NEW AGE RETRO GAMER #40: Resident Evil 4 Ultimate HD Edition

  10/04/2014 - 16:06   NARG, Resident Evil,  
 

“Se Resident Evil 4 sair para outro console que não o GameCube, eu corto a minha própria cabeça.”

Foi mal aí, Mikami, mas continua engraçado.

NEW AGE RETRO GAMER #40
Resident Evil 4 (GC, PS2, Wii, PS3, 360, Steam)
Capcom
2005

Antes de pensarmos em Resident Evil 4, acho interessante pensarmos na franquia Resident Evil como um todo, tanto o seu antes quanto o seu depois. Dito isso, vou fazer uma breve  aqui, já que, é, eu gosto muito dessa série. Tenha paciência aí, meu rei!

Em menos de duas gerações, Resident Evil se tornou uma das mais propriedades mais famosas e prolíficas da Capcom, figurando não só ao lado como possivelmente acima de Street Fighter e – hahaha! – Mega Man. Em 1996, ela foi a porta de entrada dos videogames para um novo escopo, o qual unia a violência (des?)necessária que já existia no PC com a capacidade de formar uma narrativa que era envolvente e inovadora para a época – lembre-se que isso precedeu Metal Gear Solid, então um Chris retardado gritando “NO! DON’T GO!!!” em uma montagem cretina era o mais próximo possível de cinema pipoca que tínhamos nos videogames até então. Era um momento onde a indústria amadurecia e os jogadores começavam a se tornar jovens adultos. Em retrospecto, era o momento perfeito.

E por um bom tempo, a Capcom reconheceu o esmero que a franquia tanto merecia, sendo esperta em manusear times alternativos, reutilizar conteúdo (lembra da delegacia de polícia em RE3?) e até fazer um malabarismo entre plataformas, de forma a testar se o mar tava pra peixe. Talvez a maior prova de que ela levava isso a sério era ver o que foi sacrificado no processo: Resident Evil 2 foi completamente refeito do zero, pois segundo Hideki Kamiya, “tava uma merda”. Resident Evil 0, em longo desenvolvimento para o N64, teve que ser movido para o GameCube e novamente refeito. Um port completo do primeiro Resident Evil foi desenvolvido para o Game Boy COLOR, mas nunca foi publicado por não ser muito divertido. Isso mostra que a empresa prezava pela qualidade. E Resident Evil 4 foi provavemente o exemplo mais significativo disso.

Concebido originalmente como um (inspira… expira) exclusivo de GameCube (pausa para o riso), Resident Evil 4 seria o mais fodalhão dos exclusivos para o console roxo que tinha uma alça da Nintendo. Na garantia que o jogo fosse bom, RE4 passou muuuito tempo no forno, foi de mãos em mãos e foi refeito muitas vezes. Houveram diversos betas, os quais foram abandonados, refeitos, reaproveitados, ou mesmo se tornaram jogos completamente novos. O primeiro beta, com ângulos de câmera semi-fixos e dirigido por Hideki Kamiya, acabou se tornando Devil May Cry. Outro beta continha um Leon explorando um castelo enquanto infectado por um vírus, algo que traria modificações à jogabilidade. Já outro beta (o da “neblina”, ou “Resident Evil 3.5”) era bastante focado no horror psicológico e teria alucinações e elementos bizarros – algo que muitos dizem que serviu de base para Haunting Ground. Levou algum tempo e tentativas frustradas até o jogo se fincar nas mãos de Shinji Mikami, o qual também dirigiu o sensacional REmake e o “tá jogável, mas eu não terminei ainda não, sabe? Ah, vocês vão lançar assim mesmo? Tá, toma esse beta então” P.N. 03 (Porra Nenhuma 03, um título auto-explicativo).

Um dos muitos betas de RE4

A questão é que bastante coisa foi pensada, evoluída e descartada no desenvolvimento de RE4, e eu imagino que se nada disso tivesse acontecido, nós dificilmente teríamos acabado com o jogo que hoje conhecemos. Pois o que é mais notável de RE4 é que, em meio a toda essa confusão de não saber onde permanecer e onde avançar, o resultado final foi de uma disparidade tão radical a seus originais que se tornou revolucionário. Ele varreu não só a sujeira, como tudo que era desnecessário da série para baixo do tapete, e se tornou a base para quase tudo que veríamos na geração seguinte. Se REmake foi o remake que zerou os remakes, Resident Evil 4 foi o reboot que zerou os reboots anos antes de todo mundo e as suas avós resolverem fazer reboots de absolutamente qualquer coisa que existe nessa porra de universo.

