Conheçam Danilo Dias.
Danilo Dias é um rapaz que, como eu ou você, gosta de coisas massa. Ele gosta de filmes que tenham muitas explosões, tiros e gente voando pra todo lado. Ele gosta de jogos de ação clássicos que desafiam a habilidade e o reflexo dos jogadores. E ele gosta daquela narrativa overpower fodona oitentista que deixava tudo badass pra caralho.
A diferença é que, não como eu ou você, Danilo faz jogos. (Se você faz jogos, desconsidere isso. Só eu não faço jogos. Sou preguiçoso.). Danilo faz parte da Joymasher, onde ele e a Thais Weiller (que fez esse texto foda sobre feminismo para o nosso site, leiam!) se dedicam a fazer joguinhos foda e, possivelmente, fazer do mundo um lugar cada vez mais foda.
Se você acompanha o site há mais tempo sabe que já falamos do primeiro jogo comercial da JoyMasher por aqui. Oniken, lançado em 2012, recebeu um dos primeiros reviews de jogos brasileiros aqui no GAMESFODA, juntamente com Out There Somewhere. Por mais que Odallus: The Dark Call se pareça com Oniken vendo por fora – ambos são jogos de ação com estetica a lá NES feitos pela mesma desenvolvedora, afinal – a verdade é que, de fato, se tratam de jogos significativamente diferentes. Enquanto Oniken segue mais a linha de ação frenética, movimentos precisos e refléxos rápidos, Odallus tem um ritmo diferente que encoraja a exploração e a descoberta. É um jogo que começa mais lento e pragmático, mas, por fim, se mostra mais maduro e polido que seu antecessor.
Odallus: The Dark Call conta a história de Haggis, o primeiro herói nomeado em homenagem a uma comida escocesa nojenta que se tem notícia. Após Haggis ter seu filho raptado por uma seita de CARAS DO MAL e a vila onde vivia ter queimado em chamas, ele prossegue para procurar justiça e resgatar o moleque da melhor forma que um cara com uma espada em um videogame consegue: fatiando um monte de gente. A exposição à história aqui é menor do que a de Oniken, com cutscenes apenas no início e no final – grande parte do que está acontecendo é esclarecido através de diálogos com os personagens e lendo os monolitos espalhados pelas fases. Se Oniken fazia referência a Hokuto no Ken, Odallus sem dúvida presta homenagens a Berserk, de Kentaro Miura.
Ao falar das influências de Odallus a Joymasher citou Ghosts n’ Goblins, Castlevania e Demon’s Crest – mas eu, como todo o resto da mídia pentelha, vou tomar o atalho mais curto e dizer que o jogo tem um estilo similar ao de um Metroidvania. Aí, caso você não seja inteirado em jogos (vai que?), talvez você me pergunte: “Mas o que caraio é um Metroidvania??”
Então vou abrir uma intermissão para comentar sobre esse “subgênero” em si. Metroidvania é um termo que se tornou popular entre o público após o lançamento de Castlevania: Symphony of the Night e descreve um jogo de ação-aventura onde, ao invés de seguir uma progressão linear, o jogo é estruturado de modo não-linear e semi aberto, com um mundo que possui diversos obstáculos específicos que só poderão ser superados pelo jogador um momento mais tarde, quando ele enfim tiver determinada habilidade, poder ou item que abra o seu novo caminho.
Esse estilo de jogo é notório por adicionar uma camada de complexidade tanto à jogabilidade quanto ao level design produzido e pode ser presenciado em títulos bem específicos, de Metroid e Zelda (os quais sempre considerei jogos análogos, com estruturas semelhantes, mas perspectivas completamente diferentes) a Dark Souls e Wonder Boy. Jogos que optam por essa abordagem de progressão exigem, obrigatoriamente, um maior planejamento geral do que um jogo linear onde todos os cenários só serão vistos e utilizados uma única vez. O backtracking, característica não-proposital mas quase obrigatória do gênero, serve para resignificar e expandir os cenários (em exemplos bons) ou para esticar o tempo de jogo e encher linguiça (em exemplos ruins).
