NEW AGE RETRO GAMER #42: Dark Souls

  19/06/2014 - 14:41   dark souls, From Software, NARG,  
 

“Mais um texto sobre Dark Souls, sério?”

Sim, mais um texto sobre Dark Souls!

Dark Souls é meio que um milagre.

Pensa comigo: é um jogo japonês, sequência de Demon’s Souls, um exclusivo de PS3 bancado pela Sony que não havia sido lançado originalmente no ocidente por desinteresse da própria publisher – que hoje financia Bloodborne, já um dos mais promissores de seu PS4.

Quando foi enfim lançado em outras regiões, foi através de outras publishers, e devido a um grande número de cópias que foram importadas da região asiática e falatório por meio da mídia e público. É um jogo escuro, com tom mórbido, que não se vende por montagens cinematográficas. Não possui dezenas de filminhos pré-renderizados impressionantes, protagonistas coloridos e verborréicos, gráficos coloridos ou qualquer um dos estereótipos animescos que permeiam de modo fatal o gênero atualmente. E, talvez o mais curioso: é um jogo genuinamente desafiador, que não se esforça em segurar a mão do jogador, e o recompensa tanto por sua habilidade motora quanto por sua perspicácia.

E ele é um sucesso. Na geração mais improvável, com uma ajuda maior de boca-a-boca que de marketing, ele e um sucesso. Pra você ver.

NARG #42
Dark Souls (360, PS3, PC)
FROM SOFTWARE/Bandai Namco
2011

Talvez a melhor correlação que podemos fazer de Dark Souls com algo anterior são aqueles jogos de NES com dificuldade sádica e segredos absurdos. Tá, ainda não é a mais perfeita das comparações, pois para todos os efeitos, Dark Souls é dezenas de vezes mais fácil que a grande maioria dos jogos NES-hard que existiram.

Esse com certeza é o aspecto que você mais já ouviu falar do título. Pois bem, vamos lá: a dificuldade de Dark Souls é alta, mas justa. Isso não o torna um jogo difícil, e sim desafiador.

Mesmo inimigos simples em grupo podem dar trabalho: é preciso entender as capacidades de movimento do seu personagem e do inimigo, estudar o peso e velocidade das armas, aprender a defender, esquivar e contra-atacar no momento certo. A evolução verdadeira do jogador se dá bem mais pela sua experiência do que a dos níveis que as almas trazem; toda a boataria que trata o jogo como se ele fosse O MAIS DIFÍCIL DE TODOS OS TEMPOS é leseira de gente que não sabe o que fala.

Dark Souls simplesmente exige que você esteja atento, e reconheça os perigos como eles são. O resultado disso é que as batalhas são empolgantes, e o sucesso é recompensador. Dark Souls utiliza a sua dificuldade a seu favor, sendo ela própria um obstáculo e uma conquista, criando motivação no jogador.

Os segredos, sim, tem maior similaridade: um dos aspectos mais notáveis do jogo é a quantidade de informações que são parcialmente obscurecidas ao jogador. Perceba que eu disse parcialmente: de novo, assim como no NES, aqui você não tem nada do nível “queime o último arbusto à direita em uma tela aleatória”, como era no primeiro The Legend of Zelda. O intuito dessa doidera era vender guias, e estimular a exploração e conversa entre a molecada louca de Cheetos na hora do recreio.

Dark Souls subverte isso, mas não completamente, apenas ao não tornar as coisas tão óbvias. O anel que te faz andar na lava não vai parar o seu jogo só pra te avisar, com letras coloridas, que ele é importante; mas a descrição dele explica isso. Nenhum bichinho falante aleatório vai vir do nada pra comentar que dar upgrade nas suas armas é essencial pra você não ficar feito um idiota balançando essa Drake Sword após trinta horas de jogo; mas o primeiro ferreiro que você encontrar vai falar que ele recomenda fortemente que você reforce seus equipamentos para não ter problemas mais tarde.

Nem todos os segredos do jogo são assim, e de fato existem segredos que beiram o absurdo para alguém descobrir sozinho, mas num todo, a jornada principal é completável sem problemas se a pessoa tiver (muita) atenção, (muito) tempo e (muita) paciência.

Mas é 2014. Ninguém hoje em dia tem tempo (ou atenção, ou paciência) pra descobrir os segredos mais simples todos sozinho, quanto mais os obscuros. O que fazer? Bom, vamos pra versão 2014 da “hora do recreio com a molecada louca de Cheetos”: a internet.

Para quem não sabe, a série Souls tem um modo bem curioso de se relacionar com a internet, dentro e fora do jogo. No jogo, existem certas marcas luminosas no chão que vão te dar dicas. Algumas dessas dicas (pouquíssimas, na real) são do próprio jogo, e as outras são colocadas por jogadores através de um item especial. Uma dica que você colocar, algo como “tesouro à frente” ou “perigo acima”, vai ser visivel no mundo de outros jogadores e vai ajudá-los a desvendar segredos. Logicamente, nem todas as dicas vão dizer a verdade.

Enquanto online, outros jogadores vão aparecer como espíritos em seu mundo, perambulando de um lado ao outro, descansando em uma fogueira ou mesmo deixando poças de sangue que representaram a sua morte. Por meio de itens, é possível você invadir o mundo de outro jogador como um fantasma e caçá-lo. Se matá-lo, o jogador obtém as almas (derrubadas pelo inimigo, funcionam tanto como experiência e dinheiro dentro do jogo) e humanidades (que eu não vou explicar) do outro.

