O começo de Transistor é lindo.
É quase tão lindo quanto seu meio, que por sua vez é quase tão lindo quanto seu final.
E depois, ao começar o “Recursion Mode” – nome bonitinho pra um New Game +, onde você recomeça a história mantendo seu nível e poderes intactos – ele vai começar mais lindo do que foi o final. E vai ter um meio ainda mais lindo. E o final, de novo, será lindo.
Transistor está constantemente ficando mais lindo, e não é só lindo no quesito sensorial e estético. Ele é lindo de se jogar, e seu sistema de batalha é lindo, e sua história é, também, linda.
O novo jogo da Supergiant Games (que ficou conhecida pelo excelentíssimo Bastion) é um produto que se preocupa bastante com tudo o que está na tela imediatamente, mas não deixa de se importar em deixar as coisas que não estão visíveis também relevantes. É uma outra dimensão de percepção, essa. Pelo fato do jogo transmitir uma porção considerável de seus acontecimentos de modo pouco direto, enquanto as batalhas e a exploração vão passando você vai pensando no que leu lá atrás em um menu, duas lutas antes dessa. Você vai pensando que agora precisa usar tal habilidade de tal modo pra destravar mais um pedaço da história de alguém que você não conhece, mas que quem sabe agora passe a conhecer, com essa informação nova que a habilidade vai liberar.
Com algumas influências diretas da série Souls, da From Software, Transistor também tem essa coisa de “passar a história através do cenário e descrições”, mas de um modo bem mais acessível que seus influentes. Não é um jogo de quarenta horas e nem tem centenas de itens pra você ler, te forçando assim a simplesmente ir dar uma olhada na wiki ao invés de montar o quebra-cabeça por si mesmo. Não, Transistor só tem vinte descrições e é um jogo de seis horas – embora seja bastante difícil você conseguir desbloquear tudo até passar pelo final do jogo na primeira vez, ainda é o bastante pra entender o que está acontecendo e sair satisfeito mesmo se não quiser ir mais a fundo.
Funciona assim: cada habilidade que você tem (chamadas no jogo de Funções) é intimamente ligada a um personagem que tem alguma relevância ali no mundo. Cada uma dessas Funções tem três modos diferentes de se equipar: como função principal (como em apertar o botão e ativá-la [uma bola de energia ou um raio laser, por exemplo]), como função secundária que você equipa em outras funções e muda o comportamento delas (por exemplo, equipar uma função que serve como série de bombas que se espalham na função “bola de energia” fará com que sejam na verdade várias bolas de energia que se espalham) e como função passiva que você equipa não em outras funções, mas em sua personagem principal, obtendo um efeito constante (como em, ao equipar uma função que é um tiro que rebate nos inimigos no seu espaço passivo, ela criará um escudo que rebaterá o tiro dos inimigos pra eles mesmos e tu não tomar tanto dano).
Existem vinte Funções no total, como já dito.
Cada uma dessas Funções tem espaço para duas outras serem equipadas como funções secundárias.
A personagem principal tem quatro espaços para funções passivas e quatro espaços para funções ativas.
Eventualmente – provavelmente depois de terminar o jogo a primeira vez – você vai passar a ganhar as mesmas funções de novo. Elas podem ser equipadas como funções secundárias nelas mesmas.
Todas as combinações acima causam um efeito diferente no combate.
Se alguém quiser fazer as contas, sinta-se à vontade.
Na prática não é tão confuso (e o jogo é, basicamente, sobre a prática), mas é maravilhoso. Por mais que seja mais fácil se apegar a uma combinação de funções e usá-la até o fim, é aconselhável evitar isso se você liga um pouquinho sequer pra história. Quando se usa determinada função em um desses três modos que eu disse, isso libera um pedaço da descrição de um personagem. Pra você saber tudo sobre esse personagem é preciso usar a função de todos os modos possíveis. Simples assim.
O padrão “ceninha no fim da fase como modo de recompensa” que é tão normal no nosso mundo dos joguinhos é subvertido em uma parada mais moderna e menos obtusa – ainda é uma recompensa de história por você, erm, jogar o jogo, mas é algo que você só vai buscar se quiser (e eu recomendo). Só esse sistema já valeria a experiência do jogo, mas não é só isso (apesar de, é claro, ser lindo).
Seu sistema de batalha busca mesclar o padrão de ação que era Bastion com uma coisa mais tática. É possível atacar os inimigos normalmente como o jogo de ação, mas o recomendável é usar o sistema de Turno, que nada mais é que parar o tempo, formar uma fila de funções que você quer que sejam executadas e mirá-las pra onde quiser e aí dar um “play”, fazendo tudo o que você planejou ser executado de maneira bem rápida. A desvantagem de usar o Turno é que aí tem um período de espera até você precisar usar de novo em que tu fica completamente vulnerável sem poder usar as funções. A desvantagem de não usar o Turno é que, bem, você não consegue parar o tempo nem executar tudo de maneira super rápida, mas não tem esse período de espera entre as habilidades (o famoso “cooldown“).
E o combate é claramente o foco do jogo, embora tenha suas partes silenciosas e que estão lá só pra serem bonitas. As partes tranquilas, as partes expositivas, as partes íntimas, servem justamente pra montar a história do jogo que vai sendo dada aos poucos na sua cabeça. História essa muito boa inclusive. Recomendo irem pro jogo sem saber nada além do que os traileres mostram, mas é sobre uma cidade, uma mulher, um cara, outros quatro caras e democracia. Os detalhes ficam por sua conta.
O quanto você vai saber da história fica por sua conta. O quanto você vai aproveitar o combate também fica por sua conta. Transistor deixa tudo por sua conta enquanto te instiga a procurar tais coisas. Todas as dezessete horas que eu usei pra fazer tudo o que tinha disponível no jogo (pegar todas as funções, terminar, terminar no recursion mode e fazer todos os desafios) foram bem aproveitadas, em nenhuma delas eu me senti perdendo tempo, e na maior parte delas eu fiquei pensando que, porra, tá aqui um dos motivos pelo qual eu gosto tanto de jogar videogame.
Uma estrutura narrativa que faz uso e aproveita muito o fato de ser um jogo, uma história que não se limita ao fato de ser um jogo, e, claro, o fato de ser um jogo muito bom.
Transistor faz tudo o que faz com um primor que muitos outros jogos nem sonham em alcançar. Uma coisa que eu disse sobre Bastion na época que joguei também se encaixa aqui: “esse é um jogo escrito por alguém que claramente sabe escrever” e só depois descobri que o Greg Kasavin (designer e escritor de Transistor) é de fato um ex-jornalista. Darren Korb como de praxe provendo uma trilha sonora sensacional com as vozes de Ashley Barrett. E o Logan Cunninghan – famoso narrador de Bastion que tem até um announcer pack em Dota 2 – de novo nos entregando as linhas de maneira excepcional, mesmo que num papel um tanto quanto diferente.
Joguem e depois joguem de novo. Ele é mais do que a soma de suas partes.
De verdade, Transistor é muito lindo.
Transistor está disponível para PC através do Steam por R$36,99 e para PS4 por $19,99.