Esse ano eu fui um dos que reclamou bastante sobre o Tim Schafer ter entregado um jogo que não era um adventure clássico quando seu Kickstarter prometia exatamente isso. Eu vou parecer um enorme pau no cu agora nesse texto, onde reclamo que um jogo é totalmente o que eles prometeram. Esse jogo, já spoilado pelo título, é Pillars of Eternity.
Desde o começo do jogo Pillars segue exatamente a mesma fórmula dos RPGs antigos de computador, marcado mais claramente na minha memória por Bardur’s Gate. Apresentação minuciosa do cenário e personagens, progressão e batalhas mais lentas, a necessidade de realmente planejar seu personagem e sua equipe, a constante busca por interação com os arredores e os personagens não jogáveis. A proposta toda segue exatamente a ideia de fazer você sentir como se estivesse jogando uma campanha de RPG clássico de mesa, auxiliado pelo audiovisual que acompanha um videojogo.
A trilha sonora e os gráficos seguem a mesma proposta, buscando essa nostalgia e de fato soando como algo poucos passos à frente do que era feito antigamente. Todos os ambientes são muito bem imaginados e maravilhosamente desenhados, dando a impressão que esse é realmente um jogo da época que se ajustou à resolução e tecnologias atuais.
Não posso também me queixar da quantia de quests, da diversidade de personagens que você pode adquirir para seu grupo e das histórias que os mesmos trazem como ramificações da aventura principal. Da mesma forma são inúmeras as possibilidades para criar personagens únicos que podem se incorporar no seu grupo no lugar desses personagens que você já encontra “criados”.
Então a Obsidian realmente entregou exatamente o que o pessoal queria no Kickstarter: um RPG classiquíssimo, como nós tínhamos antigamente, com ambientação, atividades e personalidades únicas para os tempos modernos. Entretanto, pra mim, isso não funcionou tão bem.
Consigo perceber que muita gente pode ter apreciado esse jogo como uma pérola (assim como realmente é em diversos aspectos), e até mesmo como um dos seus jogos favoritos do ano. Mas, para mim, aqui faltou uma pontinha de coragem para desviar um pouco do curso e levar de modo menos literal as promessas feitas por eles.
Independente de ser uma perfeita recriação de algo que se perdeu em épocas passadas, o jogo se arrasta em diversos pontos, que poderiam facilmente ser enriquecidos pelas novas ideias de design e tecnologia que surgiram desde que os RPGs estratégicos de computador saíram de moda.
A interface de quests é precária. Sendo completamente baseada em texto, ela volta-se para um tempo onde as dicas para prosseguir em um jogo não eram tão óbvias. Mas, em vários casos, por exemplo, quando o nome de um NPC ou uma cidade estão óbvios na descrição da quest, não imagino o porquê não implementar uma opção de mostrar onde encontrar aquela cidade ou personagem. Não há nenhum propósito em você ter que procurar a olho onde estão as coisas simplesmente por não ter decorado algum nome ou localidade.
O mesmo acontece para itens, armas e poções, onde a descrição dos mesmos prefere focar em termos muito técnicos, sem oferecer nada útil para alguém que ainda não está por dentro de todas as complexas mecânicas do jogo. O último Dragon Age provou que você pode ser um RPG de qualidade facilitando a visualização dos números que realmente importam para o jogador sem deixar de ser detalhista.
Quisera permanecer completamente hardcore, essas opções poderiam estar disponíveis ao menos no nível de dificuldade mais baixo, que é o recomendado para quem nunca jogou um RPG desse tipo (e que na verdade passa longe de ser realmente fácil). Essa insistência em ignorar completamente algumas ideias e mecânicas que vieram em outros RPGs atuais, e que não feriria em nada a proposta clássica do jogo, é algo que eu não consigo aceitar muito bem. Tutoriais e introduções interativas, se presentes nessa dificuldade menor, também auxiliariam muito novatos ou pessoas que não estão por dentro desse estilo de jogo há muito tempo.
A progressão do jogo permanece boa durante sua maior parte, mas nas etapas finais chega a ser sofrível. Sendo um RPG clássico, as quests secundárias, bem como as de história dos personagens coadjuvantes, são completamente opcionais. Mas, sendo o jogo de dificuldade fixa para cada um dos mapas, é praticamente impossível chegar ao final sem ter visto quase tudo.
A dungeon final tem um pico de dificuldade absurdo se comparado aos últimos desafios enfrentados até então, e uma equipe quase nos últimos níveis é praticamente essencial. Como grind não existe nesse tipo de jogo, a forma de melhorar é acompanhando as histórias secundárias e fazendo tudo o que se vê pela frente. Isso simplesmente não faz sentido para os dias atuais, quando temos soluções muito mais interessantes: ou você cria um caminho que possa ser humanamente passável até o seu fim, ou cria obstáculos obrigatórios que te ajudem a chegar até o final de maneira natural. De nada adianta ter uma abundância enorme de conteúdo não obrigatório se na prática a maior parte dele terá que ser feita para chegar à conclusão do jogo. Outra opção aqui seria escalar a dificuldade da última fase de acordo com o grupo, sem deixar ridiculamente fácil, mas sem sair do alcance de quem decidiu seguir apenas a história principal.
Como dito antes, eu entendo que tenha um enorme público que goste do jogo exatamente assim, cru em diversas partes e uma representação 100% fiel do que RPGs desse tipo eram em outras épocas. Mas, para mim, não posso deixar de lado a falta de vários elementos que apenas somariam ao contexto geral do título.
Enfim: você não precisa ser o Tim Schafer e fazer o completo oposto do que prometeu, mas focar 100% em uma época ou estilo que já melhorou muito ao longo dos anos pode não ser uma ótima ideia também. Pillars of Eternity com certeza agradou aos seus, mas poderia ter abrangido um público muito maior sem necessariamente trair o público alvo.