Fico até com um pouco de vergonha quando vejo amigos tão inteligentes batendo o pé e dizendo que, não, Peter Parker é somente um personagem e ele é branco. Pois bem.
Os super-heróis das histórias em quadrinhos como conhecemos hoje foram criados, em sua maioria, entre as décadas de 30 e 60, nos gloriosos Estados Unidos da América. Amigos, vocês estudaram história e, me relembrem aqui porque o tio está um pouco velho e esquecido, como era a sociedade Norte-Americana na primeira metade do século XX, mesmo? Eu não lembro direito mas acho que não era famosa pela tolerância racial ou pela diversidade. Rosa Parks, Malcolm X, entre tantos outros rolaram por lá nesse meio tempo tentando mudar algumas coisas.
Agora, não pense você que eu acredito que todos os heróis que amo desde criança são brancos porque quem os criava era um bando de racista filho da puta. Não, não. Eram os paradigmas da época que eram racistas filhos da puta, então as coisas meio que aconteciam automaticamente. Era natural que o Super-Homem fosse branco, ele era escrito por brancos, para brancos, numa sociedade que segregava negros, latinos, asiáticos – todo mundo que não fosse branco.
Mas as coisas mudaram (bem pouco, é verdade, mas mudaram). Hoje, negros e latinos são a maioria no país dos super heróis. Hoje o Homem-Aranha, criado como um adolescente branco na década de 60, é lido por crianças e adolescentes do mundo inteiro, seja nas Américas, na Europa, Ásia, África. De todas as etnias. Se der mole tem alienígena lendo o Homem-Aranha. Por que o Homem-Aranha tem que permanecer um personagem branco? Essa é uma concepção antiga e antiquada, de uma sociedade que é considerada arcaica por nós. Ele foi criado como branco porque não havia na realidade outra opção, mas HOJE existem outras opções. As gerações que virão não são obrigadas a carregar um fardo velho e podre.
Stan Lee disse certa vez que o que ele mais gostava no Homem-Aranha é que ele podia ser qualquer moleque. Ele está coberto da cabeça aos pés, não aparece cabelo ou pele em nenhum ponto do uniforme. Um garoto indiano, africano, russo ou alemão podem se identificar com a imagem do herói e se vestir como ele numa festinha de aniversário que nunca haverá qualquer tipo de comentário maldoso. O Homem-Aranha PODE SER QUALQUER UM. Não sou eu quem está dizendo, foi o cara que CRIOU a revista e seus personagens. O mesmo cara que tornou a Jean Grey a personagem mais importante dos X-Men numa época em que as únicas personagens femininas eram as patéticas Mulher Maravilha e Lois Lane. Ele criou o Falcão, um herói negro que não era repleto de estereótipos ridículos como Power Man.
O Falcão é um ponto interessante. Não sei se a maioria de vocês acompanha quadrinhos, mas recentemente o Capitão América perdeu seus poderes de super soldado e quem assumiu o uniforme foi o Sam Wilson, o Falcão. Hoje, pra todo garoto negro que pega uma revista em quadrinhos dos Vingadores pela primeira vez, o Capitão America VERDADEIRO é negro. Steve Rodgers é um passado distante propagandista ridículo da Segunda Guerra. Se uma garotinha muçulmana tirar uma Ms. Marvel da estante quando for com sua mãe à farmácia, ele vai ler a história de uma adolescente muçulmana. Hoje, um moleque latino que pegar pra ler Ultimate Spider-Man como sua primeira revista em quadrinhos vai ver que seu novo herói favorito é Miles Morales, negro e latino. Esses moleques vão se identificar com esses personagens e, PARA ELES, esses são os super heróis que eles crescerão lendo. Foda-se que a gente chegou antes e na nossa época eram outros personagens, eu não tenho direito de chegar pra um garoto negro com a camiseta do Homem-Aranha e dizer que ele precisa ser branco e judeu pra usar essa roupa.
Espera, o que? É, então. Peter Parker é judeu. Sempre foi. O único traço existente da religião do personagem é bem lá no comecinho, quando ele era atacado constantemente por um Flash Thompson claramente representativo dos WASPs, brancos anglo-saxões protestantes, que tocavam o puteiro nos EUA daquela época querendo foder a vida de tudo que não era loirinho de olho claro. Peter Parker, portanto, não representa só o adolescente branco nerd que não pega ninguém. Peter Parker é o fodido que precisa fazer das tripas coração pra sobreviver uma semana, e depois a outra e depois a outra. Peter Parker representa o oprimido.
Eu, pessoalmente, não me importo com a etnia do Homem-Aranha. Recentemente li uma saga chamada Spider-Verse, ainda não publicada no Brasil, em que vi um Homem-Aranha indiano, um japonês que pilotava um robô gigante, um britânico, um que era mesmo uma aranha, um que era a Gwen Stacy, um que era a filha do Peter Parker, um que era uma clone mulher do Peter Parker, um que era um punk negro que lutava contra um governo fascista, uma mulher do fim do século XIX que lutava contra a sociedade machista numa armadura steampunk, um que era um miquinho, um que era o ser mais poderoso do universo, uma garotinha japonesa pilotando um robô gigante (parece que eles curtem esse rolê de robô por lá), um ninja, a Tia May, um que era um esquerdista líder de sindicato da década de 30, um que era um porco.
Dan Slott, atual escritor do personagem, disse em seu perfil do twitter que, caso alguém queria listar dez características do aracnídeo e em uma delas disser “branco”, não conhece o personagem o suficiente. Se escrever cem palavras e uma delas for “branco”, não conhece o personagem o suficiente.
O Homem-Aranha pode ser qualquer um. Peter Parker pode ser qualquer um, afinal, ele é um pouco de cada um de nós.