Além de todo esse sistema online, que foi dito revolucionário da época de Demon’s Souls – é um sistema tanto cooperativo quanto competitivo em si próprio, e social apesar de impessoal – talvez um dos maiores méritos seja a presença da série em um ambiente online fora do jogo.

Hoje em dia guias completos viraram uma relíquia do passado; por mais legais que fossem, a internet dizimou a necessidade deles tornando todas as dúvidas solúveis em dois cliques. E mais ou menos como Mortal Kombat, que criou um legado de lendas urbanas nos anos 90 por constantemente deixar os jogadores em dúvida, a série Souls se popularizou pela sua presença online.

Pra ir direto ao ponto: Dark Souls é o tipo de jogo que se fala muito sobre pois é preciso falar muito sobre Dark Souls. A maioria de seus mistérios, sistemas e intricácias não são explícitas ao jogador, e como esse conhecimento é obrigatório para o progresso, recorre-se à ajuda. Como derrotar tal chefe? Qual equipamento é bom?  Onde achar tal chave? Como chegar em tal lugar? Qualquer arma eu deveria usar? Pra que servem parâmetros X e Y? São dezenas de dúvidas que o jogo não esconde, mas não faz questão de tornar expressamente claro. Conversar sobre Dark Souls é essencial para entendê-lo.

É essa necessidade constante de esclarecimentos que tornou Demon’s e Dark Souls notórios: as pessoas, ao menos nos círculos mais inteirados sobre jogos, estavam falando sobre eles. Essa é uma série que se ganhou no boca-a-boca pois não é o tipo de jogo que se completa sozinho. E se tem uma coisa que ajuda um jogo a obter sucesso hoje em dia – quando você não tem milhões e milhões de dólares pra gastar em marketing, né – é que o jogo não possa ser completado sozinho.

Nesse ponto, a experiência do jogo me faz lembrar os titulos de Yasumi Matsuno, como Final Fantasy Tactics, Vagrant Storyo qual lembra bastante a série Souls, uma opinião que não é só minha – e Ogre Battle 64, onde você poderia passar horas só discutindo especificidades de suas mecânicas. Queria eu ter internet na época que jogava Ogre Battle 64… (levei dez anos pra descobrir como funcionava a Chaos Frame, uma pontuação que define o seu final e só lhe é apresentada após terminar o jogo. E não, eu não vou vou explicar ela aqui.)

Todo esse papo sobre a “dificuldade” e o “social” não explicam sozinho todo o apelo de Dark Souls, visto que todo o design dele – formatos dos mapas, ligações entre áreas, posicionamento de objetos, etc etc – é formidável. Explicar design é uma coisa difícil pra caramba, e que eu até já tentei fazer aqui antes, mas não vou perder mais tempo falando sobre isso. Vá jogar, que você provavelmente vai entender melhor do que qualquer explicação minha. A coesão de mundo é surpreendente, e como uma divisão ampla de áreas não torna tudo excessivamente segmentado, o jogador é incentivado a sempre continuar, como na série Metroid. Sempre há um nível pra subir, um lugar para explorar, um chefe a matar.

No que se refere a jogos como jogos, de qualquer modo os dando relevância, Dark Souls é importante. É importante por ser retroativo sem ser retrógrado, por ser social sem ser verborreico, por ser profundo entre um mar de rasos, e, talvez simplesmente, pela excelência de sua construção. Ele é, de um modo, uma “consciência coletiva”, que apesar de excessivamente autocentrada ainda serve de exemplo para outros afora. “Isso é um jogo!”; e pronto, temos um definidor.

Não vou dizer que é perfeito, porque perfeito nada é – ele é excelente – e defeitos ele tem: Blighttown é horrível com total consciência, Smough e Ournstein são mais chefes finais que Gwyn, e o New Game +, que provavelmente seria onde a experiência começa aos mais maníacos, me pareceu uma oportunidade desperdiçada: só eu acharia mais interessante fazer algo relativamente novo do que apenas fazer algo de novo?

Ainda assim, isso não detrai do pacote, e o pacote é incrivelmente conciso, chegando ao ponto de parecer plausíveis as absurdas 60 horas que eu passei nele. Dark Souls não é evolução, nem revolução, mas uma coletânea: uma compreensão do que constitui as forças de videogame não só como uma mídia, mas também como linguagem, fundidas em um produto sensacionalmente bem acabado. Dark Souls é, sem dúvidas, um dos jogos mais importantes da geração.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia, finge ser escritor, e acha que entende alguma coisa sobre game design.
  • André Paiva

    Palmas, Rods! Texto lindo e bem explicativo sobre “o que é” Dark souls. Se eu fizesse um, utilizaria os mesmo argumentos que você, DS é bem isso aí mesmo, sem tirar nem botar. Ótimo texto!

  • Caio Oricchio

    texto digno do jogo e, além disso, faz lembrar da minha jornada em dark souls e dá vontade de rejogar – ou de criar coragem pra encarar o 2. do mesmo jeito que tudo em dark souls é tão bem trabalhado que vem de forma coesa e natural, esse review foi algo bem pensado que parece ter surgido naturalmente como substrato da sua experiência com o jogo – em vez dos reviews que vemos por aí que são textos milaborantes cheios de métricas e clichês para vender ou criticar um jogo que nem é tão bom assim – ou pior, pra fazer audiência em vez de compartilhar experiência.

  • Lucas Elder

    Lindão o texto, Rod. Baixei o game de graça na Live e… bom, não consegui nem passar daquele primeiro inimigo gigante que aparece. Um dia ainda dou uma segunda chance.

    • Guilherme Rubio

      O segredo pra passar dele tá escrito no chão.

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