Qual foi a desse tal de… Metroid Prime

Eu me perguntei por algum tempo qual era o motivo da câmera passar pra terceira pessoa quando você ativa a Morphing Ball (também conhecida como “bolinha”) em Metroid Prime. O botão é apertado e rola uma animação da câmera “saindo” do capacete da Samus enquanto ela se encolhe em bolinha, e a mesma animação acontece ao contrário quando ela volta à forma normal.

mp1_samus

A pegada dessa animação é que ela não é uma cutscene – a Samus ainda está se movimentando enquanto a câmera se afasta, e isso não quebra o ritmo tornando tal coisa que parece puramente visual algo intrusivo. A fluidez continua, só é desacelerada um pouco. Ela é desacelerada pois a forma de bolinha é rápida e nós devemos perceber isso. Logo, qual a melhor forma de percebermos rapidez se não for a lentidão logo antes? O jogo não é lento, mas ele se torna lento pra pontuar quando deve ser mais rápido, e tais momentos de lentidão são tão insignificantes que só percebemos isso quando são contrastados pela rapidez posterior, mesmo que não seja tão mais rápido assim. Há tanto pra se dizer sobre essa pequena animação de menos de um segundo que dá pra falar sobre todo o resto do jogo só partindo dessa premissa. Vamos pra alguns pontos:

- Visualmente a mudança de perspectiva da câmera serve pra vermos que o sistema de jogo muda ligeiramente ali. Você praticamente não tem poder de combate enquanto bolinha, só de posicionamento. Metal Gear Solid faz a mesma coisa pelo efeito contrário (você fica mais lento, mas mais seguro, enquanto se arrasta) e é tão importante quanto.

- Ao afastar a câmera do visor do capacete (e, portanto, do cenário) o campo de visão aumenta e isso nos impulsiona a prestar atenção em mais elementos ao mesmo tempo, incluindo as trilhas onde a Samus de bolinha consegue subir, que em qualquer outro contexto que não fosse esse jogo pareceriam apenas detalhes do cenário.

-Essas trilhas se tornam naturais posteriormente, mas é imprescindível que a primeira vez que você entre em contato com uma esteja com a Samus normal, sem ser bolinha. Por parecer um detalhe, só é perceptível de primeira se a câmera estiver mais próxima do cenário (ou seja, em primeira pessoa). Depois disso você já sabe que precisa prestar atenção nisso pois o jogo te ensinou.

-Se a câmera se mantivesse em primeira pessoa enquanto a Samus está como bolinha ela teria que, ou girar conforme ela gira (que admitidamente seria legal nas primeiras vezes, mas obviamente confuso e nauseante), ou só descer até a altura da bolinha (e provavelmente seria explicado que aquilo seria uma bolinha e não apenas a Samus agachada em uma cutscene ao pegar o power-up), e não teria nenhuma dessas coisas que estou descrevendo, além de não ter a liberdade que a câmera em terceira pessoa tem de tornar os pequenos labirintos na parede navegáveis pela câmera ficar na lateral.

- O modelo da Samus e o sistema de shaders da bolinha é sensacional. Seria um desserviço não usá-los além das poucas cenas não-interativas.

Tudo isso é um tanto quanto óbvio em retrospecto, mas eu não conseguia apontar diretamente os motivos enquanto jogava, só curtia. Acho que isso já mostra o quão pouco intrusivo um sistema tão presente pode ser.

samus-bolinha2
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A visão em primeira pessoa e o aproveitamento de seus segmentos em Metroid Prime nos faz assumir algumas coisas sobre seus desenvolvedores, também. Por exemplo: é claro que enquanto crianças as pessoas da Retro gostavam de chuva, mas não só do evento “chuva”, como o Miyamoto curtia explorar o quintal pra fazer Zelda ou observar formigas pra fazer Pikmin. Eles preferiam assistir televisão, mas quando a chuva fazia a energia elétrica cair aí sim iam pro quintal já que a televisão não funcionaria mesmo e criança acha o sono perda de tempo. O climão do jogo não é nem chuvoso, mas é o clima de desolamento que uma casa sem televisão passa. É o clima de sentir a grama nos pés meio molhada, mas não perceber pois você inteiro está molhado, e ainda assim dizer que sentia essa sensação quando já estiver velho e nostálgico.

