NEW AGE RETRO GAMER #34
Chrono Trigger (Snes)
Squaresoft
1995
Chrono Trigger nunca poderia ter sido um acidente. Era impossível. Jogos bons não acontecem por acaso, como um rolar de dados; mais como uma química ou uma ciência do que uma arte, na criação dos jogos todos os aspectos precisam ser milimetricamente calculados, estudados e testados para o resultado final ser aquilo que se espera. Programação é uma quimera que opera em antítese criativa à visão artística, onde a sua própria arte deve ser, antes de tudo, o ato da programação em si. A criação de um jogo bom depende do tempo, do esforço, da direção, e o mais importante de tudo: do talento envolvido no processo criativo.
Para a sorte do título – e de todos nós – Chrono Trigger tinha todos esses aspectos de sobra, principalmente o talento.
O time de mentores por trás do projeto da Squaresoft era auto-entitulado Dream Team, e nisso não há falsa modéstia. O pai de Final Fantasy, Hironobu Sakaguchi, foi o designer principal do projeto juntamente ao seu inestimável bigode. Akira Toriyama, com seu talento único de transformar uma gosma azul em um personagem ícone gerador de milhões de ienes, foi contratado como artista principal para desenhar quantos Gokus e Bulmas fossem necessários. Já o escritor e supervisor principal foi o lendário Yuji Horii, o gênio por trás de todos os títulos da série Dragon Quest (eu gosto de dizer que CT foi a hora que os fãs de Square “degustaram” um pouquinho de DQ, mesmo que CT e DQ não sejam nem um pouco parecidos).
Quando estes três se encontraram em 1992, a ideia deles era “fazer algo que jamais havia sido feito”. Complementando o time tínhamos um músico chamado Yasunori Mitsuda, que estava muito puto da vida em só converter as composições do compositor famosão da empresa e finalmente ia trabalhar em seu grande projeto; o escritor Masato Kato (que também trabalhou em Xenogears e, estranhamente, Chrono Cross) e o diretor Yoshinori Kitase (FF6). Eu não vou dizer que “não tinha como dar errado”, porque é bem quando você diz esse tipo de coisa que a vida mostra sua imprevisibilidade com vários rolês errados, mas é inegável que essa simbiose de talentos teve muito a ver com a competência que Chrono Trigger apresenta.
A história contava sobre um rapaz de cabelo vermelho com formato de banana chamado Crono, que vai pra um evento comemorativo fodão para testar a invenção maluca de sua amiga de infância Lucca. No meio do caminho, Crono, que não largava o botão B, acaba se esbarrando em uma mina hiperativa/futura peguete/princesa do Reino chamada Marle. Crono resolve dar umas investida na guria e leva ela pra passear pela feirinha, jogá uns joguinho, dançá umas dança, tomá uns suco, etc. Na hora que os dois foram ver a máquina, a tal da Marle, que era meio afobada, resolve testar a máquina antes de todo mundo e acaba sendo transportada quatrocentos anos de volta no tempo. Crono, apesar de ser meio caladão, ainda assim não era um cara insensível e sabe que transportar garotas de volta no tempo é uma péssima maneira de terminar um primeiro encontro.
Com a cara e a coragem, o carinha se dispõe a viajar no portal do tempo para tentar resgatar a guria afobada, pagar de herói da parada toda e quem sabe conseguir um número de telefone antes de voltar pra casa. E assim começa uma pequena aventura, que eventualmente ganha um escopo muito maior no momento que os heróis descobrem uma ameaça parasita que aterrorizaria o planeta muitos anos depois da era deles e resolvem se aproveitar dessas viagens no tempo para tentar construir um novo futuro.
Chrono Trigger busca motivar o jogador pelo seu senso de aventura, temática, tons fortes e música empolgante. Isso é evidenciado pelo próprio comportamento dos personagens na introdução e decorrer do jogo, que são fortemente ativos em impulsionar a história avante pelas suas atitudes energéticas e te apresentam um leque de trivialidades antes mesmo da primeira batalha. É um contraste ao usual “moleque do interior que não fazia merda nenhuma da vida até que queimaram a sua vila” que tanto envenena o gênero com começos lentos e desinteressantes.
Mas por mais que toda a estética visual e sonora de Chrono Trigger seja tão atraente, eu ouso dizer que a real força do jogo é mais técnica que qualquer coisa. CT não seria um terço do que é se não fosse puramente pelo seu design e suas mecânicas.
Design é uma palavra meio escrota que não traduz bem pro português. Em um jogo, o design se refere à construção de cenas, desafios e mecânicas, e como tudo isso se correlaciona para formar uma experiência interessante. Bom design é aquele que “captura” o jogador, seja pelo desafio, pela interatividade, ou por outros métodos que sejam recompensadores. Mal design é qualquer ROM Hack de Mario que você encontrar no YouTube onde o cara carrega novecentos states por minuto. O design é uma parada delicadíssima da criação de um jogo, e se você não vê galera afora comentando muito sobre isso em análises, é porque grande parte nem entende de verdade como isso funciona. Outro aspecto importantíssimo na área é Pacing, mas felizmente essa tem uma tradução melhor e pode ser entendida por nós como ritmo, ou fluxo. Um jogo com um bom ritmo vai te apresentar coisas novas e manter a experiência interessante; um jogo com ritmo ruim é aquele que encaixa horas de monotonia ou repetitividade desnecessárias em seu centro para “esticar” a experiência.
