Resident Evil 0 sempre foi, em seu próprio meio, “aquele Resident Evil que nunca existiu”. Por mais que parte disso conste por sua história – não haviam lá tantas pessoas jogando GameCube na era que o PS2 reinava soberano – sempre houve um quê de… esquecimento em seu ser. Ele é constantemente menos lembrado que o 2 ou o 3, imensamente mais populares por estarem disponíveis no PS1, mas ele é menos lembrado até mesmo que o terrível Code: Veronica, que não devia ser lembrado por ninguém.
Como prequel, ele não adiciona muita coisa na história. Como uma sequência dentro da série, praticamente não evolui do REmake que o precedeu. Quão mais e mais você pensa sobre ele, mais fica claro que toda aquela repaginada que ocorreu na série a partir do RE4 era mais que um motivo de inovação, e sim um motivo de evolução; uma forma espetacular de dar um reboot na série e torná-lo estruturalmente mais importante tanto para si quanto para o futuro de jogos de ação num todo. Talvez o tanto de betas descartados tenham sido quase um aviso interno não tinha muito mais o que melhorar no conceito-base de fazer você ficar andando de um lado pro outro enquanto conservava munição.
Mas o que raios é, então, Resident Evil Zero, e pra que ele serve? Em poucas palavras: é mais do mesmo, e não necessariamente melhor, mas para a época era exatamente o que estávamos esperando.
RE0 começou desenvolvimento como um jogo de Nintendo 64 em uma época que a Capcom tinha um plano de expandir a série para tudo que era coisa disponível. Resident Evil 3, originalmente um spin-off, era desenvolvido com o PS1 em mente. Code: Veronica, que originalmente era pra ser a real sequência do 2, ganhou um subtítulo e foi mandado pro Dreamcast. Já o 0, então planejado para o N64, começou seu desenvolvimento antes mesmo do port de RE2 como uma prequel. O destaque dessa versão era o sistema de troca de parceiros, onde você jogaria com os dois personagens ao mesmo tempo e alternaria para poder prosseguir (ao invés de ter um “scenario” para cada); algo possivelmente pensado para o console devido ao mesmo utilizar cartuchos ao invés de CDs, o que tornaria a transmissão de dados muito mais dinâmica.
O jogo estrela Rebecca Chambers (integrante da S.T.A.R.S. do primeiro jogo) e Billy Coen, um ex-condenado em fuga, e mostra os primórdios da história da série. Sendo uma prequel, outros personagens característicos da série também são presentes, como o onipotente Wesker e William Birkin (o cientista do RE2, pai da Shelley). É aqui também que temos uma continuação do padrão “vilão completamente imbecil e imprestável que se acha um personagem teatral” que primeiramente vemos no Code Veronica, dessa vez na forma de um cara que controla umas sanguessugas por algum motivo. Resident Evil nunca foi conhecido pela sua qualidade na escrita, mas é notável que os diálogos do jogo são bem pífios e as reações beiram o estático – considerando que Rebecca foi tecnicamente a primeira personagem da série a ver mortos-vivos se levantando DO NADA e tentando COMÊ-LA, a falta de surpresa da garota é no mínimo… preocupante.
Mesmo eu, que adoro Resident clássico e não tenho qualquer problema em rejogar meus jogos favoritos infinitas vezes, consegui sentir a fadiga do título. Controlar os dois personagens simultaneamente parece mais um fardo que uma oportunidade, já que diminui o sentimento de tensão e o micromanagement de itens e ter que ficar trocando tudo de um personagem é extremamente excessivo e conseguiu encher até o meu saco (e olha que eu sou fã de Dragon Quest). Você não se sente controlando dois personagens, e sim tomando conta deles. É ainda mais irônico quando você considera que até a Ashley, do RE4, era mais independente em retrospecto (e ela não era membro de uma força-tarefa ou uma ex-condenada, ela era a filha do presidente).
