RAPIDINHA – Eletrônicos caros e a desigualdade social: o buraco é mais embaixo

  21/10/2013 - 16:42   brasil, PS4, rapidinha,  
 

Tô longe de ser o maior manjão sobre economia, mas acredito compreender o suficiente sobre questões sociais e de poder para expor esta perspectiva.

Vamos cortar as preliminares: o PS4 no Brasil vai ser caro pra caralho. Sim, no Brasil muita coisa é cara; mas isso foi um tanto além do que se era esperado. Ao invés de apontar dedos diretamente à ação da empresa sobre esse preço (não também justificando-a, lógico), acho importante darmos uma olhada nas pecularidades financeiras da nossa economia e observar quais fatores possibilitaram e/ou incentivaram esse acontecimento.

Não é segredo à ninguém que tudo no Brasil é muito caro. Eletrônicos, entretenimento, serviços, comida, tudo. Grande parte disso é devido a nossa abusiva carga tributária. Pegue a nota fiscal do último mercado que você fez e veja lá quanto foi de impostos. Em eletrônicos importados, só o imposto sobre importação e o IPI fazem a carga tributária sozinha ultrapassar 60% do valor do produto. Isso é devido à nossa política protecionista, que busca incentivar a indústria interna criando barreiras à concorrência estrangeira. Na prática, isso não acaba mudando muita coisa pro consumidor, visto que mesmo os produtos nacionais são naturalmente inflacionados para o que se julga ser o preço habitual de mercado.

O Brasil definitivamente não é um país pobre. Mas o Brasil é um país de terceiro mundo, com fortes desigualdades sociais e terrível distribuição de renda. Grande parte da população é muito pobre, a educação pública não é de qualidade e a concentração de riqueza se encontra nas mãos de uma seleta parcela rica. Mesmo as fortes cargas tributárias não se revestem em grandes benefícios para a população em geral. Os planos de benefício governamentais são destinados às classes D, E e inferiores necessitados. Estes planos não devem ser rechaçados, como o coxinha reaça com camisa da GAP possa te querer fazer acreditar – o problema fundamental é que enquanto não se investe verdadeiramente em educação e desenvolvimento, estes paliativos continuam sendo apenas paliativos.

De um ponto de vista do PODER, ao governo esta é uma situação favorável: diminui-se a miséria em níveis estatísticos, mas nunca melhora a qualidade de vida, educação e informação da população a ponto que esta verdadeiramente reconheça os seus direitos. Em um país de desigualdades onde o voto é compulsório, a falta de educação e conhecimento funciona como uma ferramenta de controle.

A existência dessas desigualdades quer dizer que muito do dinheiro se concentra na mãos de poucos. Somado aos impostos abusivos e à nossa fortíssima percepção de consumo como status social, tem-se o “Imposto Brasil”: a prática de grandes empresas de cobrarem valores exorbitantes comparados ao resto do mundo simplesmente por saberem que, bom, “tem trouxa que compra”. É uma forma de maximizar os lucros, mas é também um reflexo da própria situação econômica vigente. Se os preços já seriam por si só abusivos devido aos impostos e a taxa de adesão será baixa, ela não deveria buscar suprir os seus lucros de outro modo? Por uma perspectiva de negócios, faz sentido – não é exatamente justo ao consumidor, mas bem, isso já não seria de um modo ou de outro.

by THE INTERNETE

Qual seria a solução, então? Culpar a Dilma que não é, de certeza. Precisaríamos não apenas uma reforma tributária, mas também um melhor uso e mais transparência sobre estes recursos; algo que nossa população, em massa, não é treinada para reinvidicar, e mesmo as recentes tentativas descentralizadas de mudança foram reprimidas. A questão é que não há interesse político em uma reforma tributária no Brasil. Não há interesse em fazer o seu salário render o que devia. O brasileiro comum não sabe muita coisa sobre educação financeira, e não são poucas as histórias de famílias que ostentam gastos desnecessários mesmo que precisem entrar no cheque especial para tal. Mesmo se endividando, o capital continua rolando, as dificuldades familiares acabam virando lucros dos bancários e fica por isto mesmo.

Talvez a forma mais bruta de dizer isso é que, se você acha inconcebível o preço dos consoles novos (dos dois, que ambos são absurdos!), é porque eles não são para o seu bico. Como o novo iPhone, e o novo iPad, e o carro zero importado também não eram, mas a gente foi trazendo todas essas coisas pois havia uma demanda, disposta até a pagar o olho da cara pra ter esses aparelhos. Porque não há interesse político que você saia por aí esbanjando esses brinquedos novos – o histórico de preços de tudo no nosso país já é prova mais que o suficiente. O popular de lá de fora não é o popular daqui.  Isso é verdade até para o que nós mesmo fazemos - um carro popular produzido no Brasil custa quase o dobro do mesmo modelo, feito AQUI, no México.  O que consto aqui é que o que acessível a uma classe média de países desenvolvidos é mantido artigo de luxo no nosso território, e ela analogia proporcionalmente comparativa também se reflete em outras coisas para classes inferiores, como saúde e educação, que deveriam ser tidas como básicas.

