“Eu podia estar jogando Shovel Knight agora.”

Esse pensamento me veio durante uma aula chata, mas que eu, como adulto responsável, precisava encarar. Olhei pro meu celular, com um certo descontentamento. Ele não rodava Shovel Knight. Shovel Knight nem saiu pra ele. Horas mais tarde, na fila do mercado, o mesmo pensamento me veio à mente mais uma vez. Eu podia estar jogando Shovel Knight agora, na fila do mercado. Não tinha uma versão pra 3DS do jogo? Quase certeza que sim. Naquele momento, eu invejei dos donos de 3DS.

Eu podia estar jogando Shovel Knight no ônibus. Enquanto as minhas mãos formigavam, me obrigando a dar uma pausa nele. Enquanto eu dormia, mais com vontade de jogar do que dormir. Durante o Fifa Fan Fest!

Tá, exagerei um pouquinho. Talvez sim, talvez não. Mas cara, só o fato de eu estar pensando em jogar algo enquanto não estava me era algo estranho. É raro eu ficar assim com jogos. Não jogo muito hoje em dia. Prefiro escrever sobre eles, se duvidar. Sabe vocês, que tem duzentas ou trezentas ou novecentas mil horas em Dota ou LOL? Não faço ideia de como conseguem. Parabéns? Talvez sim, talvez não. Vai ver eu tô velho.

Mas enfim, existem exceções. Shovel Knight foi exceção. Boa exceção pra um velho como eu. Jogo lindo, aliás. Lindo com cara de velho. Ele parece velho pra vocês? Que eu mesmo achei lindo. Confirmem não, por favor. Se vocês confirmarem, só vai servir pra eu me sentir mais velho ainda.

Aliás, de velho esse Shovel Knight não tem nada. Tá, ele curte a ideia de ser velho, faz suas imitações (não limitações!) e tudo o mais. Curte fingir, deixa você usar só dois botões, se quiser. Mas é 2014. E ele é de 2014. Sabe direitinho disso. Ele só não acha que isso é motivo pra sair botando boné aba reta e fazer biquinho e tirar foto com cara de retardado. Não é besta, sabe direitinho o que tá fazendo. Não é nem alma de velho: é sabedoria, mesmo.

Sua inspiração… ah, sua inspiração, essa é velha. Super Mario Bros 3, Mega Man, clássicos da Capcom. Nem inspiração, esquece isso: homenagem. Observou o que eles tinham, atentamente, e foi aprendendo. Fez a lição de casa direitinho, o desgraçado. Tem segredos, tem itens, tem equipamentos, tem dinheiro, tem upgrades, tem coletáveis, tem missões alternativas. Até pescaria o rapaz soube incorporar! Incrivel como não tem plataforma em lugar errado, não tem ponto sem nó. Zelda 2? Nunca nem foi bom aquilo. Link ruborizaria só de ser comparado. Tô dizendo: esse moleque aqui sabe o que faz.

A cara de Shovel Knight é o estilo dele, mas vai saber se ele faz isso pra tirar com a nossa cara ou se é porque gosta mesmo. Mas, de novo: faz tudo certinho o desgramado. Tu acha que ele precisava de scrolling quando passa de uma tela pra outra? Lógico que não. Botou ali pra tirar com a gente, mesmo: é o charme dele. Música? Mesma coisa. Xinguei – de modo afetuoso – quando vi Jake Kaufman nos créditos. Moleque não só sabia o que tava fazendo, como ainda me enganou direitinho. Nem eu esperava por essa. Me superou, ele. Filho da mãe.

De começo eu até achei que das suas inspirações ele só tinha a cara mesmo, já que difícil, mesmo, não estava. Bom, isso é porque eu não estava nem na metade dele. Lá pro final, finaliznho mesmo, o filho da mãe mostra a que veio. Estufa o peito e fica bem mais desafiador, mas nada fora de outro mundo. E tudo que eu errava era culpa minha – mesmo que ele estivesse forçando. Então era só questão de tempo.

Não foi difícil eu entender o porquê de eu querer tanto jogar Shovel Knight: ele herdou as melhores características de suas inspirações e tirou tudo que era arcaico e desnecessário. É um jogo clássico sem reumatismo, ou um jogo moderno sem maquiagem carregada. Não tinha nenhuma motivação forçada, nenhum pseudismo, nada que não pareça autêntico. É só sobre pular, dar pazadas, matar bichos, encontrar tesouros, descobrir segredos, e se divertir pra cacete. Algo divertido não importa o ano, não importa a era.

Shovel Knight so é arcaico esteticamente: tudo na forma dele jogar mostra que não só ele é moderno, como dá um caldo na maioria desses modernos que tão por aí. Tão moderno, aliás, que é filho do Kickstarter. Quer prova maior? Tô dizendo, pô. É um moleque, aí. E é um moleque esperto, ainda por cima. Joga muito esse Shovel Knight.

Se tem uma insegurança na mídia tão antiga quando a própria mídia em si é o tabu dela com a palavra “diversão”. Diversão é coisa de criança. Aí videogames são tudo, menos divertidos: eles são “compenetrantes”, são “profundos”, são “imersivos”, são “revolucionários”, e mais um monte de termos frescos e presunçosos que tentam pintar o meio como algo maior e mais respeitado até mesmo quando ele não é.

Shovel Knight é divertido. Muito divertido. Estupidamente divertido! Divertido pra caramba, divertido pra cacete, divertido que só! E cara, que bom que ele é divertido assim! Que se não fosse, eu não teria jogado até o fim. Nenhuma amarra me prendia a ele. Eu voltava porque queria. E sabe por que eu queria? Porque ele é divertido, porra!

E você, bom… você podia estar jogando Shovel Knight agora.

Shovel Knight está disponível para PC, 3DS e WiiU.