Você deve se lembrar de Final Fantasy XIV. Não, não falo da sua versão melhorada e mais popular de 2013, intitulada de A Realm Reborn. Falo de sua primeira versão, patch 1.0, lançada em 2010. Talvez se lembre também que o jogo foi um fracasso tão grande que seu diretor foi trocado poucos meses depois. Seu novo diretor, Naoki Yoshida, fez de tudo para salvá-lo, mas não havia mais jeito. Então, para a meia dúzia de pessoas que ainda jogava, ele fez a coisa mais óbvia e ao mesmo tempo inusitada que poderia se fazer:
Ele anunciou o fim do mundo.
Literalmente.
Mas calma, não foi de cara. Tudo começou com um pequeno pontinho vermelho no céu. Quase ninguém percebeu, afinal o céu de Eorzea é muito diverso, não precisava significar necessariamente algo. Mas aquele ponto curioso cresceu no próximo patch. Ninguém tinha certeza se estavam ficando malucos ou se havia, de fato, alguma diferença, até que então aquela bolinha vermelha virou um modelo completo de uma lua cor de sangue. Nesse ponto os habitantes desse mundo já sabiam que algo estava acontecendo, só não tinham ideia do que.
Final Fantasy sempre foi tradicionalmente uma história de heróis que triunfam contra a adversidade. Por mais que as profecias, o avanço inimigo e a falta de esperança do povo e dos heróis criasse um ambiente pesado, o bem triunfaria, a lua seria parada e o mundo sobreviveria até seu renascimento simbólico. Haveria uma grande batalha épica contra o império, o grande culpado pela queda do satélite, onde morreria seu imperador; seu mentor, Louisoux, usaria uma poderosíssima magia para retornar a enorme bola de volta ao seu devido lugar. Jogadores sairiam com um desfecho satisfatório e prontos pra embarcar no novo mundo quando fosse relançado um ano depois.
Enquanto a lua ficava cada vez maior e o dia do fechamento do servidor ficava mais perto, o mundo começou a ficar estranho. Não havia mais dia nem noite, só um céu avermelhado e ameaçador. Cidades não eram mais locais seguros, monstros, mais fortes que o normal, começaram a invadir e os jogadores começaram a se juntar em lugares específicos para não morrerem.
Yoshida então pediu para que todos que pudessem comparecer ao último dia de vida do servidor, para fazer parte de um grande evento de luta contra o império. Consistiria de um enorme PvE (player versus enemy) onde tropas imperiais lutariam contra os jogadores. Um evento simples, que serviu para passar o tempo até as horas finais de jogo, onde os jogadores se reuniram com seus clãs ou amigos para esperar o fim de tudo e ver o desfecho. Então, dentro do jogo, esse vídeo começa a rodar:
Um CG desse calibre sendo feito para o fim e o recomeço de um jogo não é nada menos que impressionante, mas não é isso que chama a atenção, e sim o que acontece. Eorzea é absolutamente devastada por Bahamut sem a menor chance de se defender. Todos os eventos podem ser relacionados com o desenvolvimento do jogo, desde a magia dar completamente errado até os jogadores (representados pelos heróis genéricos do vídeo) serem enviados para o futuro. Não houve uma cena de vitória triunfal, não houve uma pitada de esperança para o futuro do mundo, todo mundo perdeu. Os diretores, os jogadores, todos perderam algo com o fim do jogo. Perderam seu mundo e suas esperanças de consertá-lo. Embora já houvessem imagens oficiais da nova Eorzea, ninguém sabia o quanto ela seria afetada pela sua destruição, afinal, a versão 2.0 se passaria 5 anos depois desse evento.
Evidentemente Eorzea sobrevive, suas cidades ainda se mantêm de pé e seus comandantes ainda estão vivos. A Realm Reborn é sobre a esperança de superar tudo o que aconteceu anteriormente. Seu mundo já se mostra mais funcional, mas ainda há cicatrizes espalhadas, seja em forma de NPCs que morreram ou se alteraram completamente, ou em marcas literais da destruição.
Os habitantes do mundo original tiveram o privilégio de vivenciar o fim do mundo, ou ao menos algo muito próximo disso. Isso é algo muito particular dos video games. Você pode até assistir um filme que seja sobre o fim do mundo, ou até mesmo jogar um jogo onde o fim do mundo faz parte da história, mas isso é completamente diferente de passar pela experiência do fato. Ninguém mais pode oficialmente retornar a versão 1.0 do jogo, ele acabou. O mundo se foi, não existe mais, e partiu da forma mais espetacular possível. E é por isso que a história de fundo do A Realm Reborn é tão rica. Tudo que os NPCs falam que aconteceu há 5 anos foi algo que teve a participação de pessoas de verdade. Por tudo isso eu respeito Naoki Yoshida imensamente, por tornar uma situação terrível em uma das utilizações mais interessantes e únicas dessa mídia.
Deixo vocês com um registro dos últimos 11 minutos feito por um jogador: