Qual foi a desse tal de… Metal Gear Solid 4

Por Neozao | 06/11/2013 – 20:52

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Jogar Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots é mais ou menos como comprar preservativos em duas situações diferentes.

Em uma delas é uma experiência bacana pela antecipação do que vai acontecer em breve, que fez com que você saísse de casa e fosse na farmácia/mercado antes do tempo e já se preparar. Na outra, no entanto, é mais ou menos como quando você já está com seu parceiro ou sua parceira e na hora vocês se lembram que não têm camisinha – se frustram temporariamente e eventualmente você vai lá comprar, puto da cara, mas precisa, né?

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Bom, mas todo mundo lembra de Metal Gear Solid 4, né? Ele foi o jogo mais importante do Playstation 3 por muitos anos. Naquela época do “PS3 NÃO TEM JOGOS LOL XD”, sempre alguém respondia “mas tem MGS4″, e então respondiam de volta “ahueauh!! filminho eu vejo no DVD!!”, e quem gostava de Metal Gear só virava o olhinho pra cima num esquema meio “tá, tá”, igual quem escuta que todo Zelda é igual, que todo Pokémon é igual, que todo jogo de tiro em primeira pessoa é igual etc. Não adianta contra-argumentar. É uma crítica lugar-comum bem enraizada na cultura de quem joga videogame. Uma crítica que você não precisa realmente conhecer o alvo pra usar, só precisa ostentar ignorância e usá-la pois viu alguém em algum fórum usando e, nossa, como foi provocador!

Pra ser justo, o meu primeiro contato com MGS4 foi esse mesmo: eu não tinha um PS3 e era fãzaço da série, então assisti todas as cutscenes assim que o primeiro cara as colocou na internet. Na época eu não sabia de muita coisa, então fiquei impressionado com o modo como o jogo conseguiu fechar tudo da série, como parecia que foi tudo pensado antes, todos os PLOT TWISTS e um final pra saga do Solid Snake bem válido. Hoje em dia eu ainda acho um bom final entre todas as coisas, mas o jogo tem uns problemas inerentes que se dão ao fato de ser um Metal Gear Solid que precisa seguir uma história que não era pra ser seguida em primeiro lugar. Explicarei mais em breve.

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Enfim, só mais recentemente eu pude jogar ele do começo ao fim e fiz isso umas quatro vezes no último ano. É estranho, na real. MGS sempre foi bem focado na história. Quem jogaria o quarto jogo senão pra saber sobre a sua trama? Eu hoje em dia nem gosto tanto da história dele e mesmo assim sempre me pegava voltando e jogando até o final, sem pular cutscene. Cada vez mais achando coisas bobas, mais manipulação emocional barata, mas sempre me entretendo e decorando algumas falas. A cada jogada eu ligava um pouco menos pro roteiro que já tinha acompanhado várias vezes recentemente (exceto pelo final, como disse, o final acho muito bom até hoje), então não havia tanto impacto quanto teve lá no lançamento do jogo.

Foi aí que eu percebi que Metal Gear Solid não é só cutscene e história, e, no caso do 4, também não é sobre o seu tema. Tema esse que, embora seja pertinente em algumas partes, não chega nem perto da obra pós-moderna que é MGS2, e nem tem a mesma elegância em tratar tais assuntos sérios de maneira tão satírica quanto o 3 pra fazer cada impacto emocional pesar mais. Também não teve o passe livre que o primeiro Solid, de Playstation um, tinha – o de poder ser bem brega, mas ser tão tecnicamente impressionante em passar essa breguice que as pessoas não se incomodavam.

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O último jogo da história de Solid Snake é, literalmente, sobre Metal Gear Solid. Claro, ele tem um tema como os antigos tinham (nesse caso, “SENSE”), mas não é uma história sobre o mundo real contada usando personagens com poderes malucos. É uma história sobre o mundo de MGS contada usando personagens com poderes malucos.

Nisso voltamos àquilo de lembrar que tem que comprar camisinha já estando na cama, tendo que se levantar e ir até a avenida com a roupa amassada. Você está gostando muito do jogo, até que se lembra que ele tem que tornar toda a loucura do 2 canônica – e não era pra ser, visto que o 2 era pra terminar a série de modo aberto mesmo (e o 3 sendo uma prequel). De repente toda a coisa dos Patriots, das AIs, os eventos em Manhattan, a realidade virtual, tudo aquilo tinha que ter acontecido de verdade. Nem o Kojima queria ter que continuar com aquela história, mas é claro que OS FÃS tinham que saber!

Metal Gear Solid 4 então tem que parar tudo o que está fazendo e ir lá comprar camisinha, resolver as coisas que o 2 botou inconsequentemente na mesa de um modo qualquer, só pra satisfazer a literalidade não literária de uma minoria vocal (e, claro, arrecadar uma graninha pra Konami).

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O fato de tudo isso ter feito com que MGS4 fosse conhecido apenas como “continuação do 2″, e não como um jogo sozinho, é uma coisa única da série até hoje. Ele é o único que precisa de conhecimento de acontecimentos anteriores pra ser completamente aproveitado – não tem identidade própria, existe somente porque os outros existem. E é talvez o primeiro jogo da série a ter sua história pensada antes de seu gameplay (sim, pode não parecer, mas o gameplay de um MGS é pensado antes de qualquer coisa). Todos os jogos anteriores, de uma maneira ou de outra, começavam e se fechavam em si mesmos – conectavam-se com os outros, é claro, mas como cada um tinha um tema distinto e as conexões residiam principalmente nos personagens. O 4 não. o 4 é o “final de uma saga”, que talvez nem fosse considerada uma saga até ali.

