Você ainda tem medo da lua de Majora’s Mask?

  31/10/2014 - 17:20   majora's mask, Zelda,  
 

Embora hoje em dia a lua de The Legend of Zelda: Majora’s Mask seja mais usada em montagens engraçadas pra dias em que temos o fenômeno da “superlua”, antigamente ela instigava um medo repulsivo em todo mundo que abaixasse demais o analógico do Nintendo 64. Não que fosse realmente assustadora pra todos, mas podemos combinar que não era agradável de se olhar, então a gente evitava.

O tempo passa, a gente cresce, o governo muda, descobrimos e redescobrimos o amor, Usher na E3, Nintendogs, Gamergate, 1080p, 60 fps etc, e a lua não causa mais tanto medo quanto antes. É até discutível se causaria a uma criança que a visse pela primeira vez. Isso foge do ponto, no entanto. É perfeitamente normal perder a sensibilidade emocional pras coisas com o tempo, mas não quer dizer que não seja mais possível apreciá-las de outra maneira. Majora’s Mask é um jogo que envelheceu. Se envelheceu bem ou mal não importa, já que em sua essência ainda é a mesma coisa que era lá em 2000.

É curioso lembrar de Majora pensando em como Zelda está hoje. Discutivelmente a melhor entrada da última década foi A Link Between Worlds e é, ao mesmo tempo, a entrada mais “crua”. O jogo de 3DS não tem firulas – é execução pura e simples. Magistral, porém tão natural que chega a dar uma sensação de passável. A impressão que ALBW deixa é que “não fez mais que a obrigação”, já que a sua obrigação é ser um jogo bom, e não tem muitas coisas além disso. O negócio é que Majora’s Mask é o exato oposto: a sua parte *jogo* é mais humilde (devido a um ciclo de produção curto) e suas mecânicas centrais de interação já haviam sido utilizadas no Ocarina. Falar de Majora é falar em termos vagos como “atmosfera”, “imersão”, “feel” e tentar objetificar isso tudo só nos leva a análises rasas que tentam explicar conceitos complexos utilizando méritos como “fator diversão”.

Outra faceta importante de Majora é que esse relativismo faz com que todo e qualquer argumento que eu faça a favor de seus méritos mais subjetivos podem cair por terra com um simples “não senti isso”. Me lembro bem até hoje de uma vez que estava falando sobre o jogo e um rapaz veio me interromper:

-Perceba que você superestima esse jogo, cara.

-Não é bem assim. O que eu gosto em Majora é [todos os motivos que explicarei nesse texto condensados].

-Ainda assim é o único jogo de Nintendo 64 com loading.

Percebe? Simplesmente não dá pra ter uma conversa agradável com alguém que não está na mesma sintonia que você e, portanto, é meio impossível “convencer” alguém a gostar de Majora’s Mask. A pessoa tem que jogar, se ela sentir tudo o que você sente ela automaticamente entenderá o que você tem a dizer. Se isso acontecer, ótimo. Se não acontecer, você sai com fama de louco, mas de que isso importa?

Eu nem lembro de loading no jogo, também.

espantalho

Certa vez Ken Levine (System Shock, Bioshock) disse que o maior desafio de ser um projetista de jogos é manter a parada toda divertida sem ninguém saber o que é diversão exatamente. Acho que o meio usado por Majora para conseguir isso é a imprevisibilidade – como eu disse, pegando o mesmo núcleo de Ocarina e usando ele de modo novo. Até pelo número de dungeons ser bastante baixo, o jogo é mais focado em seu mapa geral, tornando tudo ali, se não interativo, ao menos importante.

A atenção a detalhes que Majora nos proporciona é grande não apenas em um nível observável . Suas máscaras são usadas aqui e acolá muitas vezes de modo que não esperamos, mas que causam reações ainda assim, e tais reações são decorrentes de acontecimentos em cadeia: fazer algo pra pegar a máscara, equipá-la no momento certo (que de vez em quando é meio difícil de se decifrar) e assistir o que isso tudo deu. Será que vale sempre a pena passar por tudo isso pra um diálogo engraçadinho novo? Ou tudo isso pra uma máscara nova e termos que repetir todos esses passos? O ponto é a jornada, dizem.

A jornada é sempre imprevisível. Uma vez escrevi sobre esse aspecto focado em uma quest específica, mas o jogo todo é basicamente isso. Mesmo que nossas ações sejam sempre semelhantes, continuamos fazendo na esperança de um resultado diferente – ainda que o “resultado” esteja nas suas etapas e não no resultado final.

