Qualé a dessa tal de… Vida (The Walking Dead Season 2 – Ep. 1 e 2)

A vida é foda. Claro que tem muita coisa boa, mas se você ficar pensando muito acaba vendo que, no geral, elas formam apenas uma pequena ilha de alegrias e prazeres, frequentemente inundada pelo mar de decepções e desilusões que a circundam. E a cada maré alta você aprende a nadar melhor e pensa em construir seu abrigo seguro o mais alto possível. Protege-se da torrente de desagrados que invariavelmente irá voltar, mas ao mesmo tempo fica um pouco mais distante daquele pedaço de terra que lhe faz acreditar que não existe só o mar.

Então você um dia está lá, na sua cabana construída cinco metros acima do ponto mais alto que você consegue achar, e mesmo assim em volta só existe água ao seu redor. Você fica olhando por meses, esperando o dilúvio acabar, e nada acontece. O máximo que sua fé pode formular é a possibilidade de que ainda exista terra firme no mundo, mas sua lógica lhe dá a certeza de que aquele corpo de felicidade, no qual você se sentia firme e seguro, nunca mais volta.

Completamente à deriva, procurando por outros portos seguros, acabamos nos encontrando com outras pessoas, reavaliando completamente conceitos e prioridades. O que define uma ilha, um forte, um santuário para um, pode ser algo sem importância para outro. Ou pior: a exata antítese da sua visão ideal. Pessoas nos mudam e nos ensinam, muitas vezes sem nem mesmo desejar, algumas delas nos apadrinhando de maneira tão indireta que nos afetam mais que ensinamentos de berço.

E então existe o momento em que você se separa de pessoas, uma experiência quase tão forte quanto o encontro. Seja a pessoa aquela que destoava de todos os seus pontos de vista, ou aquela que te acolheu e partilhou com você o pão filosófico e metafórico da vida, com certeza uma marca fica em você após o último adeus.

Após diversos encontros e despedidas, forçados ou não, ou apenas um ou outro realmente marcante de cada um desses, você toma um momento introspectivo para ver como as circunstâncias te mudaram. Muitas vezes parece que tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo, que você chega a questionar sua percepção do passado. Será que realmente existia uma ilha? A impressão agregada de diversas visões não complementares parece demonstrar que há apenas a esperança da existência de uma. Quem sabe aquela da qual você se lembra tenha sido uma simples ilusão.

Mesmo nossos medos e os monstros que nos assolam são simplesmente um efeito colateral, uma desculpa para continuarmos a seguir em frente, para conseguir sobreviver. Raramente essas sombras refletem algo que cause real dano à nossa vida: existem destinos piores do que a morte. Não ter ou saber em quem confiar; não imaginar o que o futuro nos aguarda; fantasmas do passado e segredos do presente; exclusão, preconceito e abandono; estar sozinho no momento em que finalmente você se esvai. Todos acham que estão lutando para alcançar o mesmo objetivo, mas os inimigos são muito diferentes para cada um.

Pouco a pouco a realidade mais crua e sem tempero o possível vai se esfregando em nossa face, sendo enfiada a força em nossa boca, esmigalhando entre nossos dentes nossa inocência e nos obrigando acreditar um pouco menos e tentar um pouco mais. Pois, se a busca por saciedade e segurança emocional e pessoal não traz resultados com o acaso e com a esperança, é criada a ilusão de que é nossa falta de esforço que gera a situação onde nos encontramos. E continuamos na jornada, tentando criar uma atenção maior, nos forçando a esquivar de erros que não existem.

Muitos ainda podem sentir necessidade de buscar uma história para isso tudo, uma explicação para esses tortuosos caminhos da vida, uma razão, um propósito. Uma metáfora ao menos minimamente plausível, como eu tento fazer aqui. Lendo até aqui bem se sabe que isso é em vão. A vida simplesmente segue seu curso, e seguimos cada vez buscando um novo objetivo, uma nova visão e versão do nosso ideal e dos nossos por quês. Não existe fórmula, nem nada definitivo.

Alguém pode arriscar e dizer que nada disso é real, que é simplesmente uma visão muito pessimista do todo, mas eu sei que é difícil se colocar sinceramente no meio desse cenário. Tais elementos precisam ver a situação de outras pessoas para se perguntar qual a razão delas continuarem a lutar tanto por aquilo que lutam. Não entendemos motivos alheios, tão quais os nossos. A muleta dos que se julgam bem resolvidos é se apegar a um fim, uma paixão; a dos que negam essa realidade é que eles não precisam disso.

Existe um lado bom em tudo. Nesse caso é exatamente essa nossa natureza teimosa e confrontadora, que se nega a acreditar no pouco. O maior ateu ainda tem a si mesmo como Deus, como governador de seu destino, como realizador de seus milagres pessoais. Acreditamos que exista sempre mais, que podemos sempre mais. Quanto mais forte a onda e mais voraz o mar, maior a nossa vontade de desbravá-lo ou nossa confiança em bater o cajado para abri-lo ao meio.

Mas, se a verdade realmente é que a vida nunca dá nada em troca e apenas tenta nos afogar, seria esse esforço em vão? De forma alguma. Podemos jamais encontrar uma real ilha, mas temos a força e o brio de continuar a nadar, de não desistir de procurar. Encontrar a mesma pode nunca virar realidade, mas a beleza da jornada, e ver o quão longe um ser pode chegar é de tirar o fôlego.

Em um mundo onde a morte pode ser descanso, acaso, ou uma saída covarde, absolutamente ninguém morre na praia. Não existe uma. Não existe bem ou mal, certo e errado. Não existe final e o início é uma simples ilusão. O que existe é o caminho e, esse sim, se faz valer em cada passo. Em cada braçada.

Hynx

Sobre

Um rapaz gordo com cara de mendigo, que só quer saber de: jogar, salvar state, carregar state, irritar pessoas, escrever, e quem sabe até ganhar um beijo doce da Rainha do Rodeio.
  • Matheus Vinicius

    masoq?

  • Ricardo Andrade

    Hynx, eu já pagava pau pro seu review de dual destinies , mas PUTA QUE PARIU.

    Terminei o jogo hoje inclusive, e chega a ser engraçado como seu texto diz mais sobre o episódio do que metade dos reviews que li.

    Sério caras, vocês todos estão de parabéns.

  • eltonBorges

    Uma resenha de tabela? Tratando de tantas coisas ao mesmo tempo. É bom ler textos como este, algor que nos faz buscar a conexão entre o que lemos e o tema tratado. Sei lá, são quase duas da madruga, e eu gostei. Pronto.

  • Jardeson Barbosa

    Achei legal a intenção do texto, mas ficou um pouco cansativo. Em todo caso, bom review, mas poderia se aplicar a toda série, já que foi bem generalista.

    • Hynx

      Sim, amigo. Mas essa comparativo e as metáforas ficam bem mais evidentes na segunda temporada. Confira.

  • Tony Medeiros

    Melhor texto de jogo que já li na minha vida.

    • Hynx

      ;~

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