Eles também gostavam de biologia, mas do jeito que a gente gosta de biologia – não de um modo médico, mas de um modo estético. Palavras como “fluidos”, “hemorragia” e “exoesqueleto” são legais pois são técnicas sem se tornarem inacessíveis, e são essas palavras que usam pra descrever o ecossistema e os animais no sistema de scan. Não é exato e não precisa ser. É cobertura e nos ajuda a sentir inseridos no planeta de Tallon IV, mas também sabemos que não contrataram um médico ou um biólogo pra dizer se aquilo deveria funcionar daquele jeito ou não – e nem deveriam, o ponto é ser entendível por qualquer um, mas acessado só pelos que querem. E é um planeta que não existe.

biologia

Mais importante que essas coisas, no entanto, é que muito provavelmente eles gostavam muito de jogar videogame. Eles cresceram jogando videogame e com o sonho de fazer videogames pra pessoas que eventualmente cresceriam jogando videogames. E eles respeitam videogames.

A Retro Studios não queria fazer um jogo melhor que Super Metroid. Pra que alguém iria querer fazer um jogo melhor que Super Metroid? Não é melhor fazer um jogo próprio e sem amarras – mesmo que numa franquia existente – do que tentar seguir uma lista do que faz jogos bons serem bons? Metroid Prime respeitava Super Metroid, não queria ser melhor que ele, queria ser Metroid Prime, e aí quem sabe eventualmente as pessoas quisessem fazer jogos melhores que Metroid Prime e Super Metroid, não apenas um ou outro.

super

O joguinho “produto” é o que pega tudo o que tem de melhor em coisas existentes e as coloca em um pacote consistente e refinado. São os jogos feitos pra serem bons – e não há nenhum problema nisso. O joguinho “arte” geralmente nasce de ingenuidade e sagacidade e é feito pra ser o que quer, e aí ele mesmo cria os padrões que depois os joguinhos “produto” vão pegar e refinar. Mas embora hajam convenções, o que se destaca é o que as usa de modo criativo e não simplesmente o que as usa.

O que Chrono Trigger, Ocarina of Time, Super Mario Bros. 3, Metal Gear Solid 3, Resident Evil 4 e Portal têm em comum além de sempre estarem no entre os dez primeiros de tantas e tantas listas de melhores jogos de todos os tempos?

Nada.

Samus
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Metroid Prime foi um acidente. Ele é uma obra de seu tempo – um tempo de oito anos sem Metroid, um tempo de GameCube, um tempo em que a Nintendo desesperada passou a confiar um de seus mais amados filhos pra uma empresa americana que havia feito jogos como Aero the Acro-Bat e Turok. Uma época que a maioria das franquias famosas já haviam dado o passo para a terceira dimensão e os erros e acertos já estavam talhados em pedra pra todas as próximas gerações. Um tempo em que o hardware da Nintendo era mais poderoso que o de um de seus concorrentes.

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Tal qual o detalhe da animação da Samus bolinha, coisas ainda menores fazem o jogo ser o que é. O reflexo dos próprios olhos dela no vistor dependendo da iluminação. O modo como o “tiro carregado”, por tomar um espaço relativamente grande da tela, é pouco necessário e até desencorajado e as portas que necessitam de um tiro carregado pra serem abertas são acessíveis pro tiro poder ser dado de longe e você não precisar navegar com aquele barulho o tempo inteiro – coisa que também é reforçada pela frequência com que você precisa virar bolinha. Os quebra-cabeças ambientais e a organicidade com que se conecta, como realmente se parece com um planeta e não com uma fase de videogame.

Sam_face

A primeira vez que eu joguei, Metroid Prime me deixou incomodado pois eu detestei a parte final em que era necessário coletar determinados itens em várias partes do mapa. Fiquei com um gosto ruim na boca por ser o que eu mais me lembrava antes de terminar o jogo e por parecer tanto uma tentativa de esticar o conteúdo – fico feliz de estar errado, no entanto. Isso serve pra você ver o quanto seu personagem evoluiu e o quanto se torna mais fácil a navegação pelos mesmos mapas que você teve que lutar pra explorar na primeira vez que chegou neles.

Serve pra mostrar que tudo estava em seu lugar e o intruso é você, que está manipulando o mundo a seu favor, e não ele que está se manipulando sozinho pra te dar importância – o crescimento do poder da Samus não é só vertical, mas também horizontal, e você como jogador cresce junto pelas suas ações que não se limitam a escolher o item certo no lugar certo. A habilidade ainda é necessária pois as coisas não são necessariamente “chaves”, são pedaços de você, pedaços do combate, pedaços que funcionariam no começo e no final do jogo, caso estejam lá.

A Samus no final não está num estado de Super Sonic, não é “especial”. É natural, tanto em escopo quanto em progressão.

