É impossível existir uma visão ou versão definitiva de um personagem tão antigo e popular quanto o Batman. E embora os mitos e histórias sejam amplos, diversas características são comuns aos quadrinhos, filmes, desenhos animados, jogos e todo tipo de mídia, tornando-o consistente mesmo diante de tanto material escrito por gente diferente.
Isto dito, é igualmente improvável que alguém conheça todas as facetas do Homem-Morcego. Decidimos avaliar o controverso Arkham Origins em duas frentes, portanto: de um lado um fã de longa data dos quadrinhos e do outro um profundo manjador de videogames que leu, no máximo, Turma da Mônica. Estamos falando, é claro, de mim (Guerra) e do Neozão.
Neozão: Bom, vamos tirar uma coisa do caminho antes: A Turma da Mônica que eu li não é a Jovem. Aliás, eu li a Jovem sim, mas achei muito ruim. Inclusive eu acho que a Turma da Mônica Jovem é mais ou menos o que aconteceu com o Arkham Origins, é uma história feita não por quem criou o original, mas por quem leu (jogou, no caso dos Batman) o original e ganhou um emprego nos Estúdios Maurício de Sousa, ou na Warner Bros Montréal. É um jogo que tenta muito seguir o legado dos antecessores mas falta aquela pegada autoral – é uma listinha de coisas a se fazer e colocadas lá, mas sem entender direito o motivo pra elas estarem ali.
Então é claro: você é o Batman, então tem um esqueminha de investigação pois você é o Maior Detetive do Mundo. Você é um cara que manja muito de artes marciais, então tem bastante lutinha. E… você mora em Gotham, então tem bastante Gotham (bem mais do que deveria).
Guerra: E é justamente aí que mora a dificuldade de avaliar Arkham Origins puramente como um jogo ruim e passar pro próximo – por mais que seja essa a vontade de 9 em cada 10 pessoas que jogaram. Repete-se muito do que foi feito nos anteriores, inclusive as descabidas lutas contra diversos inimigos ao mesmo tempo. Oras, se você fosse um ninja bilionário vestido de morcego gigante, perderia tempo enfrentando inimigos diretamente sendo que toda sua estratégia de gerar medo no coração dos criminosos supersticiosos se baseia em furtividade? Eu arrisco dizer que não, meio porque essa é a resposta certa. Nesse ponto o jogo foi ladeira abaixo: lutas com muitos inimigos ao mesmo tempo. Muitos. Eu não estou brincando, são lutas facilmente semelhantes aos challenges dos jogos anteriores só que durante a aventura. Os combos muitas vezes se perdem sem motivo aparente e somos obrigados a lidar com o ridículo de um cara vestido de morcego batendo no ar até ser interrompido por um cano na cabeça. Já que estamos falando de um herói furtivo, não faria nada mal à série beber um pouco da fonte de Metal Gear Solid e permitir abordar os mesmos inimigos de formas diferentes. Os combates não seriam tão ruins se fossem opcionais.
Mas nem só de cagadas vive Arkham Origins, certo? Bom, mais ou menos. Existem acertos do ponto de vista de um jogo do Batman. As investigações são uma excelente forma de se sentir um pouco mais Sherlock Holmes e um pouco menos brutamontes, ainda que o jogo pegue na sua mão e te diga o que fazer o tempo todo. Bruce Wayne é um cara cerebral, capaz de derrotar inimigos mais fortes e mais rápidos pela estratégia, é um alívio que finalmente existam momentos assim na série e é uma pena que sejam tão poucas.
Neozão: E mesmo nesse caso da investigação, parece que foi algo que colocaram lá só pelo Batman ser um detetive. Consigo visualizar uma sala de pessoas que trabalharam no jogo pensando “caramba, tá faltando alguma coisa” e ficando quinze minutos ou duas horas pensando no que é isso. Aí vão olhar a listinha e notam que tinham esquecido algo atrás da folha e lá tava escrito “investigações!!!” com talvez mais pontos de exclamação. Foram lá e colocaram uma parada que é investigação só por nome: tu chega numa sala, rolou um crime. Move a câmera até um ponto de interesse, uma cena em wireframe vai mostrando o que aconteceu lá e você pode rebobinar ou avançar e procurar mais pontos de interesse assim. Só mexendo a câmera. É estéticamente sensacional, sério, mas não é… nada que você não possa fazer o tempo todo em um jogo em primeira pessoa.
