleque hoje, a primeira coisa que ele reclamaria seria o preto-e-branco e a qualidade da imagem, por favor!

    Só porque as coisas não estão em blu-ray, 1080 FULL-HD a 60fps com zilhares de polígonos não quer dizer que possam criar uma cratera com o impacto emocional.

    Há muitos, mas muitos jogos usando pizel-art, além dos citados aqui, e que não precisaram de muito para fazer muito marmanjo chorar.

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