Metroid_Prime_Thardus

A aventura da Samus em Tallon IV não é sobre números, é sobre barras. Seus quebra-cabeças não são sobre senhas, são sobre cores. Seus pulos não são sobre altura e sim sobre distância. O jogo faz questão de esconder todas as coisas que fazem dele um sistema computacional com limitações programadas e celebra sua organicidade mesmo que ainda seja tal sistema computacional. É sobre o que sentimos ao apertar o botão e não sobre os números que vemos voar quando apertamos esse botão.

E é por isso que eu acho que nenhum jogo será melhor que Metroid Prime, pois ele é o único Metroid Prime que existe e que pode existir. Echoes é outra coisa. Corruption é outra coisa.

metroid-prime-1

Será que um dia vai existir um jogo melhor que Metroid Prime e torná-lo obsoleto?

Eu acho que não. Espero que não.

Temos que torcer é pra existirem mais jogos tão bons quanto Metroid Prime, e não tão bons como Metroid Prime.

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • Caio Porto Ramos

    Não tá faltando algum parágrafo de introdução nesse texto não?

    • Neozao

      Tudo isso aí que eu escrevi é a introdução! O corpo do texto é o próprio jogo (risos)

  • Dhyan Shanasa

    ótimo texto, cara! Pra mim Metroid Prime é pros video games o que Os Trabalhadores do Mar de Victor Hugo é pra literatura: monumental.

  • http://www.facebook.com/Nintendorgas Wesley Mello

    Metroid Prime 1 é o melhor, Echoes é muito bom, Corruption é muito bom também, mas Prime é o que mais se parece com um Metroid como deveria ser!

  • Diretor Coulson, O Filho Legal

    Tive a impressão que o texto foi bastante sentimental, e isso não é ruim, é diferente de textos de sites grandes que são muito técnicos e mecânicos. Tô numa maratona de Metroid, estou terminando o Super e quando tiver a oportunidade, com certeza jogarei o Prime.

    Parabéns pelo texto 😀

  • Caio Oricchio

    você consegui colocar no texto de uma forma que se entende o que eu sempre senti e nunca nem soube direito com relação a esse jogo como um todo. Mais especificamente ainda, sobre a sequência de coletar os fragmentos em Metroid Prime. Há mais de dez anos eu leio as mil críticas que falam como isso é estender o jogo, como isso enche o saco e tento me sentir assim também pra sentir que estou junto e pertenço a esse grupo de críticos sagazes que falam que Metroid Prime tem algo de fraco em sua experiência e tá tudo bem, mas nunca estive de verdade no meio, sempre sentia uma pontada de “será mesmo? esse jogo parece tão perfeito…”. Daí li isso e agora não pertenço nem aquele nado nem desse, mas me resumo a dizer que esse jogo marcou minha vida e é isso; que lembro das salas (mesmo que “salas a céu aberto”) dele como lembro de lugares pelos quais andei na vida fora do videogame, e às vezes sinto saudade de um ou outro desses lugares, de tão natural que é a exploração do mundo.

    E o gancho inicial da animação da Morph Ball foi tipo partir do átomo pra explicar o sistema solar. Muito bom e coerente que nem a conexão entre as salas de MP.

    • Neozao

      Muito obrigado, cara!
      Eu também tenho muitas lembranças visuais da área “de gelo” do jogo, por algum motivo ela foi a que mais me marcou e eu sempre me lembro do quão desolada a vibe dela é quando vejo qualquer outro jogo com área onde tem neve. A neve e o frio geralmente são usados justamente pra passar esse esquema de desespero e apontar “aqui você devia se sentir triste, viu? por isso é frio”, mas em MP ela se mescla tão bem com o resto de tudo que não tem essa barra forçada pra nos dar algum sentimento, só está lá, e isso me fez lembrar ainda mais dela.

      • Caio Oricchio

        Eu “gosto” de Chozo Ruins, assim, é um lugar onde me sinto bem andando de lá pra cá, de tanto que fiquei “brincando” por ali da primeira vez que joguei e porque acho que é o que mais me capturou a essência do jogo.
        Essa parte de neve, lembro de parar de jogar quando entrei nela porque me senti totalmente “exposto” nessa parte de gelo, como se estivesse mais longe de casa do que antes. Daí quando voltei a jogar uns dias depois fiquei lá só eu e o gelo e aquela música pianinho ao fundo… bem lembrado! Não tinha pensado nisso da neve e do frio, mas faz sentido, lembrei agora de um planeta do Mario Galaxy gelado e isolado e da Click Clock Woods inverno de Banjo-Kazooie – eu costumava lembrar mais do Freezeezy Peak, que tem um clima mais Nightmare Before Christmas, mas é bem isso que ela causa de um jeito mais natural ainda – acho que a naturalidade e o jeito orgânico como tudo é construído em Metroid Prime vai além da arquitetura Chozo ou da transição suave entre a aparência das salas, vai pra todos os aspectos do jogo mesmo, e esse é um nível de criação muito acima do que eu me sinto capaz de fazer, é admirável demais e é um bom norte a se seguir – como você disse, criar coisas tão boas quanto e não como.