No combate também rola um problema sério, como o Guerra disse, que é o fato de serem inimigos demais – uma das coisas mais bacanas de se fazer tanto no Asylum quanto no City é ir batendo e fazendo um combo com centenas de hits de uma vez, mas até isso aqui se torna mais complicado do que deveria. Por serem tantos bonecos pra bater, você não consegue manter um mapa mental pra continuar o combo e é muito frequente perder aqueles 90 hits anteriores simplesmente porque um cara que tava ali agora tá lá e o Batman vai e soca o ar pelo alcance ter diminuído enquanto o escopo aumentou.
Guerra: É isso. Os caras cagaram um sistema de luta que muita gente gostava mas que eu particularmente acho fraco e incompatível com o personagem desde o início. Mas, ei, algumas lutas contra os chefes são bem divertidas e diferentes do habitual, outro pequeno ponto positivo. E, já que estamos falando deles, os chefes são o que há de melhor aqui, ao menos em termos de narrativa. Alguns são interessantes e, exceto pelo Bane, são menos conhecidos por aqueles que não acompanham o universo dos quadrinhos. Investigar o Deadshot é igual ao que foi feito em City mas continua divertido. A luta contra o Deathstroke é tensa e é provavelmente a violência mais justificável de todo o jogo. Firefly é um dos poucos momentos de equilíbrio entre desafio e diversão. Mad Hatter faz as vezes da viagem de LSD no lugar do Scarecrow. E, por fim mas não menos importante, toda a sequência do hotel com o Black Mask é excelente e faz valer todos o stress e dificuldades não-intencionais que a jornada te proporciona.
Origins bebe de diversas fontes diferentes pro Morcegão e, quando o faz, geralmente é em um dos pontos que acerta. Seja na mudança do dublador Kevin Conroy pra uma voz agressiva e gutural semelhante ao que foi feito nos filmes recentes, seja na criação dos laços entre Bruce/Batman e outros personagens: Alfred, Jim e Barbara Gordon, Coringa, são todos bons momentos. Neste ponto, quem conhece e gosta dos quadrinhos se sente um pouco menos ofendido com todas as demais atrocidades. É como se naquela reunião da Warner em que ninguém sabia o que fazer, houvesse um fã dando alguns pitacos aqui e ali, tentando minimizar o estrago.
Neozão: Esse arco aí do hotel com o Black Mask foi tudo o que me fez continuar com o jogo. Eu gosto demais tanto do Asylum como do City, não pelo padrão “nossa é um jogo de herói bom!!!” que todo mundo diz, é porque são jogos excelentes, sendo pros padrões de “jogo de herói” ou não. E o Origins, pela maior parte, não conseguiu se manter no legado dos seus anteriores – até esse momento, esse arco. Ali tudo brilha: o level design, o diálogo, a personalidade de todo mundo, até as coisinhas estéticas simples, tudo vira uma bolinha redonda e rola bem demais, mantendo sua inércia até o final. Mas ainda assim, o jogo não é composto só por essa parte, né? De resto foi uma experiência que até me deu a impressão de trabalho enquanto jogava, com tantas falhas que sobrepunham as (poucas) coisas bacanas. Por sorte do jogo, ele termina melhor que começa e acaba dando uma impressão melhor do que realmente é, e embora seja uma técnica barata, é uma técnica ainda assim.
Eu fiquei surpreso pois achei que o Guerra, por ser o fã dos quadrinhos, ia ficar ainda mais decepcionado com o jogo do que eu fiquei e acabou sendo o contrário. Ambos vimos falhas e coisas boas, mas no final ele pareceu mais positivo. Será que, no final, os dois primeiros eram bons jogos num geral e esse é um jogo do Batman melhor? Não sei e não sei se vou saber em algum momento, mas por mais que tenha sido uma experiência inconsistente, no final ficou razoável e rendeu esse texto que foi muito bom de se escrever.
Guerra: Eu vejo bastante dessa forma, meu ponto principal com os jogos anteriores era de que eram bons jogos mas não eram muito do Batman, mesmo. Acaba que a série, embora agrade no geral, deixa a desejar na hora de fazer justiça ao legado e mitos do personagem. Resta esperar que a Warner Montréal aprenda com os erros e acertos, tanto dela quanto os da Rocksteady, e que os próximos continuem na direção certa. De certa forma, Arkham Origins parece mesmo o mais inexperiente da franquia.
Neozão: E é isso aí! Nunca tínhamos feito um review duplo antes mas a Warnel Montréal também nunca tinha feito um Batman antes, então estamos quites.
Batman: Arkham Origins está disponível para PC, Xbox 360, PS3 e Wii U.
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