A introdução do jogo faz questão de enfatizar como tudo aquilo que veio antes virou pó: em um curto filme narrado pelo protagonista, conta-se a história da Umbrella e do seu fim do modo mais breve o possível. O nome “Resident Evil 4” aparece ao mesmo tempo que o logotipo da Umbrella se desfaz e cai. “Seis anos depois…” – e corta para Leon, protagonista de RE2, agindo como guarda-costas em um trabalho para o governo Norte-americano. A filha do presidente foi raptada, e seguindo as pistas de seu desaparecimento, Leon foi parar em um país europeu (que claramente era pra ser o interior da Espanha) a fim de resgatá-la. É a tentativa de um novo começo, usando apenas pequenos personagens-chave que eram icônicos do 2 em seu decorrer e uns outros gatos pingados sem muita importância. É uma forma esperta de fazer o jogo se manter por si só, algo que a Capcom acabou destruindo completamente em seu processo de Kingdomheartização nos jogos posteriores.

O que difere Resident Evil 4 de outros jogos de ação é que ele não é sobre atacar os inimigos: é sobre manter o seu território. Os primeiros jogos que se comportavam como “survival horrors” devido à limitações de hardware, mas também por motivos de design: você devia sempre ser meticuloso e cuidadoso sobre o ambiente que te cercava para não falhar. Nesse, a tensão é obtida pelos vários perigos que te cercam e a sua capacidade de tomar decisões frente a isso. Um inimigo vem em sua direção, pense rápido: você corre, ou você atira? É incrível o tanto de gente que não entende o porquê dessas duas funções serem distintas. Gente que acha que não poder correr e atirar ao mesmo tempo em RE4 é um defeito ao invés de uma decisão não fazem a mínima ideia do que torna ele um jogo espetacular.

Mikami compreende que o foco de um jogo é ser divertido. Ele sabe que, como um diretor e designer, o trabalho dele é te manter ocupado com coisas novas pouco a pouco, nunca te confortando mas nunca te oprimindo: o balanço perfeito para te deixar sempre empolgado para o que vem a seguir. De fato, tudo em Resident Evil 4 é um metagame em si, das reações dos inimigos até a arrumação de seus itens. Já se perguntou por que é que os inimigos respondem tão bem às balas, ao invés de agirem como “esponjas”? Atire na mão e eles derrubam a arma. Atire no pé e eles se ajoelham – se estiverem correndo, caem no chão. Passe muito tempo ajustando a mira, e eles protegem a cabeça. Acerte-o na cabeça e eles se balançam fazendo quase uma dança, para assegurar que o próximo tiro não será tão fácil. Acerte um ponto fraco e mande um chute, atordoando um grupo inteiro tempo o suficiente para você recarregar sua arma ou usar sua escopeta para se livrar do perigo. Até atirar na cabeça pode sair pela culatra, trazendo uma das Plagas – e ainda assim, ninguém deixa de fazê-lo. É essa quantidade de formas de se encarar o mesmo perigo somado ao fator aleatório que torna o combate em RE4 tão divertido. No NARG de God Hand, eu mencionei como aquele era um jogo de luta mano-a-mano; aqui é o exato contrário, e a graça é saber manusear todo um grupo de inimigos ao mesmo tempo.

Um outro fator comum ao jogos de Mikami, e RE4 em especial, é como todas as suas áreas são “seções” cuidadosamente construídas para testar as suas habilidades. Como mencionei em Vanquish: elas são “set pieces”, quase como pequenos parques de diversões. O tanto de sobes e desces, escadas e janelas, pequenas cabanas e paredes remendadas estão lá para que você possa usar o ambiente ao seu favor (ou desfavor) e encare o game qualquer que seja o seu estilo de jogo. Todas as áreas fariam sentido mesmo se observadas isoladamente, mas é tanto de polimento e cuidado em encaixar essas situações em uma narrativa que nos faz esquecer o quão absurdas elas são. Há um jardim que é um enorme labirinto formado por cercas-vivas que tem dobbermans infectados pulando na sua direção. E aquela cena com Ashley presa contra a parede e você precisa usar a sniper? E o que falar do ABSURDO momento onde tem uma estátua gigante de pedra de um anão que parece o Napoleão Bonaparte te seguindo e destruindo uma ponte? São cenas estúpidas, ridículas; mas tão divertidas de se jogar que você simplesmente esquece.

