Caso você tenha passado os últimos três dias embaixo de uma pedra, deixa eu te contar a nova: saíram alguns vídeos com a dublagem da Pitty como Cassie Cage, em Mortal Kombat. O resultado… é, não ficou bom.
A dublagem parece corrida e sem emoção, do tipo que foi feita às pressas só na base da leitura e a cantora não parece ter recebido uma boa – ou qualquer – preparação prévia para que o trabalho fosse melhor. Isso se torna ainda mais destoante quando há interação com outros personagens que tiveram vozes feitas por dubladores profissionais, e erros grosseiros de tradução (“I got this” pra “Eu tenho isso”? Não dá pra justificar) complementaram o pacote. Como isso aconteceu, como deixaram isso acontecer, quem foram os reais responsáveis, e, por Deus, como ninguém questionou isso na hora de dar a luz verde pra finalizar o projeto?
Enfim. Internet afora, galera viu e resolveu descer o pau na Pitty, descer o pau na WB, descer o pau em Mortal Kombat, no Lula, na Dilma, em todo mundo. Como descer o pau por descer o pau é uma forma pobre de se tentar conquistar audiência, eu preferi escrever aqui o porquê disso ter acontecido do modo que aconteceu e questionar se vale mesmo a pena manter esse modelo.
Eu não preciso enumerar o óbvio: contratar um famoso para fazer parte do seu produto é garantia de que mais pessoas vão estar prestando atenção naquilo. A expectativa é que o buzz gerado se traduza em mais vendas, ou mais ingressos, ou mais qualquer coisa. E não é segredo: muito mais gente no Brasil ouviu falar sobre Mortal Kombat X tendo a Pitty no elenco de dublagem do que se não tivesse.
Falatório por falatório, existem dois problemas significativos que nascem da prática de chamar um famoso que não tem tanto a ver com a obra pra fazer parte dela: a primeira é que a qualidade de um aspecto da obra será comprometido; a segunda, decorrente da primeira, é que a opinião pública da obra será comprometida também.
Eu não quero aqui fazer pouco caso ou descer o pau na minha conterrânea. Eu gosto e respeito o trabalho da Pitty. O problema é que o trabalho dela não é dublagem ou atuação: o trabalho dela é a música. E ser cantora e dubladora são duas coisas diferentes. Quando você chama alguém que não é qualificado para fazer um trabalho, você enfrenta as consequências. E no momento, a moda vai ser descer o pau na Pitty até por coisas que ela não teve nada a ver, como a tradução. Sim, ela ganhou pelo trabalho, e a WB Games ganhou pelo buzz, mas se quase todo mundo que tá falando por causa disso e tá falando muito mal, estamos essencialmente aceitando uma estratégia de marketing na base do “falem mal mas falem de mim”. Será que essa é realmente a melhor estratégia a ser feita?
Curiosamente, essa história é análoga à de Roger Moreira do Ultraje a Rigor em Battlefield: Hardline, onde ele (ironias à parte) interpretava um policial cubano que se via no meio de toda uma corrrupção. Assim como no caso de MKX, a dublagem não ficou boa por Roger não ter experiência nesse ramo e sua entonação ser completamente destoante das dos outros personagens. Eu acho que a maior prova do real ceticismo do público quanto a essa escolha é que nós chegamos a ver gente assistindo o vídeo do Hynx dublando na maior zoeira possível e ACREDITANDO que realmente era a dublagem oficial do jogo. (é sério… isso aconteceu)
Enquanto o resto do elenco usa de sua experiência para se fazer soar como um dos personagens, Roger e Pitty falam com suas vozes usuais: o fato de não estarem atuando ou disfarçando suas vozes é, ironicamente, o motivo de suas presenças. Você tem músicos dublando com as suas vozes normais simplesmente porque sim. Para quem compra o jogo e espera jogá-lo em português, isso é um balde de água fria, pois o amadorismo do trabalho vai constantemente tirá-lo da experiência. Enquanto o UOL Jogos se sentiu seguro para dizer que a dublagem de Roger diretamente “estraga” o jogo, eu tomo uma abordagem mais passiva ao simplesmente constatar de que a última coisa que eu gostaria de ter que passar após comprar um jogo é constantemente ter a minha experiência diminuída por causa de um “extra” o qual não pedi e que provavelmente estaria melhor sem. A escolha de botar um famoso para dublar o jogo atrapalha diretamente a minha posição como consumidor de um produto.
Vale lembrar que, como sempre, isso não é uma exclusividade da mídia. Quando saiu nos cinemas brasileiros o excelente Enrolados, da Disney, o filme recebeu a tenebrosa dublagem do apresentador Luciano Huck como Flynn Ryder. Desnecessário dizer, mas era um desastre; carente de emoção e incondizente com o personagem, sendo apenas a voz de um apresentador de televisão ao invés de uma voz para o Flynn, ela fez o trabalho de estragar um filme de uma empresa que costuma ter um esmero ímpar com seus elencos de dublagem. Outro exemplo foi a presença da apresentadora Marimoon como Vanellope em Detona Ralph, cuja voz estridente suspeito ainda ser o motivo pelo qual eu não gostei nada do filme. (só tinha sessões dubladas e eu tava matando tempo, me dá um desconto)
Não é meu trabalho dizer à grandes corporações como fazer o trabalho delas, mas me parece algo digno de nota: como ela atualmente está, a nossa mídia se beneficiaria mais de dubladores profissionais ou pessoas com experiência em atuação do que de celebridades fazendo papel de dubladores. E esse é um exemplo que as próprias empresas supracitadas já seguem, mas não são tão mencionados: tipo a dublagem de Injustice (também da WB!) com Guilherme Briggs e as vozes brasileiras características dos super-heróis, ou então as dublagens profissionais presentes nos jogos da Blizzard, como Starcraft 2. Não digo pra riscarem de vez qualquer pessoa só por ser famosa: atores, em geral, já ganham a vida dando vida a outros personagens e podem ser escolhas competentes. Talvez não sejam: basta olhar a apatia extrema, quase sarcástica de Peter Dinkage em Destiny. Mas apresentadores, músicos, e outros famosos que nunca fizeram nada do estilo na vida… provavelmente não.
Mas, como eu já disse, isso não é algo que cabe a mim avisar. Vocês definitivamente já viram qual foi a reação do público quanto a jogos dublados por celebridades famosas mas sem experiência na área – e, em vários lugares, é uma recepção bem mais crítica, ácida e nociva do que a que vocês viram por aqui. Se vale a pena continuar a prática para tentar vender mais cópias mas deixar os seus próprios consumidores reclamando no final… bom, aí já não é uma decisão minha, né?
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