Se você desenvolve ou se interessa por jogos, alguma vez você deve ter jogado ou ao menos visto algum daqueles milhares de ROM Hacks de Super Mario World. E se você for um mínimo crítico, você deve ter reparado que a maioria desses ROM hacks é ruim para caramba. Eles geralmente são frustrantes, injustos, repetitivos, e nem um pouco divertidos.
Na busca de mais daquilo do que gostamos, buscamos jogos que sejam parecidos aos estilos que temos preferência: jogos de plataforma, de corrida, tiro, ou o que for. A questão é que, como na narrativa de uma boa história, a execução de uma ideia é tão ou mais importante quanto a ideia em si. Em outras palavras: mecânicas boas não são suficientes para carregar um jogo que tem um design ruim.
Design, um estrangeirismo intraduzível comum na área, se resume à construção do grosso do jogo. Game design se refere ao modo que o jogo deve ser jogado e a forma que as suas mecânicas serão encaixadas uma na outra. Level design é a composição das fases, posicionamento de objetos, inimigos, desafios, etcetera. Enquanto as mecânicas determinam a forma que o avatar controlado pelo jogador vai se comportar – como ele vai pular, se movimentar, atacar, atirar, e por aí vai – o design se encarrega de que essas mecânicas sejam postas em bom uso. Mecânicas ruins provavelmente tornarão o jogo injusto ou desagradável, ao passo que design ruim tornará o jogo frustrante ou tedioso.
E por que, exatamente, eu estou falando disso? De um modo, é pra esclarecer uma questão de percepção (ou falta dela) que me parece bastante comum por aí.
Outro dia desses eu me bati com um tópico de discussão sobre o novo Yoshi’s Island pro 3DS, e nele eu vi muita gente com opiniões conflituosas. Eles comentavam que, por mais que fossem fãs do clássico de Snes, o trailer desta nova versão fazia o jogo parecer bastante tedioso (e, pessoalmente, eu concordo). Lendo os comentários do vídeo, essas opiniões são ecoadas. Uma galera reclamava que a música era sonolenta. Se o Yoshi’s Island original era um jogaço, e esse novo reaproveita muito das ideias e mecânicas dele, por que a sua sequência parece tão chata?
Aí eu volto a algo que eu já mencionei anteriormente neste site: a troca de desenvolvedores. O Yoshi’s Island original foi feito pelo time interno da Nintendo; uma empresa que é, possivelmente, a melhor desenvolvedora de plataformers do mundo, e que possui absoluta maestria nos campos de mecânicas e design. Yoshi’s Island é incrivelmente criativo, variado e bem-pensado, indo muito além de “apenas sair pulando” e facilmente um dos melhores jogos de plataforma de todos os tempos.
Yoshi’s New Island, todavia, é feito pela Arzest. A Arzest é uma companhia que nasceu dos restos da Artoon, uma pequena dev japonesa que já tinha mexido na franquia ao fazer Yoshi’s Island DS. Yoshi’s Island DS é uma pseudo-sequência do primeiro Yoshi’s Island (era pra ter um 2 no nome, mas mudaram de última hora), e era um jogo que reutilizava muitas das mecânicas já conhecidas adicionando algumas novas, mas tinha um design completamente diferente. Falando de experiência pessoal: eu conheço algumas pessoas que gostaram do jogo, mas a grande maioria que já conversei mostravam um enorme desgosto com o produto.
A questão é que o design, bem como a música desse jogo, era um tanto insípido. Sem graça, pouco inspirado. Como identificar esse tipo de coisa? Não é muito fácil, mas aí vai uma dica: se o design do jogo parece fazer o uso das mecânicas como uma obrigação ao invés de uma possibilidade, essa é uma boa pista.
Um bom design vai desafiar o jogador, instigá-lo a buscar novas soluções, e fazer o jogador sentir que tem controle daquilo. Um design ruim provavelmente segue a mecânica da “porca no parafuso”, agindo ao contrário e te dando problemas com soluções frias e rígidas. Jogos que fazem isso tratam a mecânica como se fosse um empecilho ao invés de uma possibilidade, e geralmente são menos divertidos. Isso me lembra da “síndrome da lista de afazeres” que nós já mencionamos aqui em jogos como Arkham Origins, Final Fight 2 e Resident Evil 5/6 – jogos que, apesar de reterem muito das mecânicas de seus antecessores, geralmente são vistos como menos divertidos por parecerem tratar o seu design como uma “obrigação”.
A distinção entre esses dois aspectos tão singulares mas constantemente entrelaçados é interessante tanto para quem deseja criar jogos como para quem quer entender o porquê de Uncharted 3 não ser tããão legal quanto o 2. Mesmo com as mesmas mecânicas e fórmulas de jogo, o modo que estas peças são postas em execução é tão fundamental quanto as mecânicas em si. Ter as melhores ferramentas em suas mãos não vai fazer toda a mágica sozinha se não houver ninguém pra saber manuseá-las. Isso, somado à alternância de times necessária na indústria de hoje, é um dos motivos pelo qual nem toda sequência consegue superar um original.
Qualquer estudante de cinema ou literatura pode te confirmar que conhecer as obras ruins é tão importante conhecer as obras boas. Videogames são a mesma coisa – e é por isso que eu mencionei aqueles ROM hacks de Mario no início do texto. Então, da próxima vez que você pensar em fazer um jogo de plataforma, tente jogar algum jogo bem medíocre licenciado de SNES e depois volte para Super Mario World. Dê uma olhada no que eles tem em comum e no que eles tem de diferente. Olhe o que um trata como obrigação e o outro como possibilidade. E perceba que nem só de pulos que se faz um jogo de plataforma.
Pingback: Qualé a desse tal de… Hack’n'Slash | GAMESFODA