Quando o disco novo do Radiohead apareceu de supetão no Google Play Music (sem nenhum alarde) e, poucos minutos depois, sumiu de novo, já era tarde demais – muitos tinham baixado (mais espertos que eu, que confiei no streaming), muitos estavam ouvindo, já tinha uma dúzia de recomendações de cinco estrelas na loja digital. O negócio é que os mais animados e eufóricos, em seguida, começaram a se questionar – o álbum apareceu no Google Play em ordem alfabética, e, sendo que foi um erro ele aparecer lá uma hora antes do lançamento oficial, pensaram que a ordem alfabética também era um erro, só uma maneira padrão de se organizar música nos servidores. Questionamentos como “será que eu estou escutando o disco de verdade, sem ser na sequência que a banda propôs?” começaram a aparecer, discretamente, nos lugares mais fogosos. Alguns resolveram esperar o lançamento de verdade, outros tentavam buscar pequenas pistas nas músicas que dissessem qual vem antes e qual vem depois, procurando montar a versão definitiva de A Moon Shaped Pool.
Uma hora depois o disco saiu de verdade, com direito a twit de confirmação da banda e tudo. Ele era em ordem alfabética mesmo – incluindo o título, começando com A.
Essa situação toda serve como um resumo do que é o Radiohead.
De qualquer maneira, uns dias antes eles liberaram Burn the Witch (essa que eles já falavam sobre desde antes do Hail to the Thief, treze anos atrás), que é uma música incrível, fora do que a banda costumava fazer, e conseguindo de maneira excelente passar um ar de perturbação sem perder toda a animação necessária pra se lançar um single hoje em dia. Logo depois saiu Daydreaming, que foi bem menos ousada, com uma estética já natural à banda, mas seu destaque veio de algo um pouco alheio a si: o clipe foi dirigido por Paul Thomas Anderson, e, embora seja, numa análise simplista, só o Thom Yorke andando, foi muito bonito. Descobrimos depois que Daydreaming era sobre a separação de Thom Yorke de sua esposa, depois de um casamento de 25 anos (“adiv ahnim ad edatem”). Não tinha como ser de outra maneira, nesse caso – não há nada mais familiar que um casamento que dura metade da sua existência. A música também ser familiar não é apenas esperado: é justo.
Quando chegamos na primeira inédita do disco – Decks Dark – já dá pra saber mais ou menos o que vai vir pela frente. O Radiohead não costuma necessariamente inovar, ao menos não perante si mesmo. As músicas são diferentes o bastante de outras bandas para ela merecer seu destaque, mas não são muito diferentes quando são colocadas frente à frente com suas próprias irmãs – mesmo as mais estranhas, que a galera costuma girar o olho, presentes no King of Limbs, ainda são Radiohead, e todo mundo que as escuta e conhece a banda consegue apontar que, é, essa é do Radiohead. As variações são sutis, cada uma tem uma frequência diferente e busca evocar algo diferente, mas sem nunca tirar da cabeça que, bem, são músicas do Radiohead. De Decks Dark pra frente esse sentimento se intensifica, causando estranheza de primeira especialmente pelo disco ter sido aberto com Burn the Witch – onde estão as outras Burn the Witch? Precisamos de outras Burn the Witch?
Desert Island Disk e Ful Stop seguem essa mesma familiaridade emburrada de Decks Dark, mas começam a trazer algumas coisas um pouco diferentes: suas metades posteriores são, sempre, um pouco mais intensas que o começo, cada vez trazendo mais instrumentos, cada vez dependendo um pouquinho mais de voz como uma característica musical e não de mensagem, as letras importam até onde enaltecem o resto de todos os sons, que ficam mais e mais orgânicos conforme passam. Quando alcançamos Glass Eyes, a música mais curta do álbum, fica muito claro qual é a do climão do disco – enquanto na sua época (discutivelmente) mais gloriosa, ali entre o Kid A e o OK Computer, Radiohead ganhou sua fama por fazer algo eletrônico, não no sentido de “música eletrônica”, mas eletrônico, uma melancolia modernizada, algo que um robô escutaria caso a impressora não funcionasse em um futuro distópico – é muito mais orgânico, é uma resposta humana a si mesmo em outras épocas, mostrando que Radiohead não é só consternação cyberpunk como muitos julgavam, e sim uma banda que faz o que seus membros queiram fazer, com um cuidado muito grande pra não perder a identidade nesse processo.
E falando em Identidade, a minha favorita do disco vem logo após Glass Eyes: Identikit, que mostra mais do que qualquer uma que a voz é realmente só mais um instrumento de composição, tendo um vocal bastante discreto e em muitas partes com volume baixo, especialmente no refrão, em relação aos outros instrumentos. O pouquinho de guitarra que aparece nessa é extremamente pungente, usado como compasso até determinado momento antes de explodir. The Numbers também segue esse padrão, crescendo conforme avança em instrumentos cada vez menos eletrônicos, especialmente se tratando de uma música que tem números no nome. As duas posteriores são extensões dessa, fechando o último arco “humano” do disco e curiosamente mais politizado, também, daquela maneira meio ingênua que estamos acostumados.
A última música, porém, também já era conhecida – True Love Waits já tinha umas versões de show espalhadas por aí, não poderia ter sido melhor posicionada. Sincera, humilde, bonita, com uma noção até meio infantil do que é paixão e o que é se apaixonar. Talvez como conforto a si mesmo, depois dos problemas durante a produção do disco, com um ar de “é, vai ficar tudo bem, fé”, em frente a um espelho e de olhos fechados. Ele fecha como uma análise única de si mesmo, negando o cinismo de uma banda que, apesar de dizerem o contrário, nunca foi realmente cínica. Com esse disco eu só posso torcer pra moda do “Radiohead é uma banda depressiva” ficar de vez lá em 2009, com seus próprios seguidores, sem se espalhar mais. Radiohead nunca foi sobre depressão e dizer que é pelo fato dela se manter nos timbres baixos não é apenas uma análise rasa; é desrespeitosa, feia consigo mesma, se forçando a ouvir algo e buscar algo que não está realmente lá só pra reclamar depois que não foi servido.
A real é que A Moon Shaped Pool já era um disco que todo mundo havia decidido amar ou odiar antes de seu lançamento, já que Radiohead em geral não dá muita brecha pra cinzas. A histeria geral era esperada, embora sempre prazenteira de se acompanhar um pouquinho mais de longe. Um excelente álbum presente numa já excelente discografia, que acaba caindo na casa do “esperado” mais que na do “surpreendente”, mas, bem, é pra isso que eu escuto Radiohead. Isso e as dancinhas do Thom.
Você pode adquirir A Moon Shaped Pool no site oficial da banda, no iTunes, no Google Play Music, e, a partir de 17 de Julho, provavelmente na sua loja física de preferência também.