Qualé a desse tal de… Mario Kart 8

  14/07/2014 - 16:47   mario kart, nintendo, review,  
 

Nunca esqueço do Bongô avaliando o pão com manteiga.

Se a frase acima não te diz nada, me refiro a um episódio específico de Castelo Rá-tim-bum, premiado programa infantil dos anos 90 que mistura bruxaria, ratos tomando banho e aquele cara que hoje fala de video game na Play TV. No episódio em questão rolou um concurso de sanduíches no castelo e o Bongô (carismático afrodescendente entregador de pizza) era o jurado.

No meio de trocentos lanches mirabolantes e cheios de firula, o vencedor foi o pão com manteiga. A mensagem do episódio para as crianças era, obviamente, a de que deveriam dar mais valor à simplicidade ante os engodos supérfluos de fast-food, algo que entendo e apoio. O que eu não entendia era o processo de crítica adotado pelo nosso amigo Bongô. Um pão com manteiga é algo tão trivial no nosso cotidiano que se torna estranho analisá-lo isoladamente. Ora um pão com manteiga é um pão com manteiga, ponto.

E Mario Kart é Mario Kart.

É por isso mesmo que quando liguei meu Wii U (poucos sabem da existência, mas esse é o último console de mesa da Nintendo, lançado em 2012) para jogar Mario Kart 8 pela primeira vez, não me sentia como se estivesse parando pra conferir um jogo novo. É Mario Kart, sabe? Campeonatos divididos em cilindradas, um modo battle fazendo figuração, multiplayer zuera com a galera. A gente sabe o que esperar da série. E, de fato, o que encontrei enquanto jogava foi a mesma e consagrada fórmula que vem me acompanhando há duas décadas. Mas, puta merda, de repente parecia que havia algo além acontecendo ali na minha TV…

Não sei dizer exatamente quando aconteceu, mas certamente foi por algum detalhezinho aleatório. Posso citar como exemplo desses tais detalhes a pista Shy Guy Falls. Além da cachoeira citada no nome, ela tem uma área de túneis e grutas onde vários Shy Guys constroem trilhos e mineram pedras preciosas. No momento em que você está passando pelos pontos onde eles estão trabalhando surge um som ritmado, como picareta batendo em metal, que complementa a trilha sonora. Esse som, mantendo a lógica da pista, desaparece assim que seu kart se afasta dessas regiões.

Pensa comigo o seguinte: por que caralhos alguém faria isso? Não, serio mesmo, POR QUÊ!? Você imagina algum jogador ou site especializado reclamando da falta de um detalhe assim? Acha que apareceria um review dizendo“infelizmente o jogo peca por não remeter ao trabalho dos Shy Guys mineradores nos 4 ou 5 segundos em que seu kart passa por ali”? E esse foi apenas um exemplo de dezenas. O jogo todo está inundado de uma atenção quase doentia a detalhes e pequenas adições que provavelmente ninguém teria como sentir falta se não estivessem ali.

Mas estão, e cada nova minúcia percebida tem o poder de te fazer abrir um sorriso espontâneo. Talvez por entender esses detalhes praticamente como um presente: não há razão para eles existirem que não a de tornar a experiência do jogador mais agradável.

Porque ela é agradável, e por vários fatores além desse. A experiência é muito mais redonda do que a obtida, por exemplo, em Mario Kart Wii e Mario Kart 7. Não que eu tenha desgostado desses últimos jogos, mas é mais ou menos aquilo que eu disse no começo: eles seguiam uma fórmula que nunca teve muito como dar errado, às vezes ignorando a possibilidade de dar mais certo ainda.

Mario Kart 8 se esforça para não ser só mais um e demonstra ter consciência do que precisava ser aprimorado. Acabou aquela sensação de estar no meio de um ataque soviético de cascos azuis onde você parecia não ter controle de nada, onde o acaso cagava em cima de qualquer tentativa de jogar bem. Ainda existe, claro, a zuera e pancadaria características, mas em uma dosagem bem melhor planejada pra não correr o risco de se tornar frustrante demais.

Um exemplo significativo que ilustra bem esse rebalanceamento é que agora os caralhentos cascos azuis estão bem mais raros. Não só isso, mas existe também um novo item de defesa (igualmente raro) capaz de destrui-los no momento em que se aproximam. É um toque singelo, e ainda depende muito de sorte, mas basta para que o jogador sinta que as suas decisões importam, que não está à mercê da putaria generalizada de cogumelos, princesas e encanadores que celebram diabolicamente a sua tragédia.

A adição do hover nos karts, que a princípio parecia um firulinha redundante e superficial, na prática acaba criando um dinamismo bem interessante. O design das pistas procura sempre encontrar soluções para incorporar as áreas antigravitacionais de forma orgânica dentro de cada tema, e é bem foda reparar na forma como se dão essas transições. Essas áreas ainda vão além da estética por interferir também no gameplay, mudando a forma como os karts colidem uns nos outros e trazendo novas maneiras de impulsionar sua velocidade com turbos. .

E eu não poderia ficar sem falar de como esse jogo é bonito. Já dava pra notar em fotos e vídeos bem antes do lançamento, mas caralho, mesmo assim surpreende ao ver o troço rodando na sua frente. E nem é nada do tipo “omg a nova geração chegou”. A beleza de Mario Kart 8 não vem de saltos tecnológicos. Ela não faz você pensar no Wii U como “potente”, não o glorifica enquanto hardware. Esse primor visual é direção de arte, esmero, aquela já citada atenção doentia a detalhes que fazem com que as pistas e personagens pareçam respirar, ter vida própria.

