Tô longe de ser o maior manjão sobre economia, mas acredito compreender o suficiente sobre questões sociais e de poder para expor esta perspectiva.
Vamos cortar as preliminares: o PS4 no Brasil vai ser caro pra caralho. Sim, no Brasil muita coisa é cara; mas isso foi um tanto além do que se era esperado. Ao invés de apontar dedos diretamente à ação da empresa sobre esse preço (não também justificando-a, lógico), acho importante darmos uma olhada nas pecularidades financeiras da nossa economia e observar quais fatores possibilitaram e/ou incentivaram esse acontecimento.
Não é segredo à ninguém que tudo no Brasil é muito caro. Eletrônicos, entretenimento, serviços, comida, tudo. Grande parte disso é devido a nossa abusiva carga tributária. Pegue a nota fiscal do último mercado que você fez e veja lá quanto foi de impostos. Em eletrônicos importados, só o imposto sobre importação e o IPI fazem a carga tributária sozinha ultrapassar 60% do valor do produto. Isso é devido à nossa política protecionista, que busca incentivar a indústria interna criando barreiras à concorrência estrangeira. Na prática, isso não acaba mudando muita coisa pro consumidor, visto que mesmo os produtos nacionais são naturalmente inflacionados para o que se julga ser o preço habitual de mercado.
O Brasil definitivamente não é um país pobre. Mas o Brasil é um país de terceiro mundo, com fortes desigualdades sociais e terrível distribuição de renda. Grande parte da população é muito pobre, a educação pública não é de qualidade e a concentração de riqueza se encontra nas mãos de uma seleta parcela rica. Mesmo as fortes cargas tributárias não se revestem em grandes benefícios para a população em geral. Os planos de benefício governamentais são destinados às classes D, E e inferiores necessitados. Estes planos não devem ser rechaçados, como o coxinha reaça com camisa da GAP possa te querer fazer acreditar – o problema fundamental é que enquanto não se investe verdadeiramente em educação e desenvolvimento, estes paliativos continuam sendo apenas paliativos.
De um ponto de vista do PODER, ao governo esta é uma situação favorável: diminui-se a miséria em níveis estatísticos, mas nunca melhora a qualidade de vida, educação e informação da população a ponto que esta verdadeiramente reconheça os seus direitos. Em um país de desigualdades onde o voto é compulsório, a falta de educação e conhecimento funciona como uma ferramenta de controle.
A existência dessas desigualdades quer dizer que muito do dinheiro se concentra na mãos de poucos. Somado aos impostos abusivos e à nossa fortíssima percepção de consumo como status social, tem-se o “Imposto Brasil”: a prática de grandes empresas de cobrarem valores exorbitantes comparados ao resto do mundo simplesmente por saberem que, bom, “tem trouxa que compra”. É uma forma de maximizar os lucros, mas é também um reflexo da própria situação econômica vigente. Se os preços já seriam por si só abusivos devido aos impostos e a taxa de adesão será baixa, ela não deveria buscar suprir os seus lucros de outro modo? Por uma perspectiva de negócios, faz sentido – não é exatamente justo ao consumidor, mas bem, isso já não seria de um modo ou de outro.
Qual seria a solução, então? Culpar a Dilma que não é, de certeza. Precisaríamos não apenas uma reforma tributária, mas também um melhor uso e mais transparência sobre estes recursos; algo que nossa população, em massa, não é treinada para reinvidicar, e mesmo as recentes tentativas descentralizadas de mudança foram reprimidas. A questão é que não há interesse político em uma reforma tributária no Brasil. Não há interesse em fazer o seu salário render o que devia. O brasileiro comum não sabe muita coisa sobre educação financeira, e não são poucas as histórias de famílias que ostentam gastos desnecessários mesmo que precisem entrar no cheque especial para tal. Mesmo se endividando, o capital continua rolando, as dificuldades familiares acabam virando lucros dos bancários e fica por isto mesmo.
Talvez a forma mais bruta de dizer isso é que, se você acha inconcebível o preço dos consoles novos (dos dois, que ambos são absurdos!), é porque eles não são para o seu bico. Como o novo iPhone, e o novo iPad, e o carro zero importado também não eram, mas a gente foi trazendo todas essas coisas pois havia uma demanda, disposta até a pagar o olho da cara pra ter esses aparelhos. Porque não há interesse político que você saia por aí esbanjando esses brinquedos novos – o histórico de preços de tudo no nosso país já é prova mais que o suficiente. O popular de lá de fora não é o popular daqui. Isso é verdade até para o que nós mesmo fazemos - um carro popular produzido no Brasil custa quase o dobro do mesmo modelo, feito AQUI, no México. O que consto aqui é que o que acessível a uma classe média de países desenvolvidos é mantido artigo de luxo no nosso território, e ela analogia proporcionalmente comparativa também se reflete em outras coisas para classes inferiores, como saúde e educação, que deveriam ser tidas como básicas.
E quem não for o Eike Batista e quiser um PS4? Provavelmente vai pedir pra aquele primo que vai pra Miami trazer. Da mesma forma que foi durante muitos anos, antes de termos uma distribuição legal por aqui. É motivo de orgulho? Não, é motivo de vergonha. É uma dor-de-cabeça que toda uma parte da população que tem interesse, e que poderiam ser consumidores em potencial caso houvessem condições mais favoráveis, não gostaria de ter que passar. Mas é como vai ser pra muita gente, infelizmente.
O foda é que isso não se resume apenas a um videogame. Se resume ao transporte, aos serviços, à segurança, à alimentação, aos bens de consumo. A quase tudo do nosso custo de vida, na verdade.
NOTA: Um pouco antes desse texto sair, a Sony liberou uma explicação sobre o preço do PS4. Leiam aí e tirem suas conclusões.