TwitchPlaysPokemon, ou como projetar um RPG para iniciantes

  5/03/2014 - 15:47   design, Pokémon, twitch,  
 

Símbolos, religiões, ícones, salvadores, traidores, chacinas, revoltas e mesmo sistemas de governo. Parece uma breve descrição da história da humanidade, mas foi um jogo de Game Boy.

Levou 16 dias e mais algumas horas quebradas, mas conseguiram. Através de centenas de comandos contraditórios, o Twitch conseguiu fazer o garoto de boné em Pokémon Red se tornar o maior treinador de monstrinhos que já existiu. Isso prova que a união faz a força? Considerando que a maioria das crianças de 7 anos leva menos tempo do que isso para terminar o jogo, não. Mas mostra como tem gente desocupada nesse mundo, e, mais importantemente (para nós), mostra a força do design de Pokémon como um todo, algo que parcialmente justifica o seu sucesso.

Talvez muitos de vocês nos seus vinte e tantos tenham esquecido, mas acreditem se quiser: Pokémon é um jogo feito principalmente para crianças. Sim, crianças, pivetes, moleques, daquele tipo que faz muito barulho e grita por qualquer coisa, leva dois minutos para ler uma frase e fica incessantemente te pedindo o controle enquanto você morre pela sétima vez em Blighttown. E a prova disso (comprovado pelo Twitch, que em grupo tem menos coordenação motora que esses pivetes) é que, diferente de Dark Souls, Pokémon é construído de um modo onde você não pode perder nunca.

“Morresse, fi?”

É impossível falhar em Pokémon. Bom, praticamente impossível: a menos que você faça uma cagada muito grande tipo abandonar o seu inicial e sobrar só uma Magikarp de Level 5, você precisa ser muito estúpido para alcançar um muro sem saída. E como pode isso? A razão pela qual isso acontece é porque Pokémon, inspirado pelos seus primos mais velhos Dragon Quest e EarthBound (que também foi feito pela Creatures!), não possui uma tela de Game Over.

Quando você é derrotado em Pokémon você “desmaia” e retorna ao último Centro Pokémon. Você perde uma boa parte de seu dinheiro, mas mantém a experiência adquirida nas últimas batalhas, diminuindo a possibilidade de falhar na sua próxima tentativa. Isso quer dizer que mesmo ao ser derrotado, você nunca deixa de avançar no jogo. Agora compare isso a Final Fantasy, que não contente em descartar toda a experiência, itens e progresso que você havia acumulado ao falhar, glorifica TANTO a sua derrota que não apenas tem uma tela específica só para isso como até mesmo uma MÚSICA própria de Game Over antes de te mandar de volta à tela título. Tudo em nome de dizer como você é um bosta que não sabe jogar a porcaria do jogo.

Isso quer dizer que o modo de Pokémon encarar a derrota do jogador é melhor que a de Final Fantasy? Não exatamente. Se é MELHOR ou pior cabe ao julgamento do designer do jogo. Mas é certamente menos frustrante, e indiscutivelmente mais APTO para um jogo como Pokémon, que preza pela acessibilidade. Como o design de Pokémon funciona quase que por uma exaustão de possibilidades, onde o progresso é feito por atos simples (vá de ponto A ao B, encontre item C para usar em D) e a vitória pode se resumir a subir muitos níveis, ele é um jogo possível de ser completo por qualquer pessoa que tenha paciência e muito tempo em mãos. Isso inclui desde moleques barulhentos de 5 anos que mal sabem ler a milhares de pessoas desocupadas no Twitch.

Em uma era onde “morrer” dentro do jogo é quase considerado um erro de design e o jogador deve sempre estar prosseguindo não importa o que aconteça, é interessante parar para ver como certos jogos encaram a derrota. Quem não lembra do saxofone hilário que tocava em Uncharted 2 sempre que você errava um pulo, apenas para retroceder meros segundos de progresso? Era incongruente, mas o objetivo de Uncharted 2 era justamente te manter em uma aventura que não deixava a peteca cair. Dava pra trazer muitos outros exemplos de outros gêneros, mas isso fica pra outro dia.

Jogos diferentes fazem sucesso por motivos diferentes. Não dá pra diluir o sucesso de Pokémon em um único quesito – outros aspectos como completividade, design visual, apelo popular, portabilidade e aspectos sociais também figuram nesta equação – mas a acessibilidade certamente é um dos mais fortes. E pra quem busca desenvolver um RPG e quer que ele seja aceito por um público o mais amplo possível, essa é uma lição digna de nota.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia mas finge ser comunicador. Acha que entende alguma coisa sobre design de games.
  • vvecchi

    Eu acho que se o jogo me deu a opção de salvar ele tem obrigação de me deixar continuar o jogo que eu esqueci de salvar de um ponto não muito distante de onde estou agora, consigo entender restrições técnicas sobre salvar automaticamente mas acho que me fazer rejogar mais que 1 ou 2 minutos porque esqueci de salvar é um desrespeito com meu tempo. O jogo pode ser dificil e me fazer jogar um trecho razoavelmente longo de jogo quando eu morro, mas isso tem que ser completamente ortogonal ao fato de eu ter lembrado de salvar ou não antes de morrer.

