No espaço de 10 anos entre Street Fighter III e Street Fighter IV, fighting games não eram nem um pouco relevantes. Sim, a SNK ainda lançava The King of Fighters, a Sega tinha Virtua Fighter, a Namco, Soul Calibur e Tekken, e a Arc Systems, Guilty Gear, mas eles eram jogos de nicho. O gênero já chegava ao ápice da obscuridade, e o fato dele ser altamente competitivo com pouco apoio para iniciantes se tornou uma barreira para uma boa parte dos interessados.
E então, no meio desse contexto, veio Street Fighter IV.
Street Fighter IV
A Capcom fez uma aposta. Ela acreditava que conseguiria reviver a cena dos jogos de luta com seu novo título, Street Fighter IV. Diferente de Street Fighter III, que trazia um elenco novo e um gameplay rápido e frenético (e, por consequência, pouco intuitivo), Street Fighter IV voltava com tudo as raízes de Street Fighter II. De fato, da até para dizer que um é quase remake. Basicamente todos os seus personagens preferidos estavam de volta, só que agora em glorioso 3D.
Mas como? 3D em jogo de luta 2D? Heresia!
É, a Capcom já havia tentado com Street Fighter EX, mas na época ficou evidente que ela não estava preparada para cumprir o que o jogo prometia. Ele era travado, sem vida e feio. Não valia a pena trocar os lindos e fluídos sprites 2D. Só que aí veio a então nova geração. PS3 e 360 prometiam milagres em alta resolução e a Capcom não queria ficar pra trás, porque aparentemente o consumidor agora se importava com gráficos mais do que nunca. Como chamar a atenção delas para um jogo pouco intuitivo?
Deixando-o bonitasso pra caralho, óbvio.
Quem acompanhou tudo isso em 2008 nunca vai esquecer o alvoroço que foi ver a abertura do jogo em tempo real ou assistir uma partida – um jogo de luta 3D em plano 2D extremamente orgânico. Por mais que Tekken, Soul Calibur e Virtua Fighter fossem lindos, era Street Fighter, porra! Olha o Zangief dando um pilão monstro no Ryu!
Eu tenho certeza que esse foi o ano em que muitas pessoas perceberam que não manjavam porra nenhuma de jogo de luta, mas estavam felizes mesmo assim. Porque Street Fighter IV nunca resolveu esse problema inicial – ele ainda é pouco acessível para o público geral. Só aqueles com tempo e força de vontade podem dominar o básico do jogo e partir para o online.
Ah, o online! Depois dos gráficos e da punheta nostálgica, a Capcom passou o resto do tempo fazendo propaganda do modo online. “É como ter um fliperama em casa! Tá tranquilo jogando sozinho no modo tradicional e PIMBA, te desafiam e você vai lá dar um pau no cara”. Embora nunca vá conseguir emular o calor e suor do amigo ao lado penando pra fugir dos seus Tiger Shot, ele criou uma sensação de comunidade no jogo. As pessoas ligavam pros seus pontinhos e queriam desafiar os outros. Não recordo se o Netcode era bom ou não, mas dava pro gasto.
Considero Street Fighter IV um grande fenômeno cultural na comunidade de jogos de luta. Não só hoje milhares de pessoas se importam e dão bola para eventos como EVO e afins, como vários outros jogos conseguiram voltar a crescer com essa onda, como todos os que eu citei no primeiro parágrafo (se eu citar de novo tudo aquilo vai ficar feio). Culturalmente, também foi SFIV que começou com a modinha escrota de DLC caro pra cacete de roupinha em consoles, então thanks Capcom.
Enfim, foi do caralho. Mas enquanto a comunidade investia horas e horas no jogo e realizava torneios cada vez maiores, problemas de balanceamento e coisas do tipo foram ficando cada vez mais claros. Como já estávamos na era de patches e DLC, acreditava-se que a Capcom não teria mais a pachorra de criar mais 20000 versões como fez fez com SFII. Porque né, puta prática errada, gananciosos do caralho…
…Epa, o que é isso?
Super Street Fighter IV
Ué
Capcom caralho mercenaria filha da puta!
Calma, velho, vamos por partes.
Primeiro: Balancear um jogo de luta não é de graça. Requer trabalho, tempo e pessoal, o que significa dinheiro. Alguém tem que testar, alguém tem que reprogramar, alguém tem que manjar que arrumar um problema pode criar mais vinte novos. Além disso, o jogo vem com mais nove personagens e especiais novos pra personagens antigo, todos os quais têm que ser inseridos e repensados no contexto do jogos. Nada disso vem de graça e ou cabe num DLC coerente. O jogo saiu em disco, mas saiu mais barato inclusive. Infelizmente, alienou os compradores do jogo antigo, já que a versão Super saiu pouco mais de um ano depois. De qualquer forma, o jogo precisava disso, não para continuar relevante, mas para atender a demanda do cenário competitivo e se tornar ainda maior.
