Lembro-me da confusão que aconteceu logo após o lançamento do Braid, onde Jonathan Blow, o criador, viajava por fóruns e análises explicando aos criadores dos posts e artigos que eles não haviam realmente entendido seu jogo.
Em seu segundo jogo ele parece ter se vingado de quem não gostou de suas reclamações. The Witness é um jogo sobre entender o que o criador fez em sua obra, como ele pensa e como ele cria. O nome se encaixa perfeitamente: você é uma testemunha de um conceito criado pelo desenvolvedor e seu trabalho é simplesmente observar, absorver e tentar compreender tudo o que te cerca.
Simples em seu conceito, o jogo basicamente compreende uma multidão de puzzles que envolvem riscar um caminho em um tabuleiro de linhas predeterminadas. A resolução de cada um desses, entretanto, envolve muita elaboração, pensamento, observação e até um pouco de malícia. O tempo todo você precisa estar se perguntando qual a lógica do criador naquele determinado momento ou local.
Isso também existia em Braid, mas aqui o conceito é elevado à maestria. Sim, pois The Witness também é um jogo sobre como aprendemos, como organizamos informações em nossas cabeças. A forma como você é levado puzzle após puzzle a aprender gradativamente as mecânicas replica perfeitamente a forma como aprendemos tudo em nossa vida.
Para aprender coisas mais avançadas, começamos com o mais básico sempre. Por exemplo, ao aprender a ler, começamos com letras, depois com sílabas e assim prosseguimos. Ao aprender a calcular, reconhecemos primeiros os números, seguimos com operações simples, para depois adicionarmos complexidade à matemática. E, por que não, em certo momento acabamos por usar uma letra junto com um cálculo para formar uma equação.
Essa forma de aprendizado por camadas, que funciona tão bem no nosso cérebro e usamos às vezes até sem realmente perceber, é compreendida e usada pelo criador do jogo com perfeição. Obstáculos e dilemas que antes pareciam impossíveis ou incompreensíveis se tornam fáceis após se percorrer o caminho feito para aprender profundamente cada elemento de um puzzle. Até mesmo os que precisam de mais cálculo ou ponderação acabam satisfazendo, fazendo sentido, e contribuindo para essa escola dentro do jogo.
Em nenhum outro jogo em anos me peguei fazendo coisas que fiz em The Witness. O jogo requer que você interaja com ele de formas completamente diferentes das usuais, e pense muito longe das suas zonas de conforto. Ele faz com que você reavalie algumas das suas formas de pensar, e compreenda diversas outras que não procurava fazer sentido.
Sendo eu um daltônico precisei criar métodos e tabelas para me guiar em alguns puzzles que envolviam cores, por exemplo. E o fato de o jogo me desafiar a fazer isso não é uma falha de criação ao não se considerar pessoas com a minha condição, mas exatamente o ponto de toda a obra: se enfrentar, se reavaliar, progredir.
Se fosse apenas isso, já seria um jogo excelente, muito acima dos padrões atuais onde as pessoas tentam ensinar outras por texto e tutoriais. Mas Blow vai além, criando um mundo sensacional e delicioso de se explorar e observar. Não apenas em suas cores, fotografia, design e detalhes, mas na forma como o próprio mundo acaba se incorporando aos puzzles, e os puzzles ao mundo. Muitos dos tabuleiros não seriam concebíveis ou resolvíveis se o mundo não fosse como é e o tabuleiro não estivesse posicionado naquele exate lugar dentro dele. Em um jogo que é (quase) completamente aberto para se explorar desde seus primeiros momentos isso é emocionante.
Quanto mais você desbrava e explora toda a paisagem miscigenada criada naquela pequena ilha, mais você percebe como tudo foi planejado minuciosamente. Em suas formas, reflexos, sombras, caminhos. Não é exagero dizer que você está andando por um mundo perfeito, ou pelo menos em uma exatidão que o criador pretendeu dar para aquele universo.
Para adicionar uma camada adicional dessa compreensão que Blow busca receber, ele ainda adiciona diversos áudios, vídeos e coisas escondidas que te fazem questionar o motivo delas estarem ali. Isso serve para você entender aquele mundo não apenas em suas mecânicas, funcionamento e geografia, mas para compreender os propósitos da criação do mesmo. Faz você questionar sob quais impulsos e ideologias o idealizador desse mundo vive e quais questões ele pondera durante seus momentos de reflexão.
É difícil percebermos o quanto é interessante buscar compreender o outro, ainda mais quando o outro está apenas mostrando sua essência e não tentando se explicar. Um título com tantos elementos pessoais e profundos como esse transcende a produção normal de jogos, é como se o que tivéssemos aqui fosse um produto artesanal. Você analisa, usa, absorve, testemunha e acaba recebendo uma parte da pessoa que fez aquilo.
A compreensão que Jonathan Blow buscava em seu primeiro título é completamente justificável, e quando uma obra como The Witness te permite realmente se aprofundar na visão de uma pessoa, você se esquece de comparar aquilo com tudo o que conheceu antes, passando a sentir a experiência de uma maneira tão pessoal e delicada quanto o criador que planejou tudo aquilo com tanto cuidado.
Nesse estado mais profundo, jogado em um mundo sozinho, buscando respostas de perguntas que não são feitas e tentando encontrar um caminho para exatamente onde você já está, sentimos uma paz e introspecção únicas. Ao se afligir com os puzzles mais difíceis e tentarmos compreender cada situação ao nosso redor estamos nos superando. Ao conseguir tudo isso, nós ficamos felizes por saber que somos capazes, não apenas de superar nossos limites, mas de nos conectar e compreender alguém que nem mesmo conhecemos pessoalmente.
The Witness é um jogo que te convida para aprender, pensar, observar e sentir de uma maneira muito rara, se não única no mundo dos jogos digitais. A maneira sublime como ele consegue passar pelo menos algum desses sentimentos é sensacional. Sendo um dos que buscou (ou pelo menos tentou) entender todas essas nuances, não posso chamar esse jogo de nada menos do que uma obra prima.