Call of Duty Black Ops 2 e a Importância do Ritmo

Uma vez eu comentei aleatoriamente que meu Sonic the Hedgehog clássico favorito era Jak 2: Renegade, de Playstation 2. Ele é cool como Sonic Adventure 2 queria ser, mas além de ter todas as coisas que as crianças legais gostavam (skates, armas, carros), também tinha talvez o melhor level design da geração. O diretor de Jak 2 inclusive, é o mesmo dos quatro (ou três, depende de como você olha a coisa) Sonics de Mega Drive: Hirokazu Yasuhara (ou Carol Yas).

E não precisa de nenhuma piada com cachorro-quente

E não precisa de nenhuma piada com cachorro-quente

O meu segundo Sonic Clássico favorito é Sonic 2. O terceiro é Call of Duty 4: Modern Warfare.

Calma, respirem, vou explicar: o que faz Sonic, Jak 2 e Call of Duty 4 estarem na mesma linha de raciocínio que eu vou explicar aqui é o tal do momentumA definição física de “momentum” é, em termos leigos, que um bagulho que teve tal força exercida vai diminuir aquela força lentamente até parar, aí o momentum é meio que o tempo em que a coisa tá perdendo velocidade – e se você der outro tapa na bola o momentum vai continuar, até a hora em que ela para completamente.

momentum é o que faz essas bolinhas estarem sempre em movimento (acho que deu pra entender)

momentum é o que faz essas bolinhas estarem sempre em movimento (acho que deu pra entender)

Sonic, principalmente o 2, tinha uma noção de momentum incrível. Pra entender o que eu digo em palavras mais pomposas do que as que eu usaria, esse texto aqui, de Pedro Marques – vulgo Palas, amigo meu – fala bem sobre como essa noção se aplica nos jogos (recomendo ler o blog todo se tu tem algum interesse em game design num geral, inclusive). Jak 2, de alguma maneira sobrenatural, consegue aplicar momentum em toda a sua cidade, além de nas fases individualmente, tornando a progressão de gameplay bonita demais. Quando você pega um carro em Jak 2, o Jak simplesmente pula e entra dentro dele, sem animação dele puxando alguém pra fora ou qualquer coisa do tipo. Quando você atira em Jak 2 o tiro vai simplesmente na direção pra onde o Jak está virado e o jogo faz o favor de mirar automaticamente nos inimigos que estão naquela área de visão. Nada atrapalha no ritmo de jogo, no modo como você segura o controle, na disposição de objetos do cenário.

Eu vejo Call of Duty 4 como uma fase de Sonic em que você consegue passar completamente tocando os pés do Sonic no chão apenas uma vez depois do boost inicial. Imagina assim: você corre no começo da fase e dá o primeiro pulo, acerta um Badnik e o pulo continua; quando você cai no chão é uma descida, então você segura pra baixo, e Sonic continua ganhando velocidade enquanto rola. No final dessa descida tem uma rampa que te faz pular MUITO ALTO, e é logo em seguida que você cai no chão, com os dois pés, depois de uns dois segundos voando. Daí você começa a correr de novo e acontece uma série de eventos parecida com a descrita no começo, voltando a tocar o chão apenas no final, quando você gira a plaquinha e aparece na tela que você fez um milhão de pontos na Call of Duty Zone Act 2.

Call of Duty 4 te dá um empurrão inicial com força o bastante pra chegar até a missão em que a bomba nuclear explode. Ela é o momento do meio da fase em que o Sonic toca o chão e tem que retomar a força. E então ele volta a te empurrar até o momento em que você dá aquele tiro final. Começa a tocar rap nos créditos, e essa é a plaquinha girando. Os fãs de Call of Duty que te xingam na Xbox Live podem ser a raça mais asquerosa da Terra, mas isso não deveria tirar o crédito de sua campanha Single Player (a campanha dos 3 Modern Warfare na verdade, apesar do primeiro ser onde isso mais se acentua) e do quanto de esforço foi colocado ali pra te manter uma onda de adrenalina do começo ao final.  Modern Warfare é o que Bulletstorm tentou ser, e embora este tenha seus méritos, o fato dele ter que te FALAR que “olha só, a gente tem várias coisas legais e gigantes” já se transforma numa gimmick, e não uma filosofia de game design.

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Bom, ao ponto: Call of Duty Black Ops 2 não tem momentum. Ele tem setpieces e pedaços em que você realmente fica animado, mas não tem ritmo o bastante pra se manter assim do começo ao final e apenas quebrar a adrenalina pra pontuar com mais impacto um momento, como a bomba nuclear de CoD4. Black Ops 2 tem o exato mesmo problema dos Sonic Advance/Adventure/Rush, que tentam emular momentum ao invés de tê-lo de fato. O homing attack de Sonic (aquele sistema de que quando tu tá no ar e aperta o botão de pulo de novo, fazendo o Sonic avançar voando até o inimigo mais próximo) foi uma tentativa falha de se criar momentum. Ele cria velocidade, sim, mas não cria o sentimento em si. O próprio Carol Yas não soube criar isso em Uncharted, fazendo apenas setpieces vazias com pontuações demais onde você quebra o ritmo pra atirar nas pessoas. Talvez se o level design de Uncharted fosse um pouco mais parecido com o de Jak 2 no sentido de que você não tem que parar pra atirar, as setpieces entre os tiroteios não parecessem tão forçadas só pra estarem lá e o jogo poder fingir que não é um shooter.