No fim, as cenas mais memoráveis são aquelas das grandes batalhas, como a cabine com Luis Sera e o monstro no lago. A maioria dos cenários são construídos de um modo que você nunca está completamente seguro, com mais de um caminho para o mesmo lugar, de modo a que a tensão permaneça constante (dica: um jogo que também faz isso é o The Last of Us). E essa tensão é estressante, mas também é extasiante, e é isso que faz de RE4 uma parada tão compenetrante e recompensadora. É um balanço tênue e justo, fruto de uma equipe que sabia muito bem o que estava fazendo. Não fosse tão bem balanceado, o jogo provavelmente não seria tão gostoso de se jogar como é – se algo, eu vejo as sequências da série como uma prova de que mesmo uma base tão sólida não sustenta um jogo inteiro se você não sabe o que construir ao redor dele. Resident Evil 5, por exemplo, possui virtualmente a mesma gunplay (a ponto dos inimigos fazerem exatamente as mesmas animações do 4), mas não possui mapas tão bem construídos, e manda ondas de inimigos e obstáculos chatos até encher o saco. Chegava ao ponto de parecer trabalho em alguns momentos. Não adianta você tentar fazer “mais do mesmo” sem o mesmo esmero e cuidado e esperar que saia algo à altura de um clássico – não é assim que as coisas funcionam.

Manter o ritmo, “momentum” e variedade sempre à mão não é algo que alguém consegue apenas por checar os itens em uma lista. A maioria dos desenvolvedores não consegue. E RE4 faz isso por praticamente toda a sua duração, algo ainda mais insano quando você lembra que é um jogo muito longo. Como um crescendo, ele vai sempre ampliando o seu desafio mas nunca te manda mais do que você consegue aguentar – e olha que ele te manda um maluco com uma MOTOSSERRA logo na segunda sala do jogo caso você resolva entrar na casa que parecia a mais segura em toda a vila. É a forma dele te dizer que está atento para o que você faz.

Graças à dificuldade adaptativa, RE4 é tão maleável que sempre vai seguir o seu estilo. Munição, dano, AI inimiga e basicamente a porra toda é controlada de acordo com o quão bem você vai nele. Se você morrer muito ele vai facilitar e te mandar inimigos menos agressivos e mais itens, e caso você seja o fodão que não morre nunca até uma mísera porradinha vai tirar uma bela parte da sua energia. Ele estará sempre nivelado ao jogador, o que quer dizer que o novato nunca vai ficar tão frustrado ao ponto de parar e o veterano nunca vai ficar tão entediado a ponto de abandonar. É um balanço brilhante, e considero um dos melhores que existem no estilo até hoje. (É também o motivo pelo qual não existe um modo “Beginner”, apenas “Normal” e “Professional”. Para quem estiver se perguntando, o modo Professional é igual ao Normal, só que não escalável – ele apenas te bota no nível mais difícil e nunca te tira de lá)

E o bom é que essa dificuldade adaptativa não se resume só ao desafio, mas também respeita as suas escolhas na forma de jogar. Digamos que você não gosta da TMP. Acha ela um saco, fica ocupando espaço no seu inventário. Solução? Venda aquela maldita, e você nunca mais verá inimigos derrubando uma só munição dela! RE4 é tão maleável que vai além de ser o jogo que você pode jogar, se tornando o jogo que você quiser jogar. Quer uma prova? Uma das minhas armas favoritas é a Handgun, e lá pra minha milésima jogada, resolvi ver se era possível terminar o game só usando ela e granadas. Comprei uma Red9, tunei a danada e vendi todo o resto. Resultado? Não apenas é possível, como é mais fácil e divertido do que eu imaginava.

Passados alguns anos, RE4 saiu também para PS2, PC (com um port ruim), Wii, 360 e PS3. Se você leu até aqui, você deve ter percebido que eu venho falado de RE4 como um todo, e não apenas a Ultimate HD Edition. Pois bem: a maior parte deste texto foi escrita muito tempo atrás, observando o RE4 original. Enquanto eu estava no processo de produzir o texto a edição Ultimate foi anunciada; e com isso, achei melhor esperar um pouco mais para lançar ao mesmo tempo que tentava falar com a Capcom para que eu pudesse analisar essa nova versão e fazer uma extensa comparação do port com as versões anteriores, etc etc. E assim fiz.

Sobre o port, vou direto ao ponto. Existe uma notícia boa e uma notícia má. A notícia má: o port é beeeem pesado.

Vamos ser honestos: desde o primeiro anúncio eles foram bem explícitos em avisar que o “selling point” nessa versão do Steam sobre toda a parada de ser HD Ultimate Mega Foda Edition e tudo o mais. Isso em si não é problema. O que pode pegar uma galera de surpresa é descobrir que mesmo sendo um jogo de 2005, PCs mais modestos ou antiquados não vão rodar isso aqui tão facilmente. Tá vendo os Requisitos Mínimos lá na página do Steam? Leve eles a sério.