Mas por que eu dei essa aula básica de “Bom Design de Games I”, afinal? Porque Chrono Trigger é um dos exemplos mais excelentes (e excedentes) nestes importantíssimos aspectos. O fluxo dele é fenomenal, pois ele minimiza a repetição vista em outros jogos do gênero e maximiza tudo – das histórias às batalhas aos sprites. Sempre há algo acontecendo, e é tudo dinâmico. Note como os cenários não são maiores do que o necessário e de fato parecem um lugar ao invés de uma repetição incessante de texturas. Note como esses inimigos estão visíveis no mapa, removendo aquela sensação frustrante de “ser interrompido” e já dando uma boa ideia da duração da luta antes mesmo dela começar. E já notou como todos os inimigos dão uma renca de experiência? Faz parte da sua natureza compacta. É pra minimizar a sensação de grinding.
Note como uma nova área, uma nova história, uma nova técnica são sempre apresentados em um ritmo constante, revitalizando o jogo a cada poucas horas. Terminou um chefe? Toma uma nova técnica dupla, testa ela aí! Tanto sua batalha quanto cenários de exploração são entupidos de “metagames” que vão desde usar uma técnica que terá um alcance específico num grupo de inimigos a sair caçando penas e garras para trocar por novas armas. Todas as informações relevantes são expressas visualmente, e não existem mecânicas desnecessárias ou que atrapalhem o jogo. É tudo condensadíssimo, pois tudo o que ele apresenta se situa em um balanço incomparável. Não existe qualquer tipo de “lixo” desnecessário que deveria ser removido. A menos que você seja um daqueles sem noção que acha justo julgar alguma coisa pelo o que ela não é, dá para dizer que Chrono Trigger é, virtualmente, isento de falhas.
A progressão é bastante linear, mas o jogador nunca se sente “preso”, pois o fluxo, como já foi dito e repetido, é excelente. Perto do final ele abre um pouco mais para as suas escolhas, e você pode completar algumas side-quests (postas explícitas pelo Guru do Tempo) antes de terminar o jogo, um esquema mais “light” do que vimos antes em Final Fantasy VI. Eu gosto desse método pois ele recompensa o interesse do jogador em explorar mais do mundo dando algumas das melhores histórias escondidas no jogo.
E admito, talvez eu tenha exagerado no “isento de falhas”. O Black Dome, a última dungeon do jogo, sofre do que eu chamo de “Síndrome de Square” e é três vezes mais longa do que devia – algo um tanto antí-climax, visto que é a única parte que enche um pouco o saco sendo que ela devia é estar te deixando empolgado para a grande conclusão da jornada. Ainda assim, dizer que isso tira o brilho do jogo é algo tão criminoso quanto olhar um Corgi e não achar ele o máximo. Não, sério: será que é possível alguém NÃO gostar de Corgis? (Se você não gosta de Corgis, feche esta aba e nunca mais fale comigo. Seu MONSTRO!)
O desafio, como TUDO já citado aqui, é deliciosamente balanceado e pode ser customizado pelo próprio jogador, se ele quiser (ninguém tá te obrigando a usar Ayla e Frog, seu apelão!). O jogo é considerado curto por alguns, com um duração de aproximadamente 22 a 25 horas, o que só reforça a minha teoria de que gente que reclama que algo de 20 horas é curto não compreendem absolutamente porra nenhuma sobre como se constroem jogos. E mesmo se você for um desses com um dia de 72 horas, não há problema pois o jogo possui um New Game+ e vários finais que ocorrem não de acordo com suas decisões, mas sim de acordo com o momento e era que você escolhe terminar o jogo – nada mais justo para um título que explora tanto viagens no tempo, afinal.
Não há dúvidas que Chrono Trigger é um trabalho de mestres. Ele pega tudo que há de bom no design de JRPGs e descarta o que é desnecessário. O resultado é uma experiência empolgante e fluída que quase não possui tropeços dignos de nota. E é por isso, mais do que por qualquer coisa, que ele é reconhecido como o clássico que é. Porque ele é tão bem montado que não te dá motivos para abandoná-lo antes do final. Ele poderia “só” ser carismático, ter uma música fodíssima e uma história bacana sobre viagem no tempo e tal – aspectos esses que quem jogou bem conhece – mas de nada isso adiantaria se o jogo não fosse tão balanceado e divertido de se jogar em primeiro lugar.
Eu sei que eu já terminei Chrono Trigger um bom número de vezes. Tantas, talvez, que eu até agradeço à minha memória por ter perdido a conta de quantas foram. E por mais que eu reconheça toda a sua qualidade e maestria, eu certamente não diria que ele é meu JRPG favorito – pra falar a verdade, nem sei se ele entraria no meu Top 10. E o motivo disso é certamente meu: por mais perfeitamente construído que ele seja, eu ainda seria mais favorável a alguns outros jogos que fazem coisas diferentes, mesmo com suas falhas. Eu botaria EarthBound e sua metalinguagem acima dele, mesmo com sua jogabilidade arcaica e claramente menos divertida. Eu gosto mais de Ogre Battle 64 e seu microgerenciamento megalomaníaco, apesar dele não ser nem de perto tão acessível e a Chaos Frame ser a maior zuera da humanidade. E eu considero a sensação de aventura presente em Skies of Arcadia muitíssimo superior à de CT, só para citar alguns exemplos. Isso não é uma crítica. É uma constatação que até mesmo algo imperfeito pode ser mais interessante pra uma pessoa do que algo tido como perfeito, considerando-se outras óticas e outras valorizações.
Se ele é “o melhor jogo de todos os tempos” eu não sei, pois acho que isso depende muito da pessoa. Mas o melhor JRPG já designado? Acho que não tem nem concorrência. É uma verdadeira lenda justificada.
- Disponível para Snes, DS, Virtual Console, iOS e Android.
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