Mas o gameplay da série toda é muito bom. Talvez limitado demais no primeiro e complicado demais no quarto, mas sempre completo. Vocês sabem o motivo pelo qual o Twin Snakes não tem o mesmo valor do primeiro jogo, mesmo sendo um remake com gráficos melhores? Não, não é pela direção diferente (e mais exagerada ainda) das cutscenes. É pelo seu level design. A engine do MGS2 não funciona nos mapas de MGS1, pois MGS1 não foi feito pra comportar visão em primeira pessoa, logo, essa tornou tudo muito banal. Vê?

O primeiro MGS só existe por ter sua câmera “de cima” e funciona perfeitamente assim, assim como o 2 é uma festa de tecnologia que te permite brincar com o mapa todo, utilizando toda a visão em primeira pessoa, existindo assim apenas na própria engine. O quarto jogo segue essa mesma filosofia – o Kojima sabe muito de game design – colocando barreiras aparentemente impenetráveis no seu primeiro gameplay (sério, quem entendeu de primeira como funcionava o CQC no 4?), mas o tornando acessível ainda assim, fazendo com que a cada descoberta em jogadas subsequentes mantivessem o jogo fresco na mente do jogador. É como no 3, que na primeira vez que você joga acaba por cortar o pescoço do guardinha toda vez que tenta aplicar CQC, mas dado o treino suficiente você consegue matar o último chefe só na porrada.

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MGS4 tem tantos sistemas que chega a ser assustadora à primeira vista. O CQC, os três tipos diferentes de visão de combate, as facções diferentes, as roupas e a responsividade de todos os guardas do jogo a estas, os tipos diferentes de soldados que reagem de modo diferente a cada aproximação, a furtividade (que parecia ter se tornado obsoleta pela camuflagem mas estar tão presente quanto em todos os jogos), as pegadas, o som que corresponde ao radar, as dezenas de armas e o modo como os bosses lidam com elas (por exemplo, usar a Solar Gun que é um extra bem difícil de se conseguir contra o Vamp faz com que você vença instantaneamente)… Enfim. Por mais que todo mundo só lembre (pro melhor e pro pior) das cutscenes, o jogo é completo em qualquer área que você olhe.

A série tem essa coisa de que é a única que existe nesse campo. Se você gosta tanto da história quanto do gameplay, não vai achar nada igual (e eu sempre procuro). Se você só gosta de um dos campos, também não consegue achar nada naquele quesito. Não existe nenhum jogo na história com uma luta contra chefe parecida com The End, no 3, e não existe nenhum jogo que dá um passo tão grande na área experimental narrativa da indústria como MGS2. Pra ser comparável com o gameplay de MGS não basta ser “stealth”, e pra ser comparável com sua história não basta ser militar – tem muito mais nuances do que isso.

Os momentos mais brilhantes do quatro são como quando você está comprando camisinha pensando no que vai vir depois, e por isso o ato em si já é prazeroso. A ansiedade em saber que logo depois dessa luta magnífica contra a Laughing Octopus eu vou ter o maior exemplo de atenção aos detalhes do jogo, que é ter que seguir a Naomi prestando atenção nas dicas que a floresta te dá. Saber que vou aproveitar o silêncio de Shadow Moses logo antes de uma luta que não é minha, mas do Raiden, e que vai durar quanto tempo a minha durar, ocupando metade da minha tela, e mesmo eu sabendo todos os movimentos ainda vou olhar lá porque é tão bem dirigida.

Hideo Kojima dirigindo Metal Gear

Hideo Kojima dirigindo Metal Gear

E tudo é muito bem dirigido. Todos os encontros com inimigos são vertical slices, que é o termo que a indústria usa pra descrever uma área pequena do jogo na qual é possível fazer uso de todas as suas mecânicas. Todos os ângulos em cutscenes são sensacionais, toda a escala de cor dos personagens é pensada pra dar o ar de melancolia do jogo, e mesmo cenas de quarenta minutos que mostram um ou dois pontos-chave relevantes não precisam ser resumidas pois todos esses quarenta minutos foram feitos com primor. Dá pra não gostar da história de Metal Gear, mas não dá pra não respeitar o modo como ela é passada – seja nas cutscenes, nos codecs, nos diálogos durante as lutas – tudo o que faz um joguinho ser um joguinho.

Então, pra terminar, Metal Gear Solid 4 é o melhor jogo do mundo? Não. É o melhor jogo da geração? Não. É o melhor Metal Gear? Nem de longe. É um jogo importante? Talvez. É um jogo bom pra caralho? Sim, é, sem sombra de dúvidas.

Pode não contar a melhor das histórias por ser consequência do inconsequente; pode ser uma grande colcha de retalhos de conceitos, pode ser vazio, mas nunca é mal construído ou feito com má vontade. Metal Gear Solid 4 é um problema, um jogo que não deveria existir, mas que, já que existe, faz um trabalho bom. Claro, mesmo assim é melhor do que 90% das outras coisas, mas é inferior aos outros 10%. Ele não tem muito valor próprio e diminui o valor etéreo do segundo jogo, mas ainda faz isso de modo classudo.

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Dito isso, então, dá pra concluir que enquanto MGS4 é como comprar camisinha, MGS2 é como sexo sem camisinha – na hora é bom demais, mas causa tanta preocupação depois que pode ser que nem valha a pena no fim das contas.

(A metáfora pra MGS3 seria algo nas linhas de “sexo sem camisinha, mas com um anticoncepcional que tem 100% de eficácia”).

 

Guilherme Alves “Neozao” é estudioso de game design, tuiteiro profissional e grande entusiasta da bunda do Snake. As origens da sua analogia com camisinhas podem ser explicadas na escola freudiana de psicanálise.

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