É por isso que eu acho que todo esse rebuliço que rolou em cima do Luigi death stare não foi acidental. Não foi uma piada tirada do cu pela juventude internauta, como aconteceu por exemplo com a flecha no joelho de Skyrim. Quis a Nintendo que cada personagem fosse extremamente expressivo e tivesse reações únicas. O marketing indireto que esse ~meme~ gerou é recompensa pela dedicação empregada aqui.

- Entendo, Cellus, mas não tá meio nintendista isso não? Você tá querendo me dizer que o jogo é perfeito?

Não. As opções de interação e planejamento de partidas no modo online são bizonhamente limitadas; o modo battle é fácil o pior da série, dando a impressão de ter sido colocado ali só pra constar mesmo, sem um pingo do capricho visto no resto do conteúdo; e, acima de tudo, eu não entendi até agora o que caralhos é Pink Gold Peach (?!?). Se alguém tentar te vender o jogo dizendo que esse é o Mario Kart definitivo, recorra ao PROCON imediatamente, porque ainda não é difícil encontrar coisas que podem ser melhor trabalhadas. Mas se houver mesmo, num plano metafísico e platônico, um Mario Kart definitivo a ser almejado, essa versão de Wii U é a que mais se aproxima desse ideal.

E agora, finalmente, eu consigo entender o Bongô. Mario Kart 8 veio para mostrar que não é por que passamos a vida nos entupindo de milhares de pães com manteiga que eles devem ser todos iguais. Há de vir um com a casquinha mais crocante, o miolo mais macio, a quantidade exata de manteiga, dessa vez caseira, de Minas, até com uma pitada sutil de orégano. Talvez esse seja o sanduíche campeão afinal.

Espero que você tenha sorte e consiga saboreá-lo em paz, sem muitos cascos azuis te atrapalhando no processo.

Cellus

Sobre

Marcellus Vinícius, vulgo Cellus, é co-criador e editor do GAMESFODA. O hábito que melhor resume seu perfíl psicológico é o de digitar números quebrados no microondas.
  • Caio Oricchio

    muito bom o texto. genial a relação com o bongô!, entre outros coisas. Eu tinha pensado a mesma coisa com relação a esses detalhes desnecessários – eles fazem o jogo ser mais que o jogo que você comprou naquele mês, fazem ser uma experiência que você leva pras suas próprias criações. É bom perceber que tem gente fazendo jogo que se importa com isso e também outros jogadores que se deleitam com isso.

  • Kiliano Lopes

    Acho muito difícil escrever um review, tento diversas vezes, mas a autocrítica sempre me ferra. Quando entro nesse looping de escrever e apagar, tento fazer algo que você vez de maneira linda e poética nesse texto. Conte uma história. Esse foi um dos reviews mais simples e diretos que já li (o que é muito positivo pra mim), sem firulas ou excesso de informações técnicas. Sério, foda-se em quantos FPS e jogo roda. Raramente comento aqui, mas sempre leio o site. De inicio não curtia muito o Games Foda, mas hoje acho que ele é o dono do melhor conteúdo escrito do país. Do caralho.

  • Little Seal

    Não entendi nada do bongô.
    Aliás,muito boa a comparação da mídia com a Shy Guy Falls e talz,essa foi uma das primeiras OST’s que fui buscar no Google/YouTube,quando cheguei me toquei que não tinha o som dos Shy Guys e fiquei:
    POATZ velho,é só no jogo mesmo! 😀

  • Gabriel Camelo

    Dois textos do site elevaram a análise de jogos ao estado de arte. Um é o do Hynx onde ele personifica o jogo e lhe escreve uma carta direta. O outro é esse. Sem mais.

  • Thales Cézar Castro

    Campeonato oficial de MK8 do Gamesfoda já!

  • Palas ‏ ✈

    Seria Cellus o próprio Bongô

    • Tony Horo

      Se é assim, o Hynx seria o tio do Nino?

  • rrezende88

    Mario Kart 8 não sabe se é o Cidadão Kane ou o Pão com Manteiga dos Mario Kart.

  • http://www.des-ocupado.blogspot.com.br/ Des_Angelo

    Quando eu crescer quero fazer review igual o Gamesfoda

  • Rafael Soares

    Pão com manteiga e oregano?!
    Elouqueceu nintendista, elouqueceu.
    sem mais

    • http://www.gamesfoda.net/ Marcellus Vinícius

      Experimenta pra ver como é gourmet stuff.

  • http://www.gamesfoda.net/ Marcellus Vinícius

    Se a FIFA permitisse eu curtiria 20 vezes cada comentário aqui. Obrigado mesmo, turminha.

  • Rodrigo Sousa

    Esse foi o melhor review que já li, em todos os aspectos. Parabéns.

  • Twero

    É por análises como essas que eu dou preferência ao Gamesfoda: Nada de especificações técnicas, notas ou firulas. Aqui temos um texto puro, direto e com metáforas que entendemos muitíssimo bem o que o jogo quer nos dizer.

    Eu já tava achando esse MK do caralho (e olha que desde a versão do Wii eu andava olhando torto pra série) quando o vi no Nintendo Direct, vi os gameplays e agora isso. Não me resta dúvidas que se tem algum jogo que me fez bater o pé me querer ter um Wii U, foi MK8.

    E sua analogia com os pães de manteiga foi magistral, Cellus. Parabéns e obrigado por sintetizar com tanta maestria o que é jogar Mario Kart 8!

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