Vou usar uma única parte de Black Ops 2 pra ilustrar como a quebra de ritmo, por menor que seja, atrapalha o jogo. Veja as seguintes imagens:

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Você está andando bem de boa matando um monte de gente e se depara com isso. Nada de errado, tem um carinha ali em cima pra chamar a sua atenção então você continua andando na direção dele. O seu analógico ou o seu W não vai ser solto por causa de apenas um inimigo, você sabe que ele não vai te matar. Então você anda mais um pouquinho e BAM:

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TINHA UM INIMIGO ESCONDIDO NO CARRINHO! OK, isso pode não parecer tão importante, mas são grandes as chances de você estar andando pra frente, focando naquele inimigo ali da screenshot anterior, e esse cara começar a atirar em você sem nem você perceber, já que ele estará em um ponto cego. Eu só consegui essa imagem na segunda vez que joguei essa parte, pois da primeira ele me matou antes. Usar esse tipo de artifício na dificuldade do jogo estraga o momentum. Não é que o jogo devia ser mais fácil, longe disso, até porque, como comentei, na segunda vez que joguei essa parte eu já sabia que ele estaria ali então virei na hora pra (tirar a print e) matá-lo.

Ainda assim, envolve você parar tudo o que está fazendo e mirar de novo, estragando o ritmo só por um capricho de quem provavelmente não entendeu direito o que fazia os Modern Warfare manterem sua escala tão grande sem perder o foco no fato de que os botões que você aperta importam na hora de manter você interessado e dar a impressão de progressão que dão.

Black Ops 2 é, literalmente, cheio de pequenas situações assim durante o jogo todo, em maior ou menor escala. O primeiro Black Ops também não era o mestre em manter o ritmo dos Modern Warfare, mas aquela missão em que você está num barco subindo um rio em que toca Sympathy for the Devil dos Rolling Stones é uma das melhores partes da série toda. Não pela música, mas talvez porque como a equipe dos Black Ops não sabe direito como manter as coisas num lugar em que você tem o espaço mais “livre” pra se movimentar, te limitar apenas ao barco e seu trabalho ser só mirar fez com que, por um momento, Black Ops fosse Jak 2 (embora ao contrário).

Entre cada viradinha desnecessária pra atirar num inimigo escondido, cada missão secundária em que o jogo tenta ser “tático” e você tem que defender alguma área ou atacar outra escolhendo alguns soldados e veículos e que, de alguma maneira, causam impacto na história principal, o jogo te bota num tiroteio em corredor pra lembrar que “ó, também sabemos fazer isso aqui!”. Também tem esse esquema de “escolhas”, mas essas são bonitinhas e sutis o bastante pra não ofenderem em nada.

Gráfico que eu fiz aqui no AutoCAD pra tentar ilustrar

Gráfico que eu fiz aqui no AutoCAD pra tentar ilustrar

Enfim, Black Ops 2 quis tanto sair da “mesmice” que acabou estragando um dos aspectos mais importantes do jogo em questão de game design. Quero dizer, ainda é um jogo divertido e bobo, ainda vai te fazer rir da história se levando a sério demais e não lembrar o nome dos personagens, e ainda vai te fazer achar legalzinho atirar em uns helicópteros enquanto anda a cavalo, mas ele não é aquela coisa que você tem vontade de terminar de uma vez só de tão animado que está. Ele tem “tática”, “comandos”, “escolhas”, “estratégia” e todas aquelas coisas que um jogo tem que ter pra tirar nota boa e pra tentar fazer todo mundo ficar quieto de uma vez ao invés de falar que lançam o mesmo jogo todo ano.

Acabou que a equipe cometeu as escolhas erradas na hora de escolher o que adicionar e o que tirar do jogo e agora sim temos um shooter genérico, com direito a todas as coisas que fazem um shooter ser genérico. Modern Warfare podia ter a premissa mais simples de todas  (você mira e atira), mas fez isso magistralmente. Em Sonic você pula, e Sonic 2 faz isso magistralmente. Black Ops 2 tem muita coisa e nenhuma delas contribui pra nada. É como se tivessem colocado um soquinho no Knuckles em Sonic 3 & Knuckles: não ia servir pra nada, mas ia estar lá numa listinha de “NOVAS FUNÇÕES” pra agradar o consumidor e ele achar que não é o mesmo produto de novo.

Call of Duty Black Ops 2 tem “NOVO PRODUTO” escrito em todas os seus sistemas e acabou que nenhuma das coisas novas superou o simples “mirar e atirar”.

