A cena inicial the The Order é simplesmente fantástica de um ponto de vista cinematográfico. A fotografia é excelente, os gráficos mais bonitos já vistos pelo homem e uma noção de câmera que poucas vezes vemos em jogos digitais. O problema é que no meio disso eles acharam que o jogador precisava sentir que tinha algum controle sobre aquilo tudo e usaram dos famosos Quick Time Events como interface para o comando do jogador. Essa escolha foi feita não em 1886, mas no Ano do Nosso Senhor de 2015.
Essa péssima escolha, de iniciar com uma mecânica que eu faço questão de demonizar, infelizmente define o tom de todo o resto da experiência que é The Order: 1886. Embora a abertura realmente seja mais longa do que se costuma ver atualmente, simplesmente não havia necessidade alguma de atribuir qualquer um daqueles malabares visuais que ocorrem na tela como sendo feitos do jogador. É uma decisão preguiçosa, buscando urgência em fazer o consumidor acreditar que ele está no controle de um espetáculo gráfico de última geração.
Em praticamente tudo na nossa vida basta apenas uma coisinha feita de mal grado para que outras venham em seguida. Imagine que eventualmente você acorda de ressaca em dia de trabalho e liga pro seu chefe falando que você está com caganeira. Se conseguir ter essa atitude e se a desculpa funcionar minimamente bem, em breve qualquer problema que tenha no trabalho poderá ser resolvido com uma diarreia imaginária. QTEs são a caganeira imaginária dos jogos digitais.
O desenvolvedor tem um produto tecnicamente bom, com uma história que não é uma pérola, mas que ainda é melhor do que muito coisa que aplaudem por aí, mas tem um problema que ainda vai perdurar muito no cotidiano da nossa mídia: está muito “cinematográfico”. Sim, algo que antes era um conceito pelo qual o pessoal morria de amores nas análises com notinha (lembra de Uncharted 2), hoje se tornou um problema. Pois se grande parte da ação é “cinematográfica”, encenada e scriptada, o cara por trás do controle não sente que realmente tem domínio sobre aquilo que está vendo.
A solução básica que se criou para “resolver” esse problema é um lixo sem tamanho que não deveria ser sequer considerado na esmagadora maioria dos jogos. E quando você decide que vai enfiar uma sequência de botões a serem apertados bem rápido como requesito para o jogador não “morrer” em uma cena que na verdade não é jogavel, logo você está colocando coisas como apertar um botão repetidamente pra empurrar um carrinho e, por que não, um botão que mira automáticamente pra você como se fosse um especial.
Como demonstrado na metáfora da incotinência fecal, se a parte criativa de um projeto tem preguiça de procurar alternativas para fazer o jogador se sentir recompensado, ou ao menos se imaginar como parte daquela experiência, com certeza vão ter preguiça também de procurar a melhor saída para diversos outros aspectos de um jogo.
Os exemplos que dei acima são reais, e não deveriam ser assim: apertar um botão repetidamente pra qualquer coisa não passa nenhuma sensação de “estou fazendo força junto com o personagem”, ou, se passa, não é algo que agregue em nada na experiencia fora um fardo desnecessário; um botão especial que mira sozinho e deixa você atirar à vontade sem realmente precisar controlar soa mais como uma gambiarra para arrumar desbalanceamentos do que uma mêcanica que realmente encaixe no pacote geral do jogo.
No meio de tantos desvios para tentar agregar algo de válido para o jogo, o resto também não colabora. No meio de dezesseis capítulos, pouquíssimos têm algum embate ou algum tipo de ação que não envolva andar lentamente por casas e escutar conversas sobre conspirações políticas de lobisomens e rebeldes em uma Londres Steampunk. Digo, o conceito parece até animado (pra quem gosta), mas eles fazem ficar monótono com a velocidade da sua progressão.
As armas, por exemplo, em sua maioria são bem diferentes, em especial a arma do Tesla (sim, o Tesla está no jogo), e a arma de Termita. Mas o problema é que, com tão poucas partes com troca de tiros, ainda menos sobram onde o uso dessas armas está disponível, tornando-as itens que são usados por pouquíssimo tempo no jogo.
Uma clara sensação que fica é que o único empenho real que tiveram sobre o jogo foi na parte gráfica, onde vemos cenas e efeitos realmente impressionantes, e transições entre cenas e partes jogáveis sem qualquer queda gráfica ou carregamento entre elas. Fora isso, eles simplesmente estavam perdidos com esse produto, pedindo apenas para você olhar que maraviha são os cenários, as roupas dos personagens e os ambientes.
Existe, por exemplo, uma parte onde você precisa mandar um sinal de código morse para um Zepelin usando o touch do DualShock, alternando entre toques longos e curtos. Isso é usado uma única vez durante o jogo todo. Eu não sei se a Sony tem um requerimento para os seus jogos principais de usarem pelo menos uma vez o touch ou se os desenvolvedores simplesmente esqueceram que tinham criado isso. Por mais que seja melhor que uma QTE, fica completamente perdido e sem sentido quando você olha em retrospecto.
The Order poderia ser muito mais do que foi, assim como diversos outros jogos que decidem procurar saídas simples e óbvias para seus problemas, confiando em sua casca altamente produzida e de grande orçamento, sem questionar quais efeitos isso gerará no produto final. Sem entrar em spoilers (não que eles sejam realmente relevantes), a história ainda termina com um epílogo, prometendo uma sequência, fazendo tudo parecer como um teste pra eles lançarem um jogo melhor no futuro, como já é de praxe no começo das “grandes franquias” da última década.
Estou fazendo essa análise atrasado, e mesmo não gostando de ler outras análises antes de fazer a minha, óbviamente escutei todas as reclamações sobre o tamanho do jogo em questão. Realmente não entendi o porquê disso: a pequena duração simplesmente magnifica o fato de que duração em um jogo não é o que importa. O que importa é o que você faz com o tempo de que dispõe, e como apresenta essa parte interativa para quem está jogando.
E exatamente isso The Order não consegue entender ou se preocupar em desenvolver.
The Order: 1886 está disponível exclusivamente para Playstation 4. Esta análise foi feita a partir de uma cópia de review que nos foi cedida pela Sony.
Pingback: Esta semana em GAMESFODA – A Edição com o Fofão Subindo o Muro | GAMESFODA