Super Street Fighter IV foi alardeado no seu lançamento como uma “versão definitiva”, e por muito tempo foi isso mesmo. Mesmo com a chegada de Street Fighter IV ainda recente, a versão Super era a mais falada e jogada no gênero. Talvez não tenha conseguido puxar aquele primeiro público inicial, mas agora a Capcom estava fazendo o jogo pra quem pediu mesmo: a cena competitiva. Nisso tudo, pouco tempo depois eles anunciaram que sairia uma versão para Arcade, com mais balanceamentos e quatro personagens novos.
Super Street Fighter IV: Arcade Edition saiu em 2011 para os consoles – meio ano depois de sua irmã para arcades – como um DLC. Nesse caso, era necessário ter a versão Super do jogo para jogar a mais nova, porém não excluía aqueles que não optassem pela expansão: Era possível trocar as versões no jogo na hora e e jogar contra quem tinha as versões antigas (embora os personagens novos não fossem selecionáveis). Em uma entrevista, foi dito que esta seria a versão final de Street Fighter IV (de novo).
O Arcade Edition recebeu um patch de rebalanceamento grátis em 2012 e continuou por torneios a fora. Enquanto isso a Capcom planejava seu cross-over com Tekken, que acabou não dando muito certo no cenário competitivo. Por um lado, Street Fighter IV já não estava mais no topo indiscutível da cena de jogos de luta, onde jogos como The King of Fighters e Blazblue vinham ganhando cada vez mais força; por outro lado, a Capcom tinha modelado alguns personagens e cenários novos SF X Tekken, que estavam ali dando sopa.
Somou 1 + 1 e disse “deixa comigo”.
Ultra Street Fighter IV
O anúncio da versão Ultra do jogo foi um tanto turbulento. Os fãs do jogo obviamente ficaram felizes, mas o público mais por fora da cena só conseguia ver preguiça: quatro personagens e estágios puxados diretamente do cross-over, mais um personagem que foi deixado em segredo por muito tempo pra no fim das contas ser basicamente uma reutilização do modelo da Cammy.
Comparando o salto do “Normal” pro Super, a diferença foi muito menor. Mas a série já chegava a seu quarto ano e as gerações novas (de consoles) estavam logo aí no horizonte. Enquanto os desenvolvedores provavelmente se preparam para um Street Fighter V, ainda seria conveniente tentar manter viva a cena do IV, nem que fosse por um custo menor. Consequentemente, a versão Ultra é ainda mais direcionada para quem joga competitivo de verdade, dependendo de muito feedback dos fãs e incorporando uma das caras da cena competitiva, Peter “Combofiend” Rosas, em seu time de desenvolvimento. Foi uma lógica bem simples: chamar as pessoas que jogam o jogo incansavelmente há anos para ajudar a tornar a experiência o mais perto da excelência possível.
Uma das novidades é o fato de ser possível escolher entre versões anteriores do personagem, antes de balanceamentos. Então, se você quiser jogar com o Sagat como ele era no original ou o Akuma na versão do Super, é possível. E é aí que se solidifica totalmente o foco no público alvo do jogo. Para quem olha de longe, é tudo a mesma coisa: nenhum dos personagens ganhou algum golpe ou comando novo, algo com uma estética diferente. A maioria é só diferença de frames, propriedades e dano.
Parecia ser o prego no caixão da opinião pública quanto a Capcom, fazendo crer que estavam só acumulando dinheiro fácil e cagando para os fãs. A realidade era justamente oposta: o desenvolvimento de Ultra Street Fighter IV marcou um dos momentos em que que a empresa mais se empenhou para escutar seus fãs com muita atenção.
Street Fighter IV pode se orgulhar de uma conquista enorme: a de reviver, sozinho, o gênero dos jogos de luta. Não é de se espantar, então, que as pessoas esperem tanto da série. Afinal, foi Street Fighter II que estabeleceu o gênero em primeiro lugar. Com o PS4 e o Xbox One já no mercado, a expectativa por Street Fighter V aumenta, e a Capcom certamente tem isso em mente. A questão agora é como conseguirão causar o mesmo impacto do jogo anterior. Gráficos bonitos podem ajudar, mas não são mais o principal atrativo.
Quem sabe, finalmente, a Capcom tente encontrar uma forma de conseguir ampliar o público de jogos de luta, tornando-os mais acessíveis? Para um mercado tão grande e inexplorado, é o próximo passo lógico a se fazer. E isso não significa facilitar as mecânicas ou deixá-lo mais casual, e sim, de alguma forma, fazer com que o jogador aprenda as nuances das mecânicas que conquistaram uma comunidade tão grande de forma mais intuitiva e interessante - algo que outros jogos tentam, mas ainda não conseguem.
Seria mais uma conquista importante no currículo de uma série já acostumada a quebrar muralhas.
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