Qualé a desse tal de… Volume

  22/09/2015 - 14:49   mike bithell, review, volume,  
 

Tem uma ferramenta em Volume que envolve você jogar algo – em ângulos retos – que rebaterá nas paredes e, no fim de suas rebatidas, fará um barulho. Esse barulho serve pra distrair os “guardas” do jogo, fazendo-os olhar pra origem do som, te permitindo tentar se esgueirar pela falha na patrulha que isso gera. O negócio é que em primeiro momento só havia um ângulo pra jogar essa ferramenta, sempre alguns graus pra esquerda. Nas primeiras vinte e poucas fases eu tentei usá-lo sempre assim, e aí criou uma nova dinâmica de jogo pra mim: estou limitado a esse ângulo, então se eu quiser acertar aquele outro lado terei que navegar pela fase de modo inteligente pra conseguir rebatê-lo e alcançar o que quero, além de ter que me mover rapidamente pro efeito se manter até eu alcançar o guarda.

Isso gerou alguns pensamentos bons sobre como se projeta jogos – a limitação acaba fazendo com que os jogadores tenham que se adaptar e exercitar melhor as possibilidades de interação que se tem com as próprias ferramentas do jogo. Imagina desenhar aquelas fases todas, tendo que levar em conta o ângulo em que a arma estaria disponível, criando pequenos quebra-cabeças de movimento e temporização! É muito mais do que temos normalmente, mas ainda daria a ilusão de que o inteligente era o jogador por conseguir sacar a solução. Foi realmente um expansor mental – lembro de ter gostado de Rogue Legacy pelo mesmo motivo, inclusive. Ele fazia o jogador se adaptar ás escolhas e não se adaptava às escolhas do jogador. É uma diferença importante, pois torna o negócio menos “parque de diversões” e uma experiência mais limitada, porém controlada, feita com muito mais esmero e podendo ser polida pra cada uma das possibilidades, tornando uma sessão de testes humanamente possível.

Depois eu descobri que isso era um bug do jogo – eu estava jogando no teclado, mas meu controle ainda estava ligado no computador, e por algum motivo isso limitava o movimento de mira das ferramentas (que era originalmente mapeada pro analógico direito ou pro mouse) a um ângulo só. Quando eu tirei o controle, descobri que dava pra mirar em todos os ângulos em volta do boneco. Oops.

A última empreitada de Mike Bithell, diretor de Volume, havia sido Thomas Was Alone, aquele jogo de plataforma com vários personagens formados por quatro retas. Talvez por isso eu tenha interpretado a limitação angular como algo intencional. Enfim, Thomas Was Alone era um jogo bacana. Ele era curto – tinha cem fases pequenas – tinha poucos personagens e um narrador britânico engraçado. Até a piada da flecha no joelho que tem mais pro fim eu costumo defender por não ser feita como uma referência à piada em si, mas sim à internet. Thomas Was Alone havia sido um sucesso: curto, barato, simples, logo no começo do boom indie, aquela coisa toda. Volume, porém, era um projeto bem mais ambicioso. Pra começar, é um jogo em 3D! Um jogo em 3D, baseado em Metal Gear Solid, que tem como premissa ser uma recontagem moderna de Robin Hood. E, embora obviamente tenha rolado mais ajuda externa dessa vez, o núcleo de desenvolvimento ainda era de um homem só. Ambicioso! Grande! 3D! Metal Gear! Dá pra mirar em qualquer ângulo!

É engraçado que a recontagem moderna de Robin Hood tem realmente um pico de sagacidade aí. Pra quem não se lembra do conto original (ou nunca assistiu Shrek), o Robin Hood roubava dos ricos pra dar pros pobres, numa ideia genial que a gente cunha enquanto está meio bêbado com os amigos – um esquema meio “Bicho, tá ligado, tem uns com muita grana, aí imagina se esses com mais grana a gente roubasse e desse pra quem não tem? Nossa, ia ser pica, desigualdade e pá, é foda isso” – mas ainda atingiu o status de uma das histórias mais importantes da humanidade, então tava realmente na hora dela ser adaptada pra um videogame. O negócio é que hoje em dia (ou NUM FUTURO DISTANTE NA INGLATERRA, depende) todo mundo quer fazer parte de algo, então o Robin Hood do jogo (que se chama só “Rob”) na verdade não rouba nada, ele só faz streams de como roubar. Pega o mapa de algum rico, chama seu companheiro robô pra fazer uma simulação daquele mapa em terceira dimensão, aí ele “joga” aquele mapa roubando as coisas valiosas sem ser descoberto pelos guardas. Aí quem quiser roubar aquele lugar pode usar esse plano que ele mostrou no stream anteriormente! É tipo um GTA do bem, caso as crianças assistissem alguém jogando GTA no twitch pra aprender como fazer aquilo na vida real.

