NEW AGE RETRO GAMER #31: Rez

  18/04/2013 - 18:26   NARG, rez, SEGA,  
 

“You can transform the world into your original Sounds,
Light and Vibrations just by looking and shooting
the enemies. You will discover the brand new time
full of rhythm as well as ecstasy.

The instinct ‘Rez‘ is now finally being released.
Can you really tear yourself from this sense of trance?”

Retirado da capa da trilha sonora oficial do jogo, Rez: Gamer’s Guide to.

NEW AGE RETRO GAMER #31
Rez (DC, PS2, 360)
United Game Artists / Sega
2001

Antes de tudo, por favor: aperte play!

Em uma época onde as narrativas tornam-se cada vez mais pomposas e hollywoodianas na tentativa de serem levadas a sério, eu fico feliz em ver que ainda existe interesse e espaço – mesmo que seja olhando para o passado – para coisas como Rez. Lançado originalmente em 2001 pro Dreamcast e inspirado na teoria artístico-espiritual de Kandinsky, Rez apresenta a sua experiência e narra a sua história utilizando a linguagem mais universal que existe: a linguagem dos sentidos. A narrativa de Rez é a sua música, a sua imagem e o seu movimento.

Kandinsky escreveu sobre coisas como “o som das formas”, linhas e triângulos como uma subjetividade fenomenológica e mais um monte de paradas pseudo pra caralho

Aqui temos uma obra dele. Quem já jogou pode botar a mão no queixo, franzir a testa, e fingir que entende alguma coisa de arte.

O jogo foi desenvolvido pelo United Game Artists, ou simplesmente UGA, um time interno da Sega liderado pelo gênio Tetsuya Mizuguchi. Pra quem não conhece, ele também foi responsável pelos clássicos Space Channel 5, Lumines e Child of Eden, e hoje é um dos cabeças da Q? Entertainment.

Da forma que ele é apresentado, Rez parece bem menos do que é; e julgando como ele foi julgado em sua época, parecia oferecer menos do que de fato oferece. Você controla um avatar virtual polimórfico (leia-se: um bonequinho voador aí) que está invadindo uma rede sutilmente chamada K-Project. A sua missão é tentar salvar uma AI nomeada Eden que carrega todas as informações relacionadas à vida, e que, sobrecarregada de tanto conteúdo, se pôs em um estado de desligamento forçado para se proteger.

…mas não é como se você fosse entender isso logo de cara. Aliás, não é impossível que você terminasse e continuasse sem entender porra nenhuma do que aconteceu. Sim, Rez é desses.

A jogabilidade é no esquema rail-shooter: você só controla a mira, usa um Lock-on para derrotar os inimigos e tenta coletar itens. A Sega tinha dessas, de apresentar rail-shooters que são semelhantes em conceito, mas incrivelmente diferentes em execução. Essa prática decorreu gerações, desde Space Harrier a Panzer Dragoon, até Rez. Considerando que o United Game Artists tinha uma bela galera do Team Andromeda, nada mais lógico.

Segurando o botão de tiro normal em um alvo, o cursor “carregava” para poder lançar até oito tiros simultâneos, ou então você poderia espalhar os tiros em vários alvos diferentes. Os inimigos possuem padrões de número e rotinas de movimento, e vez ou outra eles podem tentar mandar mísseis na sua direção, os quais você deve destruir para se defender. Um outro comando é o Overdrive, que é uma função limitada no estilo “botão do pânico” onde seu avatar passa alguns segundos mirando e atirando desenfreadamente em qualquer coisa que esteja no campo de visão, ideal para momentos que você está prestes a ser atingido. Fora o tiro comum e o Overdrive, não existem outras ferramentas de jogabilidade.

Desde que foi lançado Rez sempre foi considerado um jogo “meio” musical devido à sua forte atenção no áudio. A trilha sonora é fantástica, mas o jogo praticamente não possui efeitos sonoros sozinho. Quase todos os SFX são criados com as suas ações: de carregar o tiro a travar a mira a derrubar o inimigo, cada pequena ação sua é acompanhada de um efeito sonoro correspondente. Como os inimigos possuem padrões definidos, os sons ficam ritmados de acordo com seu estilo de jogo, o que dá a Rez um leve aspecto de “criador de música” anos antes de coisas como Audiosurf aparecerem. Depois que você acostuma, é impossível imaginar a trilha sonora sem os efeitos sonoros no fundo. Isso fica evidente no frenesi das fenomenais batalhas de chefe que ocorrem no fim de cada fase, com inimigos massivos e resistentes que impôem soberania com seu tamanho e modificam constantemente sua forma e rotina de ataques, garantindo a sua total atenção.

