Sonic 2 começa com um trocadilho tão cretino que eu acredito que seja intencionalmente cretino só pra quebrar esse ar de cafonice logo em seguida com sua tela de título, tocando aquele jingle famoso de inicialização. O trocadilho, no caso, é aquela apresentaçãozinha onde aparecem os nomes dos protagonistas: “Sonic the Hedgehog” e “Miles ‘Tails’ Prower”. “Prower” porque ele é rápido e o nome dele é Miles. Miles “per Hour”. Não sei se dá pra odiar isso de verdade, mas qualquer que seja seu sentimento, em seguida você acaba esquecendo já que ao apertar start, cair em Emerald Hill e ouvir aquela música fantástica, tudo o que é problema ou mediocridade acaba sendo muito pequeno perante o que vem a seguir.
A trilha sonora é um negócio muito importante nesse jogo porque é ela que dita seu ritmo e o modo como você vai digerir aquilo ali – não é um complemento à ação, ela é a própria ação, e cada fase se desenrola do jeito que a música pede, em um nível de nuance muito maior que o dos Rayman modernos, por exemplo – não espera que você jogue no ritmo dela, espera que você aprenda a jogar no ritmo dela. Isso é uma diferença importante: aquilo ali não é uma peça, é um rascunho apenas. Quem faz a peça e a cena é você, após entender como as duas coisas se complementam e almejar ter controle total sobre aquela caixa preta de plástico que tem ali na sua frente.
Isso se reflete na filosofia toda do Sonic 2, inclusive: o Sonic é rápido sim, mas essa velocidade é a recompensa por jogar bem e não o modo esperado de jogar. Se você tiver uma boa capacidade de traçar mapas mentais, reflexos e noção de inércia, dá pra passar tudo correndo sim. Isso ia se refletir no personagem, afinal de contas, e sua “forma final” seria seu maior ponto de marketing: a velocidade e o jogo de cintura do personagem de conseguir lidar com qualquer situação sem perder o ar “cool” dele. Muita gente se esqueceu disso recentemente em que aparentemente “descobriram” que Sonic clássico não era bom e passaram a repetir o mesmo argumento sempre: “se eras tão rápido o sonic pq eu morro se só segurar pra frente? DISSONÂNCIA LUDONARRATIVA”. Isso geralmente diz mais de quem tá falando do que sobre o jogo, mas deixa pra lá.
Muita gente comprou a ideia de que a Sega era a mais legal ali daquela época, e que quem jogava Nintendo era só porque tinha que jogar na frente da mãe e não podia arriscar um sanguinho ou um peitinho na tela. Sem entrar muito no mérito disso estar certo ou não, o que importa nesse caso é a cultura que se formou baseada nisso. Sonic é um produto de seu tempo, muito mais característico que seus concorrentes ali, e embora esses seus concorrentes tenham conseguido sobreviver com muito mais graça, a concessão deles é que acabaram por perder a identidade temporal. Sonic é os anos 90. Não é “os anos 90 em videogames”, é os anos 90 em si. Era colorido e passava o ar radical, óculos escuros, roxo e amarelo, praia, surf e skate – não como subversão cultural, mas como a cultura em si, o reflexo do que era a juventude despreocupada nessa época, que só queria se divertir mesmo e “adorava a escola, mas odiava estudar”. A Sega queria mais fazer coisas legais, era uma época mais leve do que polida, e muitas das suas franquias de lá refletiam isso. Rosa, azul, tranquilidade, agressividade, “experiências” antes de tudo e antes de ser uma palavra seguida quase que exclusivamente por “cinematográficas”.
Se você já era um pouco mais velho e queria impressionar menininhas e menininhos, também dava pra usar a música de Sonic 2. Bicho, Mystical Cave dá pra tocar na mais descolada das baladinhas, sem ninguém estragando a música com remix e scratch no disco. Só ela mesmo. Além da trilha sonora complementar bem o jogo, ela também é uma obra do caralho sozinha – o jazz, o baixo, sintetizadores e teclados. Não era nada pomposo e também não é o que a molecada grita “nossa que épicoooo”. Era só música, música pela musicalidade mesmo, que também refletia esse ar de malemolência do boneco e de quem cresceu com ele, querendo imitar e ser legal junto (com graus variados de sucesso, é claro).
O primeiro Sonic de Mega Drive foi um experimento. O terceiro foi outro – que se juntando com o & Knuckles formava uma história bastante complexa e ritmada sem nenhuma linha de diálogo. Mas o segundo foi uma coisa. Ele é uma manifestação única em si mesmo de ser engenhoso, ter que fazer mais com menos e de passar uma vibe muito específica de sua época. Sonic 2 saiu do nada e virou tudo em relação de onde saiu, como saiu. Ele não tinha a pretensão de ser uma grande história ou de vender videogame, era só uma coisa em si, um bastião solto de como é ser o que é.
Eu amo Sonic 2 pois ele foi o jogo que me fez amar videogames.
Aqui no site o meu avatar tem uma touca do Sonic, mas eu não sou fanático pelo personagem em si. Gosto de alguns jogos, detesto outros, e geralmente por motivos que diferem do resto dos fãs e dos haters. Não vivo numa ilusão de que “Sonic vai renascer” e realmente não me importo nem um pouco com isso. Não precisa. Pra quê renascer, cara? Tem Sonic 2 aí! Sonic 2 não morreu.
Vê, um problema da nossa mídia é que as pessoas tendem a diminuir o valor das coisas com o tempo – provavelmente isso se dá ao fato de ser uma mídia nova e só agora estarem começando a morrer as pessoas envolvidas no nascimento dela. Se o criador de algo ainda tá vivo e trabalhando, não tem pra quê ver o que ele fez no início da carreira, certo? Afinal, o esperado é que ele esteja melhorando e pegar o último produto é o melhor pra entende-lo. Bom, isso é errado em muitos níveis, mas ainda imaginar que as pessoas pensem no criador já é um idealismo: geralmente só ligam pro nome da franquia na capa, mesmo. E aí o último Sonic, o último Mario, o último Metal Gear, acabam “substituindo” o penúltimo. É o “mais avançado”. Já ouvi que “não tem pra que alguém jogar Space Invaders já que hoje jogo de tiro é muito mais realista”. Não é assim que cultura funciona, mas fico na esperança de que um dia todo mundo entenda.
O que quero dizer com isso é que, independente do que veio antes e depois, Sonic 2 tá aí, existiu e existe, e seu valor não diminuiu nem aumentou com o tempo. É o mesmo jogo fantástico que era quando saiu. E tem a mesma trilha sonora absurda. E os mesmos cenários, mesmos efeitos sonoros, mesmo “anos 90” estampado, e mesmo ar despretensioso de querer – e conseguir – apenas ser um produto legal. Mal sabe ele que acabou sendo o produto mais legal.
Sonic 2 é como você ter inveja do seu amigo ter ar condicionado enquanto você tem apenas um ventilador, mas aí você descobre que ficar pelado na frente do ventilador é muito melhor que ficar pelado na frente do ar condicionado. E na próxima semana ele nem aparece na aula por ter pego uma gripe dos infernos. Coisas da vida.