NEO AGE RETRO GAMER #13: Scott Pilgrim vs. The World

  2/05/2012 - 15:19   NARG, scott pilgrim,  
 

Visto que aqui analisamos o passado para poder compreender o presente, nada mais justo que também olhemos o presente para compará-lo ao passado, não concordam?

Bem-vindos ao NEO Age Retro Gamer, o spin-off do NARG que pode aparecer aqui vez ou outra para falar desses jogos mais moderninhos (ou não).

Antes de tudo, me sinto na obrigação de começar este NARG afirmando que eu descartei um artigo sobre o clássico River City Ransom em favor deste por uma considerável razão: as duas análises seriam uma e a mesma. Já já eu explico essa porra.

Direto da época que você ainda arremessava controles.

No fim dos anos 80 e começo dos anos 90, havia um garoto que passava uma grande parte de seu tempo livre envolto em meio aos seus jogos eletrônicos. Como muitos outros garotos de sua idade, ele viajava nos mundos que seus jogos apresentavam e tomava estes de inspiração para desenhos e histórias. Mas esse garoto tinha algo de bem diferente: ele era canadense.

Acima: canadenses

E além de canadense, esse fedelho também era Bryan Lee O’Malley, que cresceu e se tornou um cartunista, sendo melhor reconhecido pelo seu trabalho como autor e desenhista da HQ Scott Pilgrim.

Para você que de algum modo nunca ouviu falar do trabalho do O’Malley, permita-me explicar. Scott Pilgrim é um folgado rapaz de 22 anos que toca baixo em uma banda e não sabe muito bem o que fazer com a sua vida. Nosso amável loser conhece e se apaixona por Ramona Flowers, uma nova-iorquina de cabelo colorido que usa sapatos legais, mas para poder namorá-la ele precisará derrotar seus “sete ex-namorados malignos”.

A HQ de Scott Pilgrim conta uma história sobre a tomada de responsabilidades e a entrada do pós-adolescente em um mundo adulto utilizando uma realidade que remete ao nosso cotidiano, mas com regras distorcidas que correspondem às de um fantasioso universo nerd, utilizando em principal a cultura do videogame. Os ex-namorados são os “chefões” que derrubam moedas ao serem derrotados, atalhos pertencem a um submundo em estilo Super Mario Bros 2, e muitas, MUITAS outras referências obscuras a jogos que nem dá pra citar em um só parágrafo.

Acima: hipsters canadenses

A HQ de O’Malley fez bastante sucesso e acabou rendendo um filme, que por sua vez levou à criação da versão interativa que nós aqui falamos. Ou seja: Scott Pilgrim vs. The World (Escoto Peregrino Contra o Mundo) é um jogo de um filme de uma HQ de um jogo. Um trajeto bizarro pra cacete, mas justificavelmente cíclico.

Até que enfim uma imagem do jogo nessa merda

Desenvolvido pela Ubisoft, SPvsTW foi lançado na PSN e XBLA em 2010. Ele é um beat-em-up (porrada de rua) para até 4 jogadores simultâneos, com música de chiptune pela banda Anamanaguchi e gráficos com pixels gigantes sob supervisão da mente perturbada do artista Paul Robertson. O jogo é quase uma carta de amor aos jogos de 8 e 16-bits – nada mais justo, visto que a HQ em si é uma novelização de um mundo real-gamístico retrô. Eles apenas desenvolveram o jogo pensando na época em que ele realmente deveria ter existido.

Doki Doki Hipster

A questão em si é que SPvcTW não foi desenvolvido apenas na ideia de ser “um jogo de beat-em-up”. Todas as características dele foram escolhidas de forma bem específica sobre como seria “o jogo perfeito de Scott Pilgrim” na visão do O’Malley. Na época que o desenvolvimento do game não era nem suposição, ele citava inspirações de outros jogos e mecânicas de jogo em um post de seu blog (o qual infelizmente não consegui reencontrar a tempo desta matéria).  Exemplos incluíam um mini-game musical a lá Space Channel 5 (que adentrou o game de forma mínima, disfarçado como Guitar Hero), modo cooperativo, níveis de evolução, dentre outros. (Trivia: Space Channel 5 também é a razão pela qual todos estão cantando durante a batalha contra Pattel no HQ)