A maioria dos Residents clássicos usa essa limitação arbitrária de inventário como uma mecânica de tensão, visto que você é vulnerável, não pode carregar muita coisa e precisa se preparar com antecedência para o desconhecido. A habilidade de deixar os itens no chão só troca uma limitação pentelha por outra, já que você sempre vai ter alguma sala ou outra que vai utilizar para esparramar toda a tralha do mesmo jeito, e é ainda mais complicado pegar tudo de volta quando você tem que selecionar um a um manualmente do chão. Isso transforma uma limitação em um incômodo, e o jogo começa a ser mais um simulador de manuseio de itens do que sentir medo de zumbis. No momento que as mecânicas de jogo funcionam para ativamente te fazer perder tempo (a inabilidade de Billy misturar ervas é hilariamente descrita como uma “característica” do personagem – ele não tem qualquer habilidade subtituta para contrabalançar, ele simplesmente não pode) fica claro que um dos intuitos do jogo é que você fique indo e voltando de um lado pro outro feito uma barata tonta. Tudo isso joga o ritmo do jogo muito, muito lento.
Quando eu joguei REmake, eu fiz questão de deixar de lado o esquema de controle alternativo (que se baseia na movimentação diante da câmera ao invés dos “controles de tanque”) por saber que o jogo não era balanceado com aquele esquema em mente. Em Resident Evil Zero, eu passei um tempo com ele desabilitado até perceber que o jogo era muito mais lento do que eu me lembrava. Foi aí então que eu vi que a Capcom botou esse sistema não para facilitar o jogo, mas para agilizar ele. E em 2016, é uma função mais do que necessária. E ah, assim como foi o caso de RE1, o jogo foi inteiramente refeito em uma engine nova; com a diferença que aqui eles realmente se deram ao trabalho de retocar todas as texturas! Assim como no anterior, o jogo roda em 1080/30FPS no consoles da última geração e tem opção para 60 FPS no PC.
Dito isso tudo, fica a pergunta: RE0 é ruim? Não, definitivamente não… mas também não é lá grandes coisas. É um jogo definitivamente datado, e um que mostra que a fórmula velha de Resident Evil realmente estava ficando cansada – algo que a própria Capcom parece ter percebido antes mesmo de nós, vide o tanto de vezes que o 4 foi retrabalhado. É um jogo que propositalmente troca o dinâmico pelo obtuso, o intuitivo pelo desnecessário. O que deveria ser uma aventura tenebrosa infelizmente se transforma em um teste de paciência, fugindo da tensão assustadora de REmake, da adrenalina ritmada de RE2 (considerando as limitações do PS1, lógico!) ou da ação frenética e imortal de RE4.
RE0 é a definição de um jogo que eu não preciso te recomendar ou não: se você chegou até aqui, você provavelmente já sabe se quer jogá-lo ou não. É essencialmente o RE que você conhece e adora (ou não), com o grande porém de que certas coisas que beneficiariam muito de um update permaneceram intocadas. Eu recomendaria só para quem realmente tem boas memórias do jogo no GameCube e ainda consegue encarar o que é praticamente um jogo do fim dos anos 90 que só foi sair lá pra 2002 e não envelheceu tão bem como outros títulos dessa época. Continua sendo é um jogo decente, mas um que exige paciência, e, assim como a Capcom, provavelmente o último daquela era que você deveria escolher para passar o seu tempo – especialmente quando os imensamente superiores REmake de RE4 HD tão disponíveis aí faz um tempão.
Vamos ver pelo lado bom? Pelo menos ele ainda é (bem) melhor que o Code: Veronica. Um monte de coisas são melhores que Code: Veronica.
Agora é com você, RE2 remake. Tamo na espera.
Disponível para PS4, XONE, PS3, 360 e PC (Steam). Análise feita com base na versão PS4 e PC. A cópia de review da versão Steam nos foi fornecida pela Capcom.