  • Fábio Menezes

    esse é de fato o melhor jogo já criado de todos os tempos, só sabe isso quem jogou até o fim.

  • Caio Porto Ramos

    Sempre bom lembrar que no quesito de combate mesmo, Metroid Prime dá uma AULA!

    Sempre fiquei muito bolado com o fato das empresas que lançam jogos de tiro anualmente procuram se “reinventar” kibando os outros e nunca kibaram o Dodge que a samus dá apertando o botão de pulo e para o lado. É muito mais dinâmico que ficar enfiando a cara contra a parede para se desviar de tiros ou PULAR AGACHADO.

    ***

    Queria também deixar comentar que apesar de Metroid Prime não procurar ser melhor que Super Metroid, ele É super metroid, só que em primeira pessoa. Lógico que eles tiveram bastante liberdade quando trabalharam no projeto, criando áreas novas, ou utilizando o Screw Attack DA MELHOR FORMA POSSÍVEL, mas é evidente que eles preencheram uma pequena checklist para não deixar os fãs muito perdidos, já que metroid em primeira pessoa já era uma coisa chocante.

    Como disseram aí nos comentários, o Prime acaba sendo o melhor, apesar deu respeitar muito o 2 por ser extramente experimental. Tudo naquele jogo é diferente não apenas do que a Nintendo costuma fazer nos jogos, mas na propria franquia Metroid. E isso foi muito, muito bom. Metroid Prime 2 foi tipo o Majora’s Mask da franquia.

    Gosto de Metroid Prime 3, mas pra mim acaba sendo o pior deles. Não por ser ruim, mas sim pq não dá – em princípio -, superar maestralmente o 1 e o 2.

    ***

    Quem tiver interesse em jogar essa trilogia e não tiver um Gamecube NÃO SE DESESPERE. Tem a trilogia metroid prime no Wii, que é um port EXCELENTE dos dois primeiros jogos!

    ***

    Bônus:

    https://www.youtube.com/watch?v=VEVQ6JxQFr4

    (melhor que dubstep)

    • Neozao

      Ainda não tive a oportunidade de jogar o Echoes mas joguei um pouco do Corruption e… não sei, provavelmente tenho que jogar mais, foi um salto muito grande partir da premissa isolada do Prime pra um jogo que você começa numa base com gente e precisa interagir com essas pessoas e elas tem uma pequena animação de reação pra quando você atira nelas. Achei esquisito mas tento não julgar baseado nesse comecinho e nem na cena do alien engraçadinho imitando a Samus.

      Fora que o controle no Wiimote é meio esquisito (inclusive recomendo, se puderem, jogar o Prime no GC mesmo e não na Trilogy – a fricção é diferente e funciona melhor no analógico que na mira pra premissa do jogo). Mas tenho bastante vontade do Echoes, já li coisas boas e ruins sobre ele e nunca tive como conferir eu mesmo, seu paralelo com Majora me animou!

  • Danilo Dias

    Parabéns ao gamesfoda pelo belissimo artigo sobre a obra prima da gerazão 128 bitches.

  • cesardka

    MAS O JOGO RODA EM 60 FRAMES POR SEGUNDO??????????????????

    brincadeira. hehehe

    Cara, acho sensacional como o Game Cube foi uma época tão diferente e trouxe tanta coisa nova e boa que tá aí até hoje. Muitas pérolas a serem respeitadas nessa época, até mais que no N64 (que nem teve Metroid???? ou teve??)

    Nunca joguei Metroid pois fiquei traumatizado jogando o II no Game Boy e… Puta que pariu. Quem sabe com esse texto eu não me mexa aqui e arranje para testar.

    Parabéns neozão tu é o cara.

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  • Twero

    Cara… Metroid Prime é genial!

    Eu cheguei a jogar no Trilogy pro Wii, mas por causa do meu Wii sempre superaquecer, eu não conseguia curtir o jogo com tamanha limitação de tempo. 🙁

    Also, existe muita diferença entre o original e o port pro Wii? Principalmente na questão do controle? Pergunto isso pois quero saber se recomeço a jogar no Prime pela sua edição do GC ou pelo port no GC.

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