Ninguém parece estar levando essa porra a sério

Apesar de pequenas referências a vários outros jogos serem presentes tanto no jogo quanto na HQ (cogumelos, a Triforce invertida, o Chaos Theater de EarthBound, Roxie explodir em animais a lá Sonic), a inspiração suprema do jogo é, induscutivelmente, River City Ransom. O clássico jogo de porrada de rua da Technos Japan pro NES (e seu remake pro GBA) te punha no controle de um estudante de um colégio cuja namorada foi raptada pelo líder de uma escola rival. Seu objetivo era ir desde a sua escola até a do rival enfrentando vários bam-bam-bans das outras escolas. O jogo era reconhecido pelo seu modo cooperativo, estilo “cartoon” expressivo e bem humorado, possibilidade de usar itens e sair jogando objetos e até pessoas de um lado pro outro, e inimigos que gritavam “BARF!” ao serem derrotados. Você ganhava dinheiro derrotando os inimigos e podia usar sua grana para comprar comida ou itens que melhoravam os seus status ou te davam técnicas novas, os quais eram adquiridos nos vários shops temáticos distribuídos pelo jogo. Um dos aspectos levemente infames do jogo era que você não tinha como saber quais stats um item melhoraria, e a única forma de descobrir era comprando o dito cujo.

…tudo – TUDO – que eu descrevi aí em cima está presente em Scott Pilgrim vs The World exatamente da mesma forma. Muito além de uma mera inspiração, o jogo da Ubisoft é praticamente uma sequência não-oficial ao clássico título do NES.

Trivia pra quem leu a HQ: lembra da história que o Scott imaginou ter vivenciado ao salvar a Kim de um sequestro na época do colegial? A escola rival, o cara de roxo no terraço… tudo aquilo é a história de River City Ransom do início ao fim. “Scott” provavelmente era tão viciado no jogo quanto o autor, e fantasiou aquela história a partir da do game.

Mas enfim, esse review ainda é de Scott Pilgrim. Escolha o seu hipster favorito e parta pra sair dando porrada em outros hipsters! Você tem um botão de ataque regular e outro de ataque forte, além de um de defesa e um especial que recupera um pouco da sua energia. Você tem um medidor de vida e um de Gut Points, que servem para golpes especiais e também te “revivem” quando você é derrotado (igualzinho a River City Ransom). Você pode pegar armas espalhadas pelo cenário para atacar seus inimigos, além de arremessá-las de um lado pro outro, perigando acertar tanto inimigos quanto seus próprios aliados (igualzinho a River City Ransom). Quando derrubados, os inimigos podem ser carregados, usados como uma arma (!) ou arremessados, ou então você pode usar golpes baixos para continuar acertando eles durante esse tempo (igualzinho a River City Ransom). Apesar de possuir níveis, seus stats só melhoram a partir da compra de itens especiais. O shop com o melhor custo-benefício é a loja de música que não é lá tão longe do início do jogo… tudo, tudo igualzinho a River City Ransom. Não é nem um pouco sutil, e nem é pra ser.

Mas o fato de ser tão inspirado em um título anterior não é algo ruim, visto que RCR é um grande clássico que é divertido até hoje. SPvsTW também apresenta ideias novas. O jogo utiliza um sistema de evolução no qual você começa no nível 1 e vai evoluindo à medida que derrota os inimigos. O problema é que subir de nível não muda bosta nenhuma dos seus status; ao invés disso você ganha novas habilidades, como um ataque enquanto corre ou uma voadora especial. É um bom modo de apresentar as habilidades pouco a pouco e não deixar o jogador atordoado com muita informação de uma vez só, mas o fato de você receber elas tão vagarosamente quer dizer que o início do jogo é consideravelmente lento e até meio monótono (rolar/esquiva devia estar disponível desde o começo!) .