Como é tudo uma simulação, os cenários não são fotorrealistas. Eles criam uma estética bastante agradável ao olhar – variam de cores e mesmo assim tem alguns detalhes de vez em quando pra diferenciar. O campo de visão dos guardas é mostrado no próprio mapa (tecnologia!), e eles variam entre alguns modelos de guarda. Alguns tem aquele cone padrão, alguns tem uma cisão circular, alguns tem uma muito comprida porém bem fina, já que eles são snipers dentro de lugares fechados. Eles são intencionalmente burros também, pois todo guarda num jogo de furtividade precisa ser, mas o sistema de checkpoints era burro não intencionalmente. Os checkpoints são umas cerquinhas no meio da fase que salvam seu progresso sempre que você passa por elas, e aí isso causava uns problemas que se um guarda te visse mas tu conseguisse tocar um checkpoint antes dele te matar (você morre com um hit apenas), quando revivesse estaria lá. Felizmente com um update isso foi arrumado – agora os checkpoints somem caso você esteja fugindo de algum guarda que já te viu. Imagina se videogames não tivessem patchs, o que a gente faria?

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É claro que a história é só um pano de fundo pra gente brincar de VR Missions da versão Integral de MGS1 de novo, ou iríamos começar a questionar como uma pessoa de verdade roubando a casa de um magnata corporativo ia lidar com a falta de checkpoints e com guardas de verdade, mas de vez em quando ela dá uma sensação esquisita de que talvez devêssemos prestar mais atenção. É como usar uma daquelas camisetas com várias frases escritas e notar que as pessoas tentam ler o que está escrito discretamente enquanto passam pela gente na rua, sendo que na maioria dos casos não é nada de realmente relevante  (ou pior, usar uma camiseta com letra de música nas costas! É pra ajudar em show aquilo?). O ponto é que está lá e por estar lá a gente tenta ficar atento, mas ela está em um campo de necessidade de atenção que pouca gente consegue alcançar. Algumas vezes é através de umas mensagens que você acha no chão que abrem uma caixa de texto, outras vezes é áudio tocando enquanto o tempo pra completar uma fase está rolando, mas eu tenho dificuldade de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo devido a meus cromossomos, então não me resta nada além de olhar o tempo subindo com um ar de lamentação de que talvez eu jogue aquela fase depois de novo sem prestar atenção na história pra ter um tempo melhor. Mas aí eu não jogo, nunca.

Eu nunca jogo porque é inconsequente, no melhor dos casos. Elas fingem que não são inconsequentes (“jogar essa fase vai diminuir a quantidade de guardas nas próximas”, sendo que a progressão é linear de qualquer maneira, então a gente não muda nada quanto aos guardas) mas são, em relação ao próprio jogo. Como Thomas Was Alone, tem 100 fases, mas devido ao seu escopo essas 100 parecem muito mais trabalhosas do que são. Você se sente fazendo muito mais do que está fazendo na verdade justamente por ter mais coisas na tela, ainda que esteja só movendo um boneco e se ligando em padrões de inimigos. É bonito, porém. Tem uma fase que é linda, ela é completamente simétrica. Aí o jogo vai lá e comenta sobre essa simetria – dizendo que o modo de vencê-la é quebrá-la. Seria o nosso trabalho descobrir isso, mas aí vira trabalho do jogo. Nós somos apenas operários.

Talvez seja assim que se sentem os oprimidos do mundo do jogo, olhando vídeos de como roubar e apenas seguindo passos que alguém os disse pra seguir em vez de encontrar os próprios. Talvez seja um metacomentário pra quem vê soluções de jogos de quebra-cabeça no youtube! Talvez seja muita coisa. Talvez seja uma recontagem moderna de Robin Hood. É engraçado o trejeito de pompa que o jogo tem de mostrar que existe uma resistência às mãos monstruosas do capitalismo e do imperialismo e é recebido, talvez de modo até merecido, como contra-cultura (e avaliado com a mesma pompa no pior review  que eu li esse ano de um site que faz um bom trabalho em fingir que sabe escrever) enquanto essa é a mesma história de todos os RPGs japoneses que saíram desde 1997 (se lembrem, Cloud e companhia eram “terroristas”!) e tudo o que vemos sendo reportado sobre estes é que estão mortos e como são mais estilo que substância. Mas é legal ver esse tipo de influência, talvez escondida, e ver outros tipos de influência bastante óbvias (Hideo Kojima aparece nos agradecimentos especiais dos créditos, por exemplo) em um título ocidental que não é pequeno o bastante pra colocar que é baseado em todos os jogos bons dos anos 90 no Kickstarter e que não é grande o bastante pra levantar discussões acaloradas sobre o próprio significado – afinal, o criador está no twitter, dá pra perguntar qualquer coisa pra ele. O misticismo que o mistério geraria é bem menor daí.

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Volume é um jogo que não mente, mas que engana você pra achar que talvez esteja fazendo alguma diferença naquele mundo. Ele omite e exagera em prol de si mesmo – e dá pra dizer que também explora até onde a auto-importância nos leva – mas no final acaba sendo justamente o que seu herói implica: algo que até tem boas intenções, mas no fim das contas quem precisa colocar significado no que ele aborda são os outros, e não ele mesmo.

 

Volume está disponível pra Windows, Mac e PS4. Esta análise foi feita a partir de uma cópia de review da versão para Windows nos cedida pela Bithell Games.

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • http://www.diegopeixoto.net/ Diego Peixoto

    Muito foda a analise!

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