As opções de frame-rate são 30 FPS travado e 60 FPS travado, sem opção para deixar FPS sem limite ou desligar VSync. Quando o jogo precisar fazer mais tchã nã nãs, ao invés de quebrar frames ele pode causar uns slowdowns para manter a sincronia. E em alguns casos, esse slowdown pode ser um slowdown TENSO DO CARALHO. Não entendo muito bem como isso acontece, mas parece que tem algo a ver com a forma que as animações de Leon são programadas dentro do jogo. (mais ou menos como Shadow of the Colossus HD rodava a 30 FPS para não causar problemas na jogabilidade).

Eu planejava jogar RE4 HD Ultimate em um computador de boa configuração, mas tal computador acabou quebrando dias antes do jogo sair, então não tive escolha senão jogar em meu notebook. Meu notebook roda Resident Evil 5 e Revelations numa boa, sem ser tudo TOP mas em alta resolução, no médio, com FPS destravado. Para se tornar jogável, eu precisei rodar Resident Evil 4 em 720p, 30 FPS e com texturas originais, e ainda assim vez ou outra rodavam uns slowdowns cabulosos. Depende muito da sala que você se encontra, ou dos efeitos especiais presentes na tela. Em alguns casos, eu precisava descer a resolução para 800×600 (!!) para rodar sem quebras. Então, sim, é bem mais pesado do que você poderia esperar.

A notícia boa: é Resident Evil 4. E Resident Evil 4 é um dos melhores jogos de todos os tempos. Ele já era incrível no GameCube, e se o seu computador consegue rodar essa versão do jogo nas configurações esperadas, ele fica ABSOLUTAMENTE SENSACIONAL.

Eu só pude rodá-lo em 60 FPS em condições bem específicas (uma sala de save pequena, etc), e mais a teste do port do que qualquer coisa. A fluidez é impressionante, e as animações permanecem tão recompensadoras quanto sempre foram. Sem dúvida essa é a versão definitiva do jogo, e faz bem em justificar o “Ultimate” que carrega do título.

Um outro pequeno detalhe é que os botões são configurados no estilo RE5 pra cima, ao invés de como eram no original. No GameCube, o botão de ação e o de atirar eram o principal do controle (A), enquanto correr, cancelar e recarregar ficavam para o secundário (B). Essa mesma configuração figurava no PS2. A partir de RE5, esses botões inverteram de ordem, com o “Quadrado” atirando e “X”, se tornando menos intuitiva. Por qualquer motivo isso ficou, e RE4 HD original e RE6 ficaram com esse layout. Como esse port é baseado na versão do 360 (ela é um port de um port de um port!), essas configurações permanecem, sem opções de customizar totalmente os controles.

A Capcom disse estar trabalhando em um patch para o jogo, mas o que exatamente será mexido nisso (Vsync? Controles customizáveis?) ainda é um mistério. Esperei mais algumas semanas para ver se esse patch saía e eu já mandava a versão final do texto, mas passaram-se os dias e nada até agora. Achei melhor não adiar mais. Os pontos negativos que eu citei aqui só se referem a quem tem uma máquina mais modesta, ou com Intel HD Graphics ou coisa do tipo. Se você tem confiança de que seu PC consegue rodar numa boa, se joga sem pensar duas vezes.

Resident Evil 4 foi além de apenas revitalizar um gênero: como Super Mario 64 e Ocarina of Time antes dele, ele serviu de cartilha obrigatória para qualquer desenvolvedor que pensasse em fazer um jogo de tiro em terceira pessoa. Sua influência é perceptível ainda hoje, tanto em suas decisões excepcionais como até mesmo nas questionáveis (eu argumento que os QTEs de RE4 são bem pensados e adicionam à experiência – o problema é que muita gente que tentou fazer o mesmo não teve a mesma sacada e mandou umas coisas bizarras como Ninja Blade). Tensão é o sentimento que sempre tornou Resident Evil tão aventuresco e interessante. E é exatamente isso que faz de cada segundo de Resident Evil 4 um segundo precioso.

Lá em 2005, RE4 tomou o título de rei e subiu para sempre o nível que determinava como deveriam ser os jogos de ação. Nove anos depois, tivemos centenas de jogos que bebem da sua fonte; mas sinto que ele nunca foi superado. Considero ele o epítome do design em jogos 3D modernos: não há qualquer ponto sem nó. Ele ainda permanece no topo, firme e inabalável.

Melhor jogo de todos os tempos? Não sei vocês, mas a contar o número de vezes que o joguei e rejoguei sem nunca cansar, eu diria que sim.

Resident Evil 4 está disponível para Game Cube, PS2, Wii, Xbox 360, PS3, Zeebo, iOS e sabe-se lá mais o que! No entanto a versão Ultimate HD é exclusiva do PC e está disponível no Steam por R$ 39,99. Esta análise foi feita a partir de uma cópia de review da versão PC, nos cedida pela Capcom.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia, finge ser escritor, e acha que entende alguma coisa sobre game design.

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