Um Metroidvania, quando bem feito, constantemente fortalece tanto o jogador quanto seu avatar (o personagem controlável) quanto o seu mundo. É o motivo pelo qual muitos jogos do estilo são tão viciantes e figuram na lista de favoritos de muitos: são jogos que criam poucos “pontos de interrupção” (entenda-se: o fim de uma fase, de uma missão, ou de um mundo) e constantemente recompensam o jogador com ainda mais jogo. Um bom Metroidvania é aquele que dá cada vez mais poder e possibilidades ao jogador pelo simples fato de jogá-lo, sempre se expandindo. Parece simples, mas é um ponto crucial em captar a atenção daquele que está jogando e compreender o que torna o estilo tão interessante de se desbravar.
De um modo, tudo isso aí que eu falei sobre Metroidvanias explica bem o porquê de eu ter gostado tanto de Odallus: seus esquemas de progressão e composição de mundo e jogador são extremamente competentes. O design grandioso e bifurcado das fases recompensa o jogador atento com novos itens ou passagens secretas, mas mesmo os objetos “importantes” são bem delineados no Mapa Principal para que ninguém precise ficar perdido. Os pontos inacessíveis das fases (ex: uma beirada alta demais) são mostrados com clareza para que não sobre dúvidas de que ainda não é a hora de se estar ali. E se o jogo começa com uma progressão de fases bem linear e objetiva, as suas áreas posteriores, que exigem que você tenha mais habilidades, parecem mais templos – elas são maiores e mais exigentes e sabem muito bem disso. Odallus é um jogo onde a sua complexidade vai aflorando não através de subsistemas desnecessários ou skill trees cheias de habilidades inúteis, mas através de uma evolução gradual tanto de Haggis quanto dos cenários.
Um fato é que Metroidvanias vivem e morrem de level design, e o level design de Odallus é surpreendente, de forma a que um mesmo cenário pode ser desbravado de um modo COMPLETAMENTE diferente dependendo em que ponto do jogo e com quais habilidades você está. Isso cria uma excelente sensação de fluxo e faz de Odallus um jogo incrivelmente gostoso de se jogar, de prosseguir e de desbravar.
Odallus não é apenas diferente de Oniken – a impressão que ele passa é também a de ser um jogo mais rico, polido e coeso. Como no caso de Shovel Knight, é um título que compreende as características que tornavam aqueles clássicos divertidos sem precisar trazer junto todo o “peso” de um jogo arcaico ou antiquado. E o resultado é excelente: um jogo bem construído, interessante e divertido de se jogar, mais interessado em continuar eternamente se expandindo do que ficar apenas te colocando contra obstáculos e esperando que você os supere.
Olhando agora, eu rio de lembrar da comparação com Demon’s Crest. Demon’s Crest é uma sequência espiritual bem mais aberta e focava em habilidades do que o seu antecessor Ghosts ‘n’ Goblins, que era dificílimo e punitivo. Dá pra traçar um paralelo aí, não dá? Odallus: The Dark Call é um ótimo jogo de um estilo de jogabilidade que eu, pessoalmente, gostaria de ver mais e mais. Então, você que é fã de Metroid, ou Castlevania, ou Dark Souls, provavelmente sabe do que gosta e entende porque gosta. Não me surpreendo em nada se você encontrar algo pra gostar aqui também. Recomendo fortemente.
Alguns anos após o “boom” inicial de desenvolvimento de jogos indies, Odallus consegue me ser duplamente nostálgico: tanto por lembrar dos clássicos de NES e posteriores como por passar aquela sensação típica da primeira leva de indies de que “É o jogo que eu sempre quis jogar, mas ele não existia, então eu o fiz”. Eu não tenho certeza se a intenção da Joymasher ao produzi-lo foi realmente essa, mas de algo eu sei: os jogos que eles gostam de fazer tem bastante em comum com os que eu gosto de jogar. Então parabéns, Joymasher – e obrigado!
E para terminar essa resenha de uma forma meio anos 80/90:
PS: Para uma explicação mais detalhada do nosso sistema de notas, clique aqui.
PS2: Essa análise foi originalmente escrita aqui. (Só pra constar, mesmo.)
Odallus: The Dark Call está disponível para PC através do Steam. Esta análise foi feita a partir de uma cópia de review nos cedida pela Joymasher.