Majora’s Mask é sobre repetir padrões esperando resultados diferentes, confiando que uma hora ou outra eles acontecerão. Seria então ele previsível em sua imprevisibilidade? Ou seria ele imprevisível em sua previsibilidade? Um joguinho raso de palavras causa mais ou menos apreciação por um texto? A lua ainda te causa medo?

A inevitabilidade do tempo ainda te causa medo?

Dá pra tocar aquela música e fazer com que ele passe mais devagar. Ele passando mais devagar faz com que consigamos terminar as dungeons sem ter que voltar no tempo e, portanto, no final faz tudo ser mais rápido já que não precisamos repetí-las.

Olha só, estendendo o tempo dentro do jogo faz com que economizemos o tempo fora dele.

InvertedSongofTime

O que você sente ao tomar a identidade de alguém e tornar quem está à sua volta mais feliz? A felicidade deles importa mais, mesmo ela sendo causada por algo falso? Já diziam as Chiquititas pra não dizermos mentirinhas, pois dói demais. Você chega a pensar nisso enquanto joga ou leva tudo como bandeiras necessárias pra avançar o jogo e chegar no seu final? Será que ele foi justamente projetado pra isso tudo servir como bandeiras até um final e eu que estou fazendo papel de bobo olhando mais do que devia? Se sim, de que isso importa?

Eu não tenho mais medo da lua como tinha quando era mais novo. Quando eu era mais novo, no entanto, não pensava em nada disso. Pra mim foi uma boa troca.

A falta de palavras oficiais sobre determinados aspectos de um jogo sempre faz tudo parecer especulação. Porém a interpretação ser oficial ou não está aquém do que deveria ser relevante à minha experiência – se chegasse o Aonuma aqui amanhã e falasse “foi sem querer, galera, circulando”, será que minha visão sobre o jogo ia mudar?

É capaz que minha visão sobre o Aonuma mudasse, mas sobre o jogo em si não. Que estranho que é isso.

Talvez eu seja muito idealista ou passional – é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, afinal de contas – mas se qualquer obra é um coletivo de ideias, acho justo me dar ao direito de avaliar uma delas por suas ideias. Há quem diga, por suas próprias razões, que Majora é melhor em ideia que em execução. Não estão errados.

Eu não estou errado, também.

É possível que eles consigam expressar suas razões de descontentamento melhor do que eu consigo as minhas de contentamento, afinal, é sempre muito difícil escrever sobre algo que se gosta tanto e ser minimamente coerente. Eu tenho absoluta certeza de que é um jogo passível de críticas. Só não são críticas que mudem o que ele significa a nível pessoal – não que eu tape os ouvidos e fique gritando “LALALALALA”. As escuto e absorvo, concordo e discordo, só não diminuem o que ele é pra mim.

Tem aquela parte que você precisa comprar uma máscara que segura seus olhos abertos pra escutar a historinha que uma senhora te conta. É uma história importante pra entender os acontecimentos do jogo, mostra as origens dos gigantes, a relação deles com o Skull Kid. O Link não se importa, afinal, ele precisa de um artifício pra não dormir no meio da coisa.

Quem se importa é você.

AllNight

A última máscara tira a graça do chefe final, né? Mas depois de tudo isso – depois de conhecer todo mundo, resolver os problemas de todo mundo, já que são pré-requisitos pra pegar essa última máscara – será que você precisava passar por ainda mais um obstáculo? A recompensa não estaria, talvez, em justamente conseguir “vencer” os momentos finais do jogo sem muito esforço habilidoso depois de tanto esforço mental?

Pros moradores de Termina, quando você volta no tempo, tudo o que fez deixa de existir.

Pros moradores de Termina, quando você desliga o videogame, tudo o que fez deixa de existir.

O que não deixa de existir são suas memórias.

Depois de alguns anos, ao se lembrar da lua, pode ser que você perceba que ela não é mais tão assustadora assim. Talvez ela nunca tenha sido. Majora’s Mask não era sobre a lua. Era sobre todo mundo que podia observá-la, fosse através da própria textura de olhos colada em um rosto poligonal ou através da sua televisão, abaixando todo o analógico do Nintendo 64.

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • http://www.juizcachorro.com/ Roberto Rezende

    “Tem Loading”, azar do loading.

    • Caio Oricchio

      sorte do loading de estar nesse jogo.
      mas na verdade acho que só tem loading no emulador (tanto no Collector’s Edition de GC quanto no eShop de Wii / WiiU), no N64 não tinha não. A menos que considerem os Dawn of the First Day etc. ou a cutscene de quando se salva como loading, mas não faz sentido porque essas telas fazem parte do jogo. Nunca pensei nisso como loading.