É um contraste esquisito – você inicia o jogo com um personagem tão lento e pífio que mais parece que você está jogando Double Dragon (também da Technos Japan, e refenciado na HQ pelos Katayanagi Twins), e após uma hora de jogo já tem um personagem ultra foderoso e rápido que destrói os chefes com cinco golpes (se você souber que itens comprar). Ele começa mais difícil do que termina. Para um jogo que incentiva o multiplayer cooperativo imediato, sua “learning curve” é bastante íngreme e acessibilidade não é lá o seu forte. Para evitar confusão, acho recomendável uma lida rápida no “Readme” presente no jogo, além de uma olhada em quais itens são os melhores a se comprar quando começar uma nova partida – esta pode ser a diferença entre ter um time que vai derrubar os chefes (o que é bem supimpa) e um que não vai nem conseguir arranhá-los (o que é bem frustrante).

Para todas as outras existe Mastercard

Quando eu descobri que o jogo estava sendo feito pela Ubisoft, fiquei tão ansioso quanto preocupado. Fiquei ansioso porque o estúdio de Montreal da empresa já tinha feito o bacana TMNT pro GBA, e fiquei preocupado porque Ubisoft muitas vezes é sinônimo de controle de qualidade precário e bugs pra cacete. Os dois se tornaram verdade. SPvsTW é divertidaço, mas caralho, é possivelmente o jogo mais bugado que eu já vi em toda a minha vida. Nunca antes vi um jogo congelar tantas vezes em tão pouco tempo – daquelas brutais mesmo, que nos obrigam a remover a tomada do console. Telas pretas, inimigos que nunca apareceram, chefes que morreram e continuaram em pé, congeladas estúpidas ao sair de uma mera porta – é um negócio tão crítico que mesmo após um patch, nós nunca conseguimos terminar o game quando jogando no console de um amigo nosso de tanto que o mesmo travava, e não foi por falta de tentativas. Por outro lado, na casa de uma outra pessoa conseguimos começar e terminar o game numa mesma tarde sem nenhuma interrupção. Vai entender.

O “bug” dos gráficos corrompidos é uma piada proposital. Todo o resto, não.

Scott Pilgrim se inspira com algumas liberdades na narrativa de cada um dos volumes da série, e fanservice é o que não falta. Os ambientes são bonitos e bem vivos, há inúmeros personagens secundários aqui e ali e um monte de referências a outras questões do mundo dos jogos (como o Subspace ter gráficos propositalmente corrompidos, rementendo á época do cartucho). A música retrô da Anamanaguchi também é bacaníssima, e eu pessoalmente considero uma das minhas OSTs favoritas dos últimos anos. Destaque para a música da primeira fase, Another Winter:

O fato de eu ter enfocado tanto nos problemas do jogo não quer dizer que eu não tenha gostado dele, muito pelo contrário. Com um grupo de amigos que sabe o que está fazendo, Scott Pilgrim é uma grande diversão.  Eu lamento pois acho uma pena que estes defeitos estejam presentes, pois seus empecilhos confundem e frustram o jogador. Um planejamento um pouco melhor – e mais tempo no forno – poderiam ter resolvido uma grande parte destes. Seu ritmo e velocidade são  inspirados nos títulos da Technos Japan, o que pode resultar em algo meio lento pra quem tá acostumado com os da Capcom e Konami.

64-hit Combo!

Quando tudo (milagrosamente) funciona da forma que deveria funcionar, Scott Pilgrim vs. The World é uma grande diversão que preenche particalmente uma carente lacuna, que é a de jogos multiplayer offline nos sistemas HD. Os bugs e a pressa na programação são a coisa mais “moderna” aqui, mas a diversão é bem próxima àquela de ontem. Pra você que está interessado em uma experiência mais old-school ou então uma desculpa pra reunir os amigos no fim de semana, vale a pena.

(Ou então você pode só rejogar River City Ransom pela milionésima vez e foda-se o mundo.)

 

– Scott Pilgrim vs. The World está disponível para PSN e XBLA.
– River City Ransom está disponível no NES e Virtual Console Wii.
– River City Ransom EX (remake do original) está disponível para GBA.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia, finge ser escritor, e acha que entende alguma coisa sobre game design.

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