E quem não for o Eike Batista e quiser um PS4? Provavelmente vai pedir pra aquele primo que vai pra Miami trazer. Da mesma forma que foi durante muitos anos, antes de termos uma distribuição legal por aqui. É motivo de orgulho? Não, é motivo de vergonha. É uma dor-de-cabeça que toda uma parte da população que tem interesse, e que poderiam ser consumidores em potencial caso houvessem condições mais favoráveis, não gostaria de ter que passar. Mas é como vai ser pra muita gente, infelizmente.

O foda é que isso não se resume apenas a um videogame. Se resume ao transporte, aos serviços, à segurança, à alimentação, aos bens de consumo. A quase tudo do nosso custo de vida, na verdade.

 

NOTA: Um pouco antes desse texto sair, a Sony liberou uma explicação sobre o preço do PS4. Leiam aí e tirem suas conclusões.

 

Sobre

Rodrigo "Rod" é soteropolitano, estuda psicologia, e acha que entende alguma coisa sobre design de games. É fanático pela SEGA, George Orwell, Matsuno, ska-punk e ruivas (não necessariamente nesta ordem).
  • https://www.facebook.com/alvaroleitedomingos Álvaro Leite Domingos

    Rod, concordo com o ponto que você levanta, sobre o "Lucro Brasil" e como isso é uma consequência direta de nossa desigualdade social.

    Acho, porém, que o grande motivador do "susto" nas pessoas foi que a notícia veio num momento em que todos pensávamos que o mercado brasileiro de games estava amadurecendo. O país não seria mais visto como uma oportunidade de lucro eventual, rápido e fácil, mas como um mercado robusto e em expansão. A própria Sony, com declarações e ações nos últimos anos, dava a entender isso.

    Acho que esse artigo do Modo Arcade sintetiza bem o que representa essa decisão da Sony.
    http://blogs.estadao.com.br/modo-arcade/quanto-cu

    Abs.

  • palasvuash

    Concordo bastante com o texto. É claro que é um ciclo vicioso, porque pra baixar o preço das coisas no geral seria bom diminuir a concentração de renda no país e, pra isso, você precisa de desenvolvimento econômico – que é trazido, além de muitas coisas mais, pelo estabelecimento de um mercado sadio de manufaturados. E, para o estabelecimento de um mercado sadio de manufaturados, você precisa de distribuição de renda etc. etc. etc.

    Aí que entram algumas soluções e uma delas são os impostos. Você arrecada dinheiro pra acabar com um dos geradores desse ciclo. Outras soluções incluem, ironicamente, a ausência de impostos – que daí o momento econômico decide a atividade, principalmente industrial, que vai acabar com esse mesmo ciclo.

    Um problema no Brasil é a política cultural. O foco parece ser colocar toda produção embaixo da asa do governo na forma de incentivos, patrocínios, reservas de mercado etc. Os problemas com isso são a) a lentidão na renovação do mercado b) recursos concentrados em atividades não-relacionadas à forma como se consome, porque o governo libera dinheiro em editais que já prevêem isso. Pra uma indústria como a dos consoles, que se renova a cada 5 anos, isso é fatal. Não é que não exista interesse, mas não existem mecanismos para o Brasil como um todo reduzir o preço de eletrônicos.

    • http://twitter.com/Roddd @Roddd

      Puta que pariu, nós temos os melhores leitores do Brasil.

      Obrigado, palasvuash. Eu não tenho essa noção toda sobre economia e mercado, então valeu por compartilhar isso com a gente. Valeu mesmo.

  • http://twitter.com/fmrbass @fmrbass

    Isso de o brasileiro pagar qualquer valor pra ter status e mostrar que tá sempre de carro novo, celular de última geração e video-game hi-tech é o que eu chamo de custo otário. Pra que uma empresa vai vender o produto por 1000 se bota 2500, um monte de gente reclama mas depois rola fila na véspera pra comprar?

    As multinacionais aproveitam que aqui no Brasil isso funciona e botam o valor lá em cima pra cobrir o prejuízo que ocorre em outros locais do planeta onde precisam operar com margens de lucro muito menores senão o produto encalha.

    Largar a culpa de tudo isso na mão do governo foi uma covardia descarada da Sony. é tipo aquele cara que peida no elevador quando chega no andar que ele desce (se bem que isso é divertido, então não sei se a comparação é válida, mas enfim…).

    logo eles aparecem com o argumento "nós temos um video-game perfeito pra vocês que acharam o PS4 muito caro. Chama-se PS3".

    Afinal, ninguém tá sendo obrigado a comprar nada, não é? Do jeito que essa discussão anda, parece que é um item de primeira necessidade que todos deverão adquirir assim que for lançado.

    Eu tenho uma filosofia que diz o seguinte: não compre nada no lançamento. Por dois motivos: 1- a primeira leva é sempre a que dá problema. 2- As levas posteriores saem com preço menor.

