Por que amo Sonic 2

  13/04/2015 - 19:27   Mega Drive, SEGA, sonic 2,  
 

Sonic 2 começa com um trocadilho tão cretino que eu acredito que seja intencionalmente cretino só pra quebrar esse ar de cafonice logo em seguida com sua tela de título, tocando aquele jingle famoso de inicialização. O trocadilho, no caso, é aquela apresentaçãozinha onde aparecem os nomes dos protagonistas: “Sonic the Hedgehog” e “Miles ‘Tails’ Prower”. “Prower” porque ele é rápido e o nome dele é Miles. Miles “per Hour”. Não sei se dá pra odiar isso de verdade, mas qualquer que seja seu sentimento, em seguida você acaba esquecendo já que ao apertar start, cair em Emerald Hill e ouvir aquela música fantástica, tudo o que é problema ou mediocridade acaba sendo muito pequeno perante o que vem a seguir.

 sonic-2

A trilha sonora é um negócio muito importante nesse jogo porque é ela que dita seu ritmo e o modo como você vai digerir aquilo ali – não é um complemento à ação, ela é a própria ação, e cada fase se desenrola do jeito que a música pede, em um nível de nuance muito maior que o dos Rayman modernos, por exemplo – não espera que você jogue no ritmo dela, espera que você aprenda a jogar no ritmo dela. Isso é uma diferença importante: aquilo ali não é uma peça, é um rascunho apenas. Quem faz a peça e a cena é você, após entender como as duas coisas se complementam e almejar ter controle total sobre aquela caixa preta de plástico que tem ali na sua frente.

Isso se reflete na filosofia toda do Sonic 2, inclusive: o Sonic é rápido sim, mas essa velocidade é a recompensa por jogar bem e não o modo esperado de jogar. Se você tiver uma boa capacidade de traçar mapas mentais, reflexos e noção de inércia, dá pra passar tudo correndo sim. Isso ia se refletir no personagem, afinal de contas, e sua “forma final” seria seu maior ponto de marketing: a velocidade e o jogo de cintura do personagem de conseguir lidar com qualquer situação sem perder o ar “cool” dele. Muita gente se esqueceu disso recentemente em que aparentemente “descobriram” que Sonic clássico não era bom e passaram a repetir o mesmo argumento sempre: “se eras tão rápido o sonic pq eu morro se só segurar pra frente? DISSONÂNCIA LUDONARRATIVA”. Isso geralmente diz mais de quem tá falando do que sobre o jogo, mas deixa pra lá.

Muita gente comprou a ideia de que a Sega era a mais legal ali daquela época, e que quem jogava Nintendo era só porque tinha que jogar na frente da mãe e não podia arriscar um sanguinho ou um peitinho na tela. Sem entrar muito no mérito disso estar certo ou não, o que importa nesse caso é a cultura que se formou baseada nisso. Sonic é um produto de seu tempo, muito mais característico que seus concorrentes ali, e embora esses seus concorrentes tenham conseguido sobreviver com muito mais graça, a concessão deles é que acabaram por perder a identidade temporal. Sonic é os anos 90. Não é “os anos 90 em videogames”, é os anos 90 em si. Era colorido e passava o ar radical, óculos escuros, roxo e amarelo, praia, surf e skate – não como subversão cultural, mas como a cultura em si, o reflexo do que era a juventude despreocupada nessa época, que só queria se divertir mesmo e “adorava a escola, mas odiava estudar”. A Sega queria mais fazer coisas legais, era uma época mais leve do que polida, e muitas das suas franquias de lá refletiam isso. Rosa, azul, tranquilidade, agressividade, “experiências” antes de tudo e antes de ser uma palavra seguida quase que exclusivamente por “cinematográficas”.

Se você já era um pouco mais velho e queria impressionar menininhas e menininhos, também dava pra usar a música de Sonic 2. Bicho, Mystical Cave dá pra tocar na mais descolada das baladinhas, sem ninguém estragando a música com remix e scratch no disco. Só ela mesmo. Além da trilha sonora complementar bem o jogo, ela também é uma obra do caralho sozinha – o jazz, o baixo, sintetizadores e teclados. Não era nada pomposo e também não é o que a molecada grita “nossa que épicoooo”. Era só música, música pela musicalidade mesmo, que também refletia esse ar de malemolência do boneco e de quem cresceu com ele, querendo imitar e ser legal junto (com graus variados de sucesso, é claro).

O primeiro Sonic de Mega Drive foi um experimento. O terceiro foi outro – que se juntando com o & Knuckles formava uma história bastante complexa e ritmada sem nenhuma linha de diálogo. Mas o segundo foi uma coisa. Ele é uma manifestação única em si mesmo de ser engenhoso, ter que fazer mais com menos e de passar uma vibe muito específica de sua época. Sonic 2 saiu do nada e virou tudo em relação de onde saiu, como saiu. Ele não tinha a pretensão de ser uma grande história ou de vender videogame, era só uma coisa em si, um bastião solto de como é ser o que é.

