Esses dias aí tivemos o D.I.C.E. (Design, Innovate, Communicate, Entertain), um evento que sempre reúne grandes cabeças da indústria e palestras interessantes sobre o passado, presente e futuro dos video games. Na edição de 2013, duas palestras em especial chamaram a atenção e nos fizeram pensar um pouco, protagonizadas por David Cage (Heavy Rain e Indigo Prophecy) e Warren Spector (Deus Ex, Wing Commander, Epic Mickey e muitos outros). A reclamação dos dois é basicamente a mesma: os jogos são todos feitos com o público infanto-juvenil em mente, e consequentemente ainda são muito bobinhos.
No auge dos seus 57,33 anos, Warren Spector diz que é dificil pra alguém mais velho se comprometer com jogos pois eles continuam sendo feitos para crianças e adolescentes que têm muito tempo livre e ainda se interessam por cavaleiros com espadas gigantes, tripas explodindo e peitos balançando. Spector citou Heavy Rain e The Walking Dead como jogos mais “pé no chão”, mais interessantes para pessoas mais velhas, que não se interessam mais em atirar em piratas zumbis ciborgues com motosserras laser.
Cage também foi mais ou menos por aí, dando ênfase ao número de jogos violentos que temos hoje. ”Se o personagem não estiver segurando uma arma, os designers não sabem o que fazer”, afirmou. Disse inclusiver ter ouvido de um funcionário de uma publisher que “Se você não atira, não dirige e não pula em plataformas, então isso não é um jogo”, ao tentar apresentar Indigo Prophecy.
Eles estão errados? Na minha humilde opinião… não. Realmente a maioria dos jogos ainda são voltados pra um público mais jovem e a indústria anda meio estagnada nessa parte de fazer jogos que não envolvam armas.
Eles estão exagerando? Na minha humilde opinião… SIM! PRA CARALHO!
O que eu vejo é que esse debate acabou criando 2 grupos extremistas distintos: os desesperados que acham que a gente tem que parar já de fazer jogos violentos e juvenis e começar a focar imediatamente em jogos mais profundos e maduros, e os conservadores que acham que a coisa está boa como está e que tentar tornar os jogos mais “arte” vai só estragar tudo.
Vamos começar respondendo ao segundo grupo: não, tentar tornar os jogos mais “arte” não vai estragar nada. Pelo contrário, só tende a melhorar. Os Call of Duties, GTAs e similares estarão sempre aí, contanto que exista um público pra eles. O cinema tá aí pra provar isso, visto que a existência de filmes artisticozinhos não anula as comédias românticas e filmes de super heróis. Várias das técnicas de direção, montagem e edição usadas para deixar seu filme da Marvel favorito mais épico e emocionante foram criadas em produções de baixo orçamento que tentavam ser mais “artísticas”, experimentavam novas maneiras de explorar a linguagem do cinema no intuito de torná-lo algo mais do que apenas “uma peça de teatro filmada”, como eram os filmes nos primórdios. Se você não gosta de “jogos arte”, simplesmente ignore-os. Não vão faltar jogos pra você, e de brinde eles tendem a ser positivamente influenciados nos bastidores pelos jogos mais experimentais.
Já pro pessoal que acha que se a coisa não mudar agora não tem mais volta, até entendo a preocupação deles, mas é assim que o mundo funciona. David Cage apontou em sua palestra que nos 20 jogos mais vendidos de todos os tempos tudo que temos são títulos da Nintendo (jogos voltados pro público infantil e/ou casual), GTA, Call of Duty e um jogo de Kinect que se enquadraria na mesma categoria dos da Nintendo. Ou seja: só jogos violentos, infantis e casuais. Cage reclamou que você consegue conversar com qualquer pessoa sobre filmes e livros, mas não sobre games.
O que ele esqueceu de dizer é que o mesmo fenômeno pode ser observado nos filmes, livros e qualquer outro meio artistico. Dentre as 20 maiores bilheterias do cinema o que temos em geral não são os filmes aclamados pela crítica como profundos e catárticos, vencedores da Capivara de Bronze de Piracicaba ou do Urso de Diamante de Erechim, mas sim filmes voltados pro público geral como Vingadores, Transformers e Piratas do Caribe. Pegue qualquer lista de livros mais vendidos do mês e você vai encontrar lá 50 tons de cinza. O que os exaltados defensores da arte não entendem é que isso não é necessariamente ruim.