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • AutoCAD is the new Paint.

    Por esses pequenos detalhes que o GAMESFODA é tão foda.
    Ótimo review, principalmente na intro.

  • palasvuash

    Esse estilo de dificuldade parece ter a ver com os shooters on-rail que a gente vê nos arcades da vida. Esses que aparece um monte de gente do nada na sua frente e do seu lado, sempre bem difícil e até injusto. Mas acho que pra esse tipo de jogo funciona porque não quebra o ritmo – afinal, não é você quem dita ele.

    Lógico que dá pra ser usado, mas se o jogo tira seus objetivos de vista o tempo todo em favor do pânico da coisa ali, presente (sob pena de não poder continuar), o jogo fica truncado mesmo. Eu imagino que o objetivo era fazer o jogador prestar mais atenção nas coisas ao redor e fazê-lo nunca ter muita certeza do que está fazendo – o que é bom, mas esse medo sempre presente pode se tornar também um gimmick facilmente previsível. Aquele coisa do "se não parece, é porque é".

    • Yup, e exatamente por isso a parte do barco no primeiro Black Ops que eu citei ali é tão boa. Ela é um momento em que o jogo vira um shooter on-rails com Rolling Stones tocando.

  • Quando vi as imagens do seu exemplo, não consegui parar de imaginar um: "SURPRISE, MODA FOCA!"

    E saquei o que quiz dizer, apesar de alguns desses momentos serem feitos propositalmente para quebrar a previsibilidade que o jogador pode ter. Demons e Dark Souls são mestres nisso, ao mesmo tempo que mantém seu próprio Momentum.

    Also, Neozao, tens alguma opinião sobre o Momentum de Mass Effect 2?

    • Tem a coisa de que nem todos os jogos são necessariamente baseados em momentum e os Souls são bons exemplos disso. O problema é quando a falta de momentum atrapalha o que deveria ser uma experiência completamente fluida – que é a proposta de CoD num geral.

      Quanto a Mass Effect, eu acho o 2 bem superior ao um justamente pois a simplificação de mecânicas fez com que o jogo fluísse de maneira bem melhor e sendo ele um jogo de transição em que tu apenas vai conhecendo melhor os personagens, as histórias pessoais não atrapalhavam no ritmo. Qualquer limitação que acontecia era pela engine mesmo (eu sempre achei estranho as pessoas conversarem sempre na mesma pose).

    • M. Maciel

      Eu acho ruim comparar o ritmo Demon's/Dark Souls com CoD, pelo simples fato de que não tem embalo nenhum em D/Dark Souls. No caso, você não pode entrar numa área e andar desabalado loucos dando espadada, não é assim que o jogo funciona e se você fizer isso você vai acabar morto e frustrado. Já CoD, que não joguei (por invisibilidade de consoles e inabilidade em shooters) mas tenho uma noção, é pra você não parar. E se tivesse uma música ctz você ia atirar no ritmo dela.

      Ele se impôs como um "on-rail de movimento aberto" e no momento que quebram esse impulso natural que foi estabelecido no jogo pra botar surpresa e dificuldade, acaba zoando até sua imersão na coisa.

      Engraçado que acaba acontecendo a mesma quebra em OoT, no Water Temple, quando você tem que ficar abrindo menu o tempo todo pra trocar as botas. Não é o mesmo estilo de quebra, mas também destrói aos pouquinhos seu ritmo só por uma escolha idiota de gameplay.

      Btw, bom review, Neo <3

      • Sim, sim.
        Comparei com os Souls da vida porque, quando joguei, via um clima bem tenebroso, mas quieto, aparecia uns inimigos na minha frente, uns de surdina aí DO NADA, jogam uma pedra em cima de mim, DO NADA uma parede cai, DO NADA um dragão aparece e DO NAD- YOU DIED!

        Mas isso é próprio do jogo que eu assimilei muito bem. Se nesse CoD (eu realmente não joguei nenhum, só o 3 e no Wii, por isso meu ponto de vista é bem limitado) um elemento incomum não segue a temática como todo, então temos um problema, Houston.

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  • Parabéns Neozao, por fazer um texto sobre CoD sem ficar batendo na tecla: "Multiplayer/pivetes xingando". A trilogia Modern Warfare, para mim, foi ótima e fechou de maneira genial.

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  • Luis Felipe Vitte Soligueti

    Eu não cheguei a encostar no single-player do Blops 2, afinal tds disseram para mim que era ruim, então foi o primeiro que eu me foquei totalmente no multiplayer. Mas, de qualquer forma, to aqui pra falar que eu também amo os MW’s, inclusive o 3, que tds dizem ser ruim, eu gosto bastante e achei uma conclusão foda pra série – o cara do bigode que eu não lembro o nome acende o charuto e olha o russo pendurado pelo pescoço, eu levantei e bati palmas e falei “PUTA QUE PARIU, QUE FODA!” -. Bom, é só isso aí msm, ótimo artigo.

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