Eu amo Sonic 2 pois ele foi o jogo que me fez amar videogames.

Aqui no site o meu avatar tem uma touca do Sonic, mas eu não sou fanático pelo personagem em si. Gosto de alguns jogos, detesto outros, e geralmente por motivos que diferem do resto dos fãs e dos haters. Não vivo numa ilusão de que “Sonic vai renascer” e realmente não me importo nem um pouco com isso. Não precisa. Pra quê renascer, cara? Tem Sonic 2 aí! Sonic 2 não morreu.

Sonic 2 Ending 12

Vê, um problema da nossa mídia é que as pessoas tendem a diminuir o valor das coisas com o tempo – provavelmente isso se dá ao fato de ser uma mídia nova e só agora estarem começando a morrer as pessoas envolvidas no nascimento dela. Se o criador de algo ainda tá vivo e trabalhando, não tem pra quê ver o que ele fez no início da carreira, certo? Afinal, o esperado é que ele esteja melhorando e pegar o último produto é o melhor pra entende-lo. Bom, isso é errado em muitos níveis, mas ainda imaginar que as pessoas pensem no criador já é um idealismo: geralmente só ligam pro nome da franquia na capa, mesmo. E aí o último Sonic, o último Mario, o último Metal Gear, acabam “substituindo” o penúltimo. É o “mais avançado”. Já ouvi que “não tem pra que alguém jogar Space Invaders já que hoje jogo de tiro é muito mais realista”. Não é assim que cultura funciona, mas fico na esperança de que um dia todo mundo entenda.

O que quero dizer com isso é que, independente do que veio antes e depois, Sonic 2 tá aí, existiu e existe, e seu valor não diminuiu nem aumentou com o tempo. É o mesmo jogo fantástico que era quando saiu. E tem a mesma trilha sonora absurda. E os mesmos cenários, mesmos efeitos sonoros, mesmo “anos 90” estampado, e mesmo ar despretensioso de querer – e conseguir – apenas ser um produto legal. Mal sabe ele que acabou sendo o produto mais legal.

Sonic 2 é como você ter  inveja do seu amigo ter ar condicionado enquanto você tem apenas um ventilador, mas aí você descobre que ficar pelado na frente do ventilador é muito melhor que ficar pelado na frente do ar condicionado. E na próxima semana ele nem aparece na aula por ter pego uma gripe dos infernos. Coisas da vida.

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • Drtr Coulson, CHUPA ROLA VIADO

    ar despretensioso de querer – e conseguir – apenas ser um produto legal

    Rapaz, isso é muito do que eu curto nos Crash de PS1. De um bando de moleques que não tinham nada fazer algo ali pra se sustentar e viver esse sonho que é fazer jogos e do nada fazer algo que explode, porém essa aura ainda estando ali. Não dizendo que isso é sempre melhor do que fazer uma obra já almejando algo mais grandioso, mas é que nesse a naturalidade da proposta e ambição (ou falta de) é quase algo que se sente.

    Em tempo, um dos meus pecados vídeogamísticos é de não ter jogado Sonic 2 de verdade, quero dizer, joguei um pouco bem cedo na infância, mas não tive tempo nem dei atenção suficiente para se dizer que tive uma experiência com aquilo. Acho que um texto como esse era o que faltava pra me impulsionar. Você sabe que é um clássico, que é um jogo bem aclamado e que é importante, mas inconscientemente não dá muita bola até vir alguém e falar sobre o jogo de forma verdadeiramente apaixonada. Então, valeu.

  • http://www.juizcachorro.com/ Roberto Rezende

    “Sonic 2 é como você ter inveja do seu amigo ter ar condicionado enquanto você tem apenas um ventilador, mas aí você descobre que ficar pelado na frente do ventilador é muito melhor que ficar pelado na frente do ar condicionado” Essa entra para as frases do ano fácil, te cuida Hynx.

  • Luciano Andrade

    Que texto apaixonado, sobre games e sobre o personagem. Eu queria que não houvesse tanta briga por causa do personagem. Que todo mundo jogasse e pensasse nas experiências boas que tiveram com os jogos que mais gostaram e que seguiram em frente. Sonic 2 é algo que é presente na minha vida até os dias de hoje, seja no Mega Drive mesmo ou na versão da SEGA pra Android. Que feels esse texto me deu, me lembrou da primeira vez que eu vi videogames e foi, por um acaso, com Sonic 2. Dali pra frente, tudo mudou.

    • Luciano Andrade

      Me abraça.

      • Neozao

        abraço!

  • Jefferson Silva

    Caraio, esse texto me fez sentir, Sonic 2 também foi o que me fez amar essa mídia dos joguinhos, de vez em quando me lembro especificamente de dias, locais, horários, conversas, almoços com o prato no colo durante jogatinas de Sonic 2 e admiração pelos mais velhos que chegavam na fase do avião!!! E eu feliz da vida por poder correr, pular, da spin das.. bolinha azul de velocidade, enfim, feliz. Essa parte da música, ai a música de sonic2, isso prova como jogos antigos ficam melhores com o tempo, principalmente pra quem jogou criança e revisita eles constantemente.