A indústria cinematográfica precisa das suas comédias românticas e filmes de super herói. Na boa, se todo filme fosse uma análise profunda da mente humana e trouxesse grandes dilemas morais, seria um porre. De vez em quando ver um filme só pra rir ou qual vai ser a frase de efeito do Schwarzenegger quando ele matar um soviético aleatório com um tiro bem dado. Assim como é legal dar uns tiros em zumbis de vez em quando com os amigos, dá um relax. Ninguém fica burro ou alienado por se permitir curtir um entretenimento mais superficial de vez em quando.
O grande problema no momento não é a existência de jogos violentos e adolescentes, mas sim a proporção desses jogos em relação a outros tipos de experiência. Qualquer pessoa que manje um mínimo de cinema consegue ficar horas listando filmes com um tema mais maduro do que a terceira guerra mundial provocada por terroristas russos. Nos jogos, ainda é difícil passar do quinto exemplo sem gaguejar.
Mas é um problema que já está sendo solucionado por um agente pouco considerado nos debates sobre isso: tempo. Se você é um desenvolvedor e quer fazer um jogo pra um público bem mais velho do que o habitual, tentando abordar temas mais sérios e tudo mais, dou apoio. Com certeza será uma experiência interessante, mas temos que encarar o fato de que AINDA não será algo muito lucrativo. Você pode encher o saco o quanto você quiser de alguém com mais de 40 anos que não jogue video games e ele vai continuar achando uma perda de tempo, ou que são só uma coisinha pra você jogar no celular enquanto espera sua vez no dentista.
Mas isso não acontece porque a midia não pode passar as mesmas emoções que um filme ou qualquer mimimi do tipo. Acontece simplesmente porque as pessoas não estão habituadas, não faz parte da realidade da maior parte das pessoas de mais idade, justamente porque tudo isso é muito recente. Quem tem 60 anos hoje passou praticamente metade da vida sem videogames. Sem encarar jogos digitais como algo de suma importância, essas pessoas viveram e vivem muito bem, obrigado. Soa meio cruel considerar que a nossos avós deixarão o mundo sem precisar de videogames, mas é a realidade. Infelizmente para nosso amigo Warren Spector, ele é uma exceção à regra.
Agora pensa em como a visão dos mais velhos será diferente quando aqueles de 60 ou 70 anos forem os mesmo que passaram a infância à base de Street Fighter e Super Metroid. Pense que quando chegarmos à terceira idade tendo jogos como um entretenimento inerente à nossa rotina, o mercado precisará se adaptar entregando experiências que sejam relevantes para as pessoas dessa idade. O tempo se encarrega de mudar o senso comum em relação a todo tipo de coisa de geração pra geração (vide o lance de casar virgem). Se o público amadurece e passa a demandar novas experiências, o mercado é obrigado a amadurecer junto para continuar se expandindo.
E justiça seja feita, as coisas já estão mudando. Qualquer animal nota que os indies e a distribuição digital podem mudar os paradigmas das grandes publishers de fora pra dentro. Se até o VGA, aquele antro de Doritos e chupação comercial se rendeu à ousadia e sensibilidade de The Walking Dead, é porque a mesa tá virando mesmo. O mais importante é termos bom senso nesse processo. Acredito que mais interessante do que fazer os “jogos arte” substituírem a violência descerebrada seria ver ambas experiências (e tantas outras possíveis) coexistindo em uma proporção que satisfaça de forma justa todo tipo de demografia, do adolescente gótico e revoltado de 16 anos até a senhora de 70 que prepara o bolinho de chuva dos netos.
Essa adolescência dos video games na esmagadora proporção que se apresenta hoje é algo escroto, mas se tratarmos todo cidadão que curte Black Ops II como raiz do problema, corremos o risco de nos tornar tão chatos e moralistas quanto os programas de TV que crucificam os jogos desde os tempos de Carmageddon. O melhor jeito da indústria sair da adolescência seria virar aquele tiozão boa praça que curte ficar filosofando sobre a vida, o universo e tudo mais, mas também se diverte fazendo piadas de várzea com o sobrinho. O pior jeito seria se tudo isso virasse um personagem idoso e rabugendo de Clint Eastwood, daqueles que só sabem reclamar da juventude e torrar o saco de todo mundo em volta.
Afinal, nem só de experiências profundas e transcendentais com trilhas sonoras de violino vive o homem.
Pingback: (Eu já sabia) Games são arte e estarão expostos no MoMA a partir de março – Newsgames
Pingback: Pro Ministério da Cultura, jogos são e não são cultura ao mesmo tempo | GAMESFODA