NEW AGE RETRO GAMER #41: Bioshock

  22/05/2014 - 16:33   bioshock, NARG,  
 

Em 2007, quando os consoles daquela geração finalmente pareciam mostrar para o que vieram, tivemos dois grandes FPS que marcaram época. Um deles se tornou um fenômeno estrondoso, rendeu milhões e influenciou de perto como quase todo jogo do gênero ia se comportar dali pra frente.

Estou falando de Call of Duty 4, o jogo que popularizou FPS competitivo em consoles. O outro jogo era Bioshock. Bioshock, diferentemente de Call of Duty 4, não tinha multiplayer.


NEW AGE RETRO GAMER #41
Bioshock
Irrational Games/2K
2007

Bioshock é como cinema. Não digo isso de um modo presunçoso, tal qual o “Cidadão Kane dos games” que vez ou outra zoamos aqui, mas o digo em um nível de representar algo diferente em um mar de mesmice e repetição. Na sétima arte, o sucesso de uma obra é medido pelo que ele arrecada em bilheteria, on-demand e coisa e tal. E, como em videogames, nem sempre o mais audacioso ou inventivo é necessariamente o mais famoso.

A melhor forma de lembrar de Bioshock é através de sua memorável demo. O “cold open” é um artifício do cinema que consiste em abrir o espetáculo sem dar muitas explicações sobre o que está acontecendo, arremessando o telespectador no meio ou pouco antes da ação. Bioshock abre assim. Você não sabe quem é o protagonista, qual sua história, motivação, ou motivos. O primeiro momento jogável em si já é uma surpresa, em meio a uma catástrofe sem direção bem definida. Um farol. Uma escotilha. Uma cidade submersa. Uma utopia; uma distopia. Um perigo.

Mistérios são bons. Até ficar confuso, às vezes, tem suas vantagens. O início de Bioshock certamente é um tutorial, com a diferença que ele não trata o jogador como se fosse uma criança de quatro anos que precisa de tudo mastigado.

O modo de garantir que a sua experiência não será sua e apenas sua é através das frequências de rádio, onde o desconhecido Atlas explica sobre o soberano Andrew Ryan, visionário criador da utopia submersa de Rapture. Em Rapture, tônicos que oferecem modificações genéticas, chamados de Plasmids, garantiam poderem sobre-humanos aos seus cidadãos: telecinesia, eletrocução, e incineração na ponta de seus dedos, para nomear alguns. E em algum momento, a busca por ADAM, o “combustível” que permitia o uso desses poderes, transformou o sonho em um pesadelo. O pesadelo é o que você joga.

Através da guia de Atlas, o jogador vai aprendendo o básico. Através de gravações de voz espalhadas pelo cenário, vai aprendendo o obscuro. Após algum tempo, quando não só o Atlas como o próprio Ryan e a doutora Tenenbaum dividem o tempo na sua frequência de rádio entregando informações contraditórias, cabe a você decidir quem de fato é honesto ali – o que só torna ainda mais complicado o que deveria ser uma simples decisão entre “certo” e “errado” que o jogo constantemente te confronta, pois você não tem certeza do que realmente é certo ou errado naquele mundo virado ao revés. Sobra à natureza do jogador decidir.

Talvez a coisa que melhor defina Bioshock no que se trata de sua jogabilidade é que, apesar de parecer ser um FPS, Bioshock não se comporta como tal. O seu ritmo lembra bem mais o de um jogo de aventura ou RPG em primeira pessoa. Há uma enorme variedade de armas, munições e plasmids, mas estes são mais funcionais que viscerais – o fato de ter munições alternativas, em si, é a constatação de que os caras tavam basicamente se segurando para não adicionar mais complexidade. Fatores como a sua energia e poder de fogo são bem mais influenciados por upgrades manuais e manuseio de recursos que boa mira.

Não é preciso ser um gênio para perceber que ele não parece – nem QUER parecer – um jogo de tiro comum. De fato, o seu sucessor último, Bioshock Infinite, tem bem mais de shooter do que esse. Em Bioshock 1, é apenas o modo mais confortável (e mais fácil de se vender, também) que os desenvolvedores escolheram para situar sua imersiva aventura. Ironicamente, este seu elemento mais contrastante, o ser um FPS que não é bem um FPS, é também sua maior qualidade.

NEW AGE RETRO GAMER #41: Bioshock

Bioshock foi planejado e replanejado várias vezes, teve inúmeras modificações, passou um tempo enorme no forno e foi fruto de um desenvolvimento tortuoso. Certos elementos explicitam essa história: o melhor deles sendo o polimento sensacional dado ao mundo e universo do jogo, algo que claramente não veio da noite pro dia, e sim através de inúmeras revisões; e o talvez menos favorável sendo o verdadeiro labirinto que são certos cenários, que de início trazem muito mais vai-e-vem do que seria esperado em um jogo de alto escalão como este desejava ser (em tempo: vá se arrombar, Medical Pavillion!). Este sensacional artigo da Eurogamer conta mais sobre o desenvolvimento do jogo e retifica muitas dessas informações.

No início do texto, mencionei que Bioshock era como cinema. Já justifiquei essa alusão, mas acho que vale reforçar. Não vejo Ken Levine como um visionário, mas como alguém de incrível potencial criativo – o que certamente faz dele um chefe chato pra cacete, pois é o perfil típico de gente que tem muita visão criativa. Mas eu admiro nele a capacidade de estender a mídia ao “algo além”, priorizando narrativas, reviravoltas e experiências que não se igualam a tudo que já temos por aí. Se Bioshock foi concebido inicialmente quase como um System Shock 3, se passando em uma estação espacial abandonada, a necessidade dessa mudança foi primordial para garantir que houvesse algo novo, transformando Bioshock não em um fenômeno mundial, mas em uma obra digna de nota.

Se Bioshock não serviu de modelo para quase todo jogo em seu gênero dali em diante (tivemos centenas de shooters militares ao invés disso), é pelo mesmo motivo o qual temos muitos clones de God of War e tão poucos de Zelda: é um tipo de jogo difícil demais de ser feito e muito complicado de ser vendido. Para times pequenos e com pouco tempo e renda, não vale a pena. Tudo isso só me faz apreciar ainda mais o empenho dedicado a ele: são obras ímpares que fazem a diferença nisso tudo.

Já fazem quase sete anos desde que caiu aquele avião e nós encontramos aquela cidade submersa debaixo de um farol. Nem parece, né? Agora eu te pergunto: mesmo que sua influência direta não tenha sido tão agravante, você consegue imaginar como teria sido o resto dessa geração não fosse por esse jogo?

Eu não consigo. “Sempre começa com um farol”, dizia a série. Bom, eu diria que aquela geração começou com um.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia, finge ser escritor, e acha que entende alguma coisa sobre game design.

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