    • Felippe Martins

      Existia uma época (e hoje ainda existe em alguns jogos) que lembrar de salvar também era considerado como uma habilidade que o jogador devia ter. Não vejo problema nisso.

      • vvecchi

        Se for algo como resident evil, que tem um limite no número de saves e coisa assim pode ser, mas em geral você tinha que salvar porque o processo de salvamento causava uma grande interrupção no jogo e isso acontecer com frequência ia mais atrapalhar o jogo do que ajudar. Se você é uma criança que pode passar 8 horas por dia jogando, repetir meia hora do jogo por uma besteira de esquecer de salvar pode ser aceitável, se você tem umas 2 horas por dia para jogar, é bom que o jogo respeite um pouco mais o seu tempo e não fique criando habilidades que são completamente fora do mundo do jogo.

        Inclusive foi por causa disso que parei de jogar witcher 2 eu fiz uma porrada de coisas que eu consideraria bons pontos de save, mas morrer ia me fazer repetir uma boa meia hora de jogo, incluindo caminhar uns 10 minutos.

        • http://www.lifegauge.com.br/ Silvio Filho

          Ué, mas aí vamos ficar para sempre nesta geração em que morrer no jogo não trás ônus nenhum para o jogador, é mais fácil ver o vídeo no youtube, assim não haverá trabalho nenhum!

          Se você tem a opção de salvar e não o fez, o erro foi seu e não do jogo!

          • vvecchi

            Eu to lá, sendo o Geralt e de tempos em tempos eu tenho que ser o Vinicius para salvar o jogo, algo que o jogo podia ter feito por mim sem tornar o jogo mais fácil do que deveria.

            O onus da morte num jogo deveria ser independente de coisas fora do jogo e salvar o jogo é fora dele. É algo que eu acho tão ruim quanto por um checkpoint que é bem depois de um savepoint, se eu vou reviver dali, porque eu não posso parar o jogo para fazer outra coisa e outra hora voltar e continuar dali.

          • http://www.lifegauge.com.br/ Silvio Filho

            Posso colocar no jogo um altar onde você pode salvar o jogo, um ponto onde o personagem reza por uma divindade (por exemplo), a opção de salvar ou não é sua, porém se você não salvar você pode perder o seu progresso…

            O que você não concorda é a forma como o save pelo jogador é feita (através de um Menu) mas se o jogo tem um ponto que te lembra de fazer isso, não vejo problema nenhum…

            O jogo ficar salvando para você que acho bobagem!

      • http://www.zelda.com.br/ Gabriel Simonetti

        “Salvar o jogo”, na maioria das vezes, é uma ação desnecessária. É tirar temporariamente o jogador da imersão criada pelo jogo e forçá-lo a realizar uma ação metajogo com o único propósito de impedir que ele sofra a punição da falha.

        Eu sou da opinião de que, a menos que haja um motivo de game design em contrário (como por exemplo Zelda Majora’s Mask, em que o ato de salvar não apenas tem uma explicação ingame como também é uma ação que tem consequências), todos os jogos deveriam salvar automaticamente E dar ao jogador a opção de avançar e retroceder a qualquer ponto da história. Afinal de contas, também é arcaico o ato de manter vários saves em partes diferentes para poder ver uma cena legal – por que não simplesmente me permitir voltar e fazer isso de novo?

    • http://www.lifegauge.com.br/ Silvio Filho

      Eu também não vejo grandes problemas em o jogo não ter save automático, desde que ele me permita salvar onde eu quiser, até prefiro!

      Acho obrigação do jogador lembrar ao menos de salvar seu progresso…

      • vvecchi

        Espero que você nunca seja game designer de algum jogo que me interesse.

        • http://www.lifegauge.com.br/ Silvio Filho

          Eu não faria mesmo um jogo que faz tudo pelo jogador…

  • Mario Toledo

    Acho que concordo parcialmente com a idéia. De fato, é extremamente difícil encontrar um obstáculo que não possa ser vencido através da persistência. Porém, o modo história de Pokémon sempre foi fraco, e na minha percepção, o grande foco do jogo está em seu apelo para partidas multiplayer, então a galera meio que liga o foda-se pra história. Não que isto me agrade, pois eu gostaria muito mais de uma história de Pokémon que levasse mais do que 20 horas para ser zerada.

    • Twero

      a verdade a premissa era a interação com outros jogadores, mas não é só disso que o jogo vive.

      Eu mesmo usei muito pouco o sistema multiplayer de Pokémon desde que eu me entendo pro gente. Eu curtia muito mais o que o jogo me oferecia no single, a busca por completar a dex e outras coisas extras.

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