Bem-vindos, amigos e amigas assinantes de banda larga. Hoje vamos falar de cores. Por quê? Bem, primeiramente porque video games são coloridos (!), mas também porque o uso inteligente de uma paleta pode influenciar a experiência do jogador de formas muito positivas, sendo a maioria delas inconsciente.
Sendo mais específico, quero abordar aqui uma determinada aplicação de cores que consiste na justaposição de tons complementares, opostos no círculo cromático. Se você não tem a menor familiaridade com o assunto, pode ficar tranquilo porque é tudo bem simples. Também é um conhecimento interessante para desenvolver nosso senso estético em vários níveis, pois esse tipo de contraste é bem básico e pode ser observado na comunicação visual de quase tudo à nossa volta que tenha passado por algum processo de design.
O que raios é esse círculo cromático?
Círculo cromático é uma representação simplificada das cores que fazem parte do espectro visível (ou seja, que o olho humano é capaz de perceber) em formato circular. Nessa representação, as cores dispostas em extremos opostos são conhecidas como complementares, por formarem contrastes que são mais evidentes e agradáveis à nossa visão e, consequentemente, mais harmoniosos.
Existem outras formas de combinar cores usando o círculo, como o uso de cores análogas, mas aqui focaremos exclusivamente nesse esquema de complementares. Veja exemplos básicos de como funciona:
O uso do círculo para combinar cores complementares não apenas ajuda a criar composições harmoniosas, como pode causar em quem visualiza algum efeito premeditado. Por exemplo, a maneira mais comum de evidenciar um elemento que merece a sua atenção é colocá-lo como ponto contrastante em uma composição onde predomina sua cor complementar. Isso ajuda a explicar, por exemplo, a tendência que faz com que a maioria das capas de jogos (e pôsteres de filmes) foquem no contraste entre azul e laranja.
Na imagem abaixo os dois círculos têm a mesma saturação. Veja como o da direita fica bem evidente e mais chamativo:
Cores complementares e video games: qual a utilidade desse troço?
Por se tratar de uma obra audiovisual, um jogo pode se beneficiar dessa noção de harmonia e contraste com vários propósitos. É muito comum encontrar exemplos de cores complementares aplicadas de maneiras inteligentes em jogos com uma boa direção de arte – e vice-versa quando a direção é bem porca. Organizei os exemplos separando-os de acordo com diferentes intuitos, então vamos a eles!
Cores complementares para composição de cenários
Para que os ambientes de um jogo tenham uma composição geral harmoniosa e bela, é frequente que as cores em maior destaque nele sejam complementares.
The Last of Us se passa em um mundo decadente onde uma espécie de fungo evoluiu a ponto de tomar controle de seres humanos. Para ilustrar a “vitória” da natureza sobre a civilização moderna, os ambientes urbanos do jogo estão sendo invadidos pelo verde das vegetações. Não é mera coincidência que boa parte dos prédios e espaços internos do jogo tenham tons de vermelho como predominantes.
Journey brinca bastante com a mudança de cores predominantes para ilustrar o teor de cada etapa da jornada. Na imagem, podemos ver que a direção de arte abriu mão do “realismo” nos tons da areia e do céu para criar uma composição mais leve e delicada na etapa do jogo que ainda é mais lúdica e tranquila, quando estamos começando a interagir com nosso companheiro de jornada sem grandes obstáculos ou adversidades.
A igreja do Comstock em Bioshock Infinite é um exemplo interessante pois as cores cumprem dupla função. Além de favorecer a harmonia da composição, o contraste ajuda o jogador a focar na direção para onde deve ir.
Aliás, chamar atenção para o olhar do jogador é outro propósito muito conveniente…
Cores complementares para destacar elementos importantes
Como comentei, uma das melhores formas de chamar atenção do público para um elemento é colocá-lo em uma composição onde predomina sua cor oposta no círculo cromático. Em video games isso é particularmente conveniente porque alguns elementos e informações são mais importantes do que outros para que o jogador tenha sucesso nos desafios propostos.
Dead Space é muito lembrado pela forma como integra sua interface ao universo do jogo (diegese). Sua munição, barra de vida, menus e outros elementos são encaixados de forma orgânica na realidade do personagem em vez de serem informações “flutuando” na tela, como normalmente acontece.
Por fugir do convencional, essa apresentação corria o risco de ser pouco intuitiva, confundindo o jogador. O uso das cores ajudou a minimizar essa possibilidade. Note como a munição e a barra de vida (representada na “coluna vertebral” da armadura) se destacam pelo contraste em um ambiente onde Isaac, o monstro e o cenário partilham tonalidades quase idênticas.
Em Talbot’s Odissey, do estúdio Miniboss, o amarelo vivo do protagonista ajuda a sua localização nos ambientes escuros. Isso ainda é mais evidente quando o ambiente é dominado pela sua cor complementar. Inclusive, o próprio personagem foi concebido usando esse tipo de contraste, sendo ele amarelo com asinhas roxas.
Aliás, falando em personagens…
Cores complementares no design de personagens
Também não é raro encontrar o uso de cores complementares em character design.
Samus é um exemplo interessante de duas combinações complementares no mesmo character design. Temos o visor dela se destacando bem do busto e capacete vermelhos, mas também era importante evidenciar que o Power Beam no braço direito era um elemento importante tanto na armadura quanto na jogabilidade em si.
Eis mais dois exemplos, porque nunca é demais. É um exercício bacana olhar para o círculo e tentar lembrar de mais personagens ou mesmo cenários.
Além de ajudar na composição de um único personagem, as cores podem reforçar também a relação deles com outros personagens. Se houver sintonia entre eles, ela pode ser reforçada na concepção visual, fazendo com que juntos eles um contraste em harmonia. É bem fácil achar exemplos de personagens que formam uma dupla cooperativa e são identificados por cores opostas no círculo cromático:
O único limite é o da imaginação
A frase é piegas, eu sei, mas também verdadeira. Essas são as únicas formas de usar cores complementares em video games? Não. Aliás, não é a única nem necessariamente a melhor forma de combinar cores também. Se com apenas uma técnica à disposição é possível explorar tantas abordagens, imagine o que pode ser alcançado com todas as decisões, pequenas e grandes, que passam pela concepção visual de um jogo.
Sinta-se em casa para compartilhar outros exemplos e possibilidades no comentários. Espero que esse artigo tenha sido útil e interessante tanto para os manjões quanto para quem nunca tinha ouvido falar de nada disso.
Veja como o saldo é positivo: pelo menos agora você pode explicar pros seus amiguinhos por que em Portal um portal é laranja e o outro azul.
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