    E mesmo que custasse R$ 500 eu não compraria o PS4 de qualquer jeito… Os exclusivos da sony não me agradam e o resto eu posso jogar no PC comprando no steam (cabe aqui outra filosofia: não compre nada no steam que custe mais de R$ 5,00 ou esteja com menos de 75% de desconto, mas essa é outra história)

    • http://twitter.com/Nubobot42 @Nubobot42

      Esse ponto da "multinacional se aproveitar" não foi necessariamente o foco do texto, mas concordo, também. O imposto não é o único "vilão" – é fato que a Sony vem usando imposto de máscara, aquela porcentagem que ela passou de cada imposto é visivelmente adulterada (ICMS 25%? Tá), ela jogou preço de venda no preço de custo, e mesmo assim se você calcular tudo certinho seguindo as medidas dela você chega em 3 mil e poucos reais.
      É, console novo sai caro, mas caro na faixa do Xbox One. A Sony está só tentando ganhar a parte dela usando esse artifício que foi mencionado no texto.

      • http://twitter.com/fmrbass @fmrbass

        Fica fácil de justificar qualquer gasto usando contas manipuladas e porcentagens malucas… afinal, quem vai pesquisar a fundo pra ver se realmente são verdadeiros ou não?

  • https://www.facebook.com/thiagocalbo Thiago Calbo Valladares

    Resumo: Joguem seus PS2.

  • eltonbm

    Li o texto daqui e o texto da Sony. E é difícil argumentar sobre a estratégia da Sony. Ela claramente não tem o cliente brasileiro como prioridade, como exemplo, não temos a Plus.
    Vivemos em um país estranho, onde estamos sempre ouvindo e vendo sobre as maravilhas do mundo bem acima da Linha do Equador, mas não podemos colocar nossas mãos nessas maravilhas com facilidade.
    Um grande título já é vendido nos EUA por US$49,99? Vamos pagar US$ 100 pelo mesmo produto, mesmo que ele seja digital e comprado diretamente de empresas como Microsoft ou Sony.
    Talvez estejamos passando por um momento intenso, estranho e importante. A população deseja ter acesso a coisas novas, coisas que estão sempre aparecendo nesse negócio novo chamado internet.. Mas como fazer isso quando um console custa mais de um mês de salário de uma pessoa que ganha bem pelos padrões daqui?
    temos que encarar impostos em cascata sobre praticamente tudo, mas também temos um varejo que sabe que pode colocar preços realmente altos, sem medo de que o consumidor vai fugir. Como garantem isso? A tal cartelização do mercado, aquela clássica história de postos de gasolina subindo os valores ao mesmo tempo.
    Como consumidores, vivemos em uma eterna competição, e somos a presa. A melhor opção é ficar milionário/a e aproveitar a vida esquecendo da gentalha. A segunda melhor opção é entender nossa atual posição desfavorável e nos tornar mais responsáveis: Os novos consoles, mesmo os portáteis, tem preços um tanto exorbitantes para máquinas cuja única função é um tipo específico de entretenimento? Não vamos comprar por agora! E poucos meses vão aparecer super promoções, reduções de preço, e tantas outras loucuras. Enquanto isso, junte uma grana e você provavelmente ainda vai conseguir um desconto maroto no preço a vista.
    Vamos aproveitar essa pancada para sermos responsáveis com nosso rico dinheirinho, e talvez, com o tempo, fazermos algo para reverter essa sacanagem generalizada.

  • https://www.facebook.com/willian.ribeiro.3304 Willian Ribeiro

    Não tenho muito o que acrescentar ao texto, mas concordo com tudo que foi descrito. Essa é uma herança que carregamos desde o tempo das oligarquias. O valor de marca (consumo, status, lucro…) sempre supera o valor de produção. O que foi falado sobre o "Imposto Brasil" é um ponto muito sério. Isso expõe muito a questão da "massa de manobra" que muitos assumem ao comprar esses produtos.

    Parabéns pelo seu texto! Nem sempre comento no site, mas é sempre válido incentivar boas ideias!

  • Diogo Mendonça

    Cara, excelente texto. O preço do ps4 é. infelizmente, só mais um caso dos abusos comerciais que sofremos. Trabalhamos pra caralho e o dinheiro não rende nada. Um simples lanche tipo Mc Donalds é capaz de virar um programa entre amigos por causa do preço .

    E é tudo culpa nossa, que paga. Só vai mudar quando todos tiverem consciência disso. O negócio é não comprar o ps4 ou o Xone no Brasil e pronto.

  • https://www.facebook.com/vsrossini Vinicius Santucci Rossini

    Parabéns pelo texto, muito bom ! Concordo com você, só discordo de pequenas passagens. Resumir o problema brasileiro como "o governo não quer que o povo se informe e seja participativo" não é bem verdade… Falar de tal modo parece até que a política atual ainda funciona aos moldes Maquiavélicos da idade média. Existem n razões sociais e dificuldades de gestão para que este quadro ocorra. Claro, a má vontade administrativa ainda esta lá, mas ela é resultado de fatores socio estruturais e não "maquiavelismo". Assim como o processo de ser "artigo de luxo" não é explicado apenas pela desigualdade mas também pelo nosso quadro de capitalismo tardio…

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