    “E no início era a jogabilidade”
    Adorava a sensação de poder e como tudo orquestrava direitinho quando eu pulava e continuava veloz e inabalável.

    “Então ele disse: que se faça a apreciação estética”
    Um pouco mais velho e todos os elementos visuais tinham um sentido e um brilho diferente.

    “Depois de 7 anos a música foi ouvida”
    Logo depois a música foi começando a ser compreendida, dando o sentido e o incrível poder de ambientação.

  • Gustavo Cardoso

    “Per hour”… caralho, juro que não sabia dessa. Agora queria continuar não sabendo ahuaha 🙁

  • Guest

    Minha opinião sobre este artigo é a seguinte:

    E minha parte preferida foi:

    ‘Vê, um problema da nossa mídia é que as pessoas tendem a diminuir o valor das coisas com o tempo – provavelmente isso se dá ao fato de ser uma mídia nova e só agora estarem começando a morrer as pessoas envolvidas no nascimento dela. Se o criador de algo ainda tá vivo e trabalhando, não tem pra quê ver o que ele fez no início da carreira, certo? Afinal, o esperado é que ele esteja melhorando e pegar o último produto é o melhor pra entende-lo. Bom, isso é errado em muitos níveis, mas ainda imaginar que as pessoas pensem no criador já é um idealismo: geralmente só ligam pro nome da franquia na capa, mesmo. E aí o último Sonic, o último Mario, o último Metal Gear, acabam “substituindo” o penúltimo. É o “mais avançado”. Já ouvi que “não tem pra que alguém jogar Space Invaders já que hoje jogo de tiro é muito mais realista”. Não é assim que cultura funciona, mas fico na esperança de que um dia todo mundo entenda.’

  • Guest

    Minha opinião sobre este artigo é a seguinte:

    https://media.giphy.com/media/5ZosQz0wbTcCA/giphy.gif

    E minha parte preferida foi:

    ‘Vê, um
    problema da nossa mídia é que as pessoas tendem a diminuir o valor das
    coisas com o tempo – provavelmente isso se dá ao fato de ser uma mídia
    nova e só agora estarem começando a morrer as pessoas envolvidas no
    nascimento dela. Se o criador de algo ainda tá vivo e trabalhando, não
    tem pra quê ver o que ele fez no início da carreira, certo? Afinal, o
    esperado é que ele esteja melhorando e pegar o último produto é o melhor
    pra entende-lo. Bom, isso é errado em muitos níveis, mas ainda imaginar
    que as pessoas pensem no criador já é um idealismo: geralmente só ligam
    pro nome da franquia na capa, mesmo. E aí o último Sonic, o último
    Mario, o último Metal Gear, acabam “substituindo” o penúltimo. É o “mais
    avançado”. Já ouvi que “não tem pra que alguém jogar Space Invaders já
    que hoje jogo de tiro é muito mais realista”. Não é assim que cultura
    funciona, mas fico na esperança de que um dia todo mundo entenda.’

  • CDX

    Minha opinião sobre este artigo é a seguinte:

    https://media.giphy.com/media/5ZosQz0wbTcCA/giphy.gif

    Tirando que eu sou um desses moleques que ainda têm esperança de ver o Dreamcast 2 ser anunciado aí qualquer dia desses, com Sonic Adventure 3 como jogo de lançamento. XD

    E minha parte preferida foi:

    ‘Vê, um problema da nossa mídia é que as pessoas tendem a diminuir o valor das coisas com o tempo – provavelmente isso se dá ao fato de ser uma mídia nova e só agora estarem começando a morrer as pessoas envolvidas no nascimento dela. Se o criador de algo ainda tá vivo e trabalhando, não tem pra quê ver o que ele fez no início da carreira, certo? Afinal, o esperado é que ele esteja melhorando e pegar o último produto é o melhor pra entende-lo. Bom, isso é errado em muitos níveis, mas ainda imaginar que as pessoas pensem no criador já é um idealismo: geralmente só ligam pro nome da franquia na capa, mesmo. E aí o último Sonic, o último Mario, o último Metal Gear, acabam “substituindo” o penúltimo. É o “mais avançado”. Já ouvi que “não tem pra que alguém jogar Space Invaders já que hoje jogo de tiro é muito mais realista”. Não é assim que cultura funciona, mas fico na esperança de que um dia todo mundo entenda.’

    O que me lembra que eu nem sei o que o Yuji Naka anda fazendo esses dias. =/

    • CDX

      E se alguém puder apagar os meus comentários como guest aí em baixo… Porque foi um acidente. XD

      • Vinicius Rossini

        Se n me engano ta dando os últimos detalhes daquele RODEA the sky soldier do WiiU

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