  • Twero

    Tenho muito respeito por esse Zelda, além de tudo que você apontou, o que eu acho mais curioso é algo que nunca mais retornou na série: a forma como o mundo se comporta dentro dos 3 dias.

    O mundo não para e a cada hora alguma coisa está acontecendo em determinado lugar. A lua tá quase caindo? Tem um senhor lá na pqp que você precisa conversar antes que tudo acabe por uma quest. A forma como o mundo se comporta dentro das 72 horas é simplesmente genial e que eu gostaria e muito de ver em um Zelda futuro, mas nunca ocorreu.

    Por fim:

    “É capaz que minha visão sobre o Aonuma mudasse, mas sobre o jogo em si não. Que estranho que é isso.”

    Estranho porra nenhuma. O Aonuma pode mudar, o jogo jamais muda. Fica a reflexão.

  • Caio Oricchio

    Cara, parabéns e obrigado pelo texto. Muito bom ler mais opiniões sobre Majora (embora a sua seja bem parecida com a minha, você verbalizou algumas coisas que eu não tinha conseguido até então).

    “Se chegasse o Aonuma aqui amanhã e falasse “foi sem querer, galera, circulando”, será que minha visão sobre o jogo ia mudar? É capaz que minha visão sobre o Aonuma mudasse, mas sobre o jogo em si não.”

    Já pensei isso sobre diversas coisas, inclusive sobre MM, mas também sobre ICO e Journey, e 2001 e Matrix e Mulholand Drive e sei lá outras coisas sobre as quais eu tenho minhas críticas na cabeça que uso para discutir com os outros, mas além disso tenho uma “memória da experiência” especial que faz com que sejam minhas obras preferidas.

    Vai além das críticas, reviews e teorias relacionando Majora com a vida que eu possa fazer: é o que o Ken Levine disse da diversão. Eu penso em Majora e lembro de eu descobrindo que no 3o dia o carpinteiro quebra a pedra no caminho do Rancho, ou eu seguindo o carteiro por toda a cidade só porque percebi que ele não estava andando aleatoriamente e de repente ele entra no Hotel e PAM eu descobri que ele fazia parte de uma história muito maior do que ele que era da Anju e Kafei maaaas… dias depois descobri que ele também tinha sua própria história. E assim com quase todos os personagens. Eu me pegava seguindo pessoas e usando máscaras diferentes não pra desbloquear alguma conquista ou item novo mas apenas pelo prazer de fazer isso, pelo prazer de descobrir e experimentar aquele mundo, e acho essa é a melhor coisa que pode haver não só num jogo, mas em qualquer coisa da vida.

  • Victor Gonçalves

    muito bom esse texto sobre a quest da couple’s mask, gostei

  • Atos Ferreira Machado

    Curti bastante seu texto. Vejo suas palavras e as tomo como minhas. Realmente o Majora’s Mask é um jogo especial para mim.

  • Pingback: Esta semana em GAMESFODA – La Edición de los Muertos | GAMESFODA

  • Yokoelf

    Muito bom. Majora’s Mask também é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos e muito é pela sua atmosfera única dentro do universo Zelda. Me marcou muito o clima melancólico, trágico e até bizarro das cenas como a da menininha que tem seu pai transformado em múmia trancado dentro de casa. A quest da Kafei e Anju nem se fala. E a parte dos alienígenas raptando as vacas? Morria de medo daquela cena quando criança e também foi um dos momentos mais tensos do jogo, pois a quest continuava com você tendo que proteger a carroça que levava o leite e um único erro teria que se começar tudo denovo. Acho difícil sair um Zelda parecido novamente. Só não rejoguei ele ainda pq ainda espero que anunciem uma versão para 3DS.

  • Pingback: Termina a espera pela volta de Termina: Majora’s Mask 3D é real! | GAMESFODA

  • Denis Angelim

    Parabenizar pelo texto é pouco. Tenho é que agradecer mesmo, por ler através de palavras o que eu sinto não só com este jogo, mas com vários outros artigos daqui. Pqp, vcs não cansam de serem fodas? huehahsuhauhsua. Ainda preciso jogar mother, pq o artigo de vcs é praticamente uma arma na minha frente me obrigando a jogar e cuspindo na minha cara do quanto eu estou errado em não jogar ele 🙂

Visit the best review site wbetting.co.uk for William Hill site.