Qualé a desse tal de… The Talos Principle: Road to Gehenna

Eu estava andando por um dos mapas de Talos Principle: Road to Gehenna; não era nenhuma das fases, mas o mapa que liga as mesmas, e no meio do caminho eu invento de pular num lugar e acho uma cartola verde. O jogo dá a opção de carregar o artefato comigo, sem fazer ideia de pra que eu preciso daquilo. Tentando achar o que fazer com a cartola, eu achei um braço, depois uma perna, um torso, uma cabeça, um quadril, e os restantes dos membros. Eu juntei todos no centro do local, me perguntando que porra ela aquela, o que eu faria com aquilo que parecia ser um Leprechaun mutilado.

Poderia muito bem abandonar toda aquela besteira e voltar para os meus amados puzzles logo de uma vez. Mas e se eu saísse dali? E se eu perdesse todo meu esforço que o jogo nem sequer me pediu para demandar? Melhor não.

Decidi achar um motivo para tudo aquilo e, após andar um pouco, achei uma plataforma que após descoberta era óbvia. Fui encaixando cada um dos pedaços da estátua do ser mítico ali, e assim que encaixei a cartola, a primeira peça que tinha encontrado, um trovão incomum ressoou imponente pelos céus. Algo havia acontecido e eu não fazia a mínima ideia do que poderia ser.

Mesmo esse sendo um fim não satisfatório de uma pequena história sobre um pedaço da minha experiência com esse DLC, quando desliguei o jogo após isso eu fiquei maravilhado por lembrar-me do efeito que esse jogo tinha sobre mim. Toda experiência de Talos Principle, incluindo esse conteúdo novo, usa sua curiosidade como combustível para o seu sucesso.

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É algo tão íntimo e pessoal que eu sinto como se o jogo todo fosse feito exclusivamente pra mim. Isso possui tanta força, que se nesse site nós escrevêssemos análises que abordam se Vale A Pena Jogar Esse Jogo®, eu não saberia lhes dizer, pois não conheço vocês individualmente. Não é apenas questão de gosto ou a óbvia diferença de pontos de vista de cada um, como acontece em outros títulos. É um jogo que requer que você faça perguntas, a maioria delas não necessária para ver os créditos. A sua capacidade de ser curioso e questionador corresponde ao tamanho da marca que o título vai deixar em você.

A história de um modo geral trata sobre seres não humanos que acabam vivendo como nós vivemos hoje em muitos aspectos. Inclusive elaborando um fórum para interagir e compartilhar suas emoções, pensamentos e criações em um mundo onde o contato pessoal parece impossível, ou onde a falta do mesmo já foi aceita como algo comum. O fato de possuir uma grande similaridade com a nossa realidade não parece ser o foco aqui, sua composição não é uma crítica social, mas uma ferramenta para entendermos a nós mesmos e o nosso meio.

Por que esses seres se acomodaram tanto na solidão? O simples prospecto de uma interação virtual, uma vaga troca de experiências e pequenos momentos transmitidos de uma forma digital parece ser o necessário para suprirmos nossa carência social, ao menos minimamente. Mas sempre buscamos mais do que simplesmente nos conectarmos a outros, a necessidade corporal que possuímos às vezes nada mais é do que a vontade de deixar nossa marca em outros, de criar um impacto em uma vivência diferente da sua.

Mas qual o motivo desses seres se apegarem à criação de coisas? Sim, pois durante o jogo vemos os mesmos criando e compartilhando histórias, poesias, desenhos em ASCII e aventuras de texto, bem como costumamos fazer nesses e em outros âmbitos. É através de nossas criações que conseguimos nos ligar a outros mesmo sem estarmos unidos fisicamente ou temporalmente. A criação é o dom do tempo, a nossa chance de ultrapassar os limites físicos que nos são impostos.

E a necessidade de apreciar e absorver a criação de outros? Durante certo ponto da história lhe é perguntado o porquê de você estar resolvendo os dilemas que lhes são impostos, e existe inclusive a resposta “Eu gosto de puzzles”, que pode ser a mais óbvia para o meu caso, por exemplo. Mas o fato é que eu, como jogador, não só como personagem, também estou absorvendo uma criação. Nesse contexto de pontes sociais criadas por expressões pessoais transformadas em trabalhos perceptíveis, de nada adianta simplesmente marcar se também não somos marcados. Não queremos apenas compartilhar, queremos ser também agraciados com algo que parece ser feito sob medida para nós.

Então isso significa que, em algum nível os criadores fizeram realmente esse jogo para mim? Esse jogo é praticamente uma evolução, uma extensão real do que Talos Principle foi, tanto em design quanto em filosofia. Quem sabe os criadores estivessem apenas desenvolvendo esse jogo pelo mesmo motivo que eu, por gostarem de puzzles. Faz muito sentido eles terem se divertido tanto criando esses enigmas e escondendo essas perguntas quanto eu tive em desvendá-los e procurá-los.

Mas o próprio jogo afirma que somos todos responsáveis por nossas criações. A criação é uma bênção e uma sina. Em um ambiente atemporal e não-linear de criação, troca e apreciação, outros podem tomar sua concepção desapegada como algo divino, algo perfeito, algo feito especialmente para eles, seja para o bem ou para o mal. Talos Principle: Road to Gehenna foi criado para mim, portanto. Quem sabe para você também– depende de como o leitor consumir a obra.

E, finalmente, me vem à noção que esse texto em si também é uma criação.

Por que eu escrevo análises? Por que eu sequer analiso coisas? Meu passatempo predileto é acreditar. Acreditar que eu posso escrever um livro de sucesso, acreditar que eu consigo tocar algum instrumento, acreditar que eu posso fazer parte do caminho desse site para o sucesso, acreditar que minhas análises podem ter algum significado ou tocar alguém, acreditar que eu posso ser mais do que sou. No processo às vezes eu gosto tanto de acreditar que eu me esqueço de concretizar, de continuar.

Mas mesmo com algumas perguntas sem respostas e com minha falha de finalização, continuo questionando e criando com algum propósito final que não sabe realmente dizer qual é. Mas cada pedaço da minha esperança esportiva também é uma criação em si, que acaba causando algum impacto. Só de ler esse texto quem sabe você nem mesmo tenha a mesma experiência jogando esse título que teria sem lê-lo. Mas acredito cada um desses pequenos impactos vai deixando seus rastros pelo tempo, que algum dia talvez se acabe.

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Mas será que acaba mesmo? Será que tudo tem um fim? Eu não sei dizer, meu propósito é apenas acreditar que de alguma forma minhas pequenas fendas durem. Que elas sejam recebidas por alguém como um presente feito especialmente para essa pessoa que eu nem imaginava precisar ser presenteada, assim como esse jogo foi para mim.

As perguntas durante o texto com certeza não podem ser as mesmas de todos, nem terem sido completamente solucionadas. Muitas delas podem ser respondidas mais tarde, como no caso do boneco de Leprechaun do começo do texto; e, em outros casos, o leitor pode criar sua própria resposta dando forma ao seu próprio ponto de vista e deixando mais marcas nesse ciclo infinito – não existe apenas uma resolução. Gehenna não é a perfeição, é a redenção por nossas próprias mãos.

The Talos Principle: Road to Gehenna está disponível pra Windows, Mac e Linux. Esta análise foi feita a partir de uma cópia de review da versão Windows, nos cedida pela Devolver Digital.

Hynx

Sobre

Um rapaz gordo com cara de mendigo, que só quer saber de: jogar, salvar state, carregar state, irritar pessoas, escrever, e quem sabe até ganhar um beijo doce da Rainha do Rodeio.
  • Yasser Hanzi

    Joguem essa perola. vlw flw

  • Caio Oricchio

    Seu texto está quase à altura do jogo de tão prazeroso de ler.

    • Hynx

      valeu bro!

  • Diretor Coulson, O Filho Legal

    Eu acredito que esse seja o melhor texto do Hynx. Quiçá, um dos melhores do site. Sensacional e nem joguei o jogo em questão.

    • Hynx

      obrigado, que bom que gostou

  • http://www.blogdoardy.com/ André Andrade

    A gente ta lendo essa cacota sim honxoxnxon

  • Neozao

    HAUHAUAH VAI SE FUDER QUE TEXTO BOM DA PORRA

  • Felippe Martins

    Eu acho que esse texto foi escrito não pelo Hynx real, mas por uma manifestação física e coletiva do que todo mundo já espera do que o Hynx seja: Um caminhoneiro gordo e simpático (mas nem tanto) que escreve bem caralho. Parabéns. Ou não. O que for melhor.

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