Tanto os inimigos quanto os chefes representam, no universo do jogo, tentativas automáticas de defesa da Eden contra você, tais como os firewalls do seu computador quando você entra em um site pornô e aparece um pop-up. Pegar itens de energia evoluem o seu avatar virtual, o qual vai de um modelo humanóide em wireframes a um humano muito zen relax de boa que fica meditando no ar até uma representação digital de um feto; tal como uma vida virtual. Descrevendo assim parece algo meio bizarro, mas ele carrega um simbolismo bem claro e significativo. O negócio de você estar dentro de uma realidade virtual que possui todo o conhecimento humano é mostrado sutilmente nas áreas iniciais, como quando você entra em uma simulação de uma pirâmide e consegue ver pinturas egípcias nas paredes, e coisas assim.

O jogo inicialmente possui 4 áreas, cada uma com 10 subáreas. Cada uma das subáreas, numeradas de 1 a 10, possuem umas “caixinhas” luminosas que aparecem flutuando sem fazer muito alarde. Atirando nessas caixinhas você acessa mais informações do sistema, (olha aí mais uma influência de Panzer Dragoon!), e se conseguir acertar todas as caixinhas de uma fase você faz uma análise completa daquela área. Conseguir 100% de Análise nas quatro fases é essencial, visto que com isso você abre a última fase, a Area 5 – uma fase tão fundamental para o jogo como um todo que chamar ela de “fase secreta” seria o mesmo que chamar o castelo invertido de Symphony of the Night de área bônus.

A 5ª área é a que explicita toda a trama do jogo, usando palavras para descrever uma não-tão-breve história do nosso mundo e encaixando as peças que eram jogadas em migalhas ao viajante. Essa última área é uma parada tão massiva (e incrível de jogar, diga-se de passagem), que ela sozinha tem duração próxima à das quatro fases anteriores somadas. Ao se aproximar do final dela que você encontra (e… enfrenta?) Eden, em um dos poucos momentos em que existe um diálogo no jogo. As palavras de Eden inicialmente apresentam questionamento e dúvida diante do jogador – alguém estranho e que se aproxima repentinamente. À medida que ele avança, as palavras dela passam a transmitir medo e insegurança. Já no fim, após perguntas e ameaças, ela enfim faz um pedido de socorro e pede para ser resgatada do sistema.

Eden, mesmo sendo uma AI, apresenta uma sucessão de atitudes humanas diante do desconhecido. Na música ao fundo, os samples remixados de voz falaram durante todo o decorrer da fase: “Fear is the mind killer” enquanto narravam a história da criação da vida. Sim; a temática principal de Rez é o conceito da vida, e é sobre isso que ele sutilmente dedica toda a sua narrativa. Nada mal para o que antes só parecia ser um shooter psicodélico doidão pra caralho, né? E se conseguir o final secreto, que exige que você derrote ao menos 95% dos inimigos da última fase (algo beeeem mais difícil do que parece… eu ainda não sei como consegui), o negócio fica ainda mais foda.

Observar Rez por aquela ótica distorcida da indústria de “7,23 para gráficos, 200 horas de gameplay e multiplayer tirado do rabo”, seria um erro fatal. Rez é um “jogo” que você termina em pouco mais de uma hora e meia, e quem passasse batido pela sua seção de extras poderia ser bem capaz de achar que ele é só isso mesmo e criticá-lo pela sua suposta curta duração. A questão é que Rez não é um jogo tradicional, e eu acho que analisá-lo como um jogo tradicional seria não apenas uma puta injustiça como também uma atitude retrógrada a quem acredita que videogames podem ser uma mídia com forte narrativa.

Rez é uma viagem cinestésica, uma bad trip psicodélica; e ele é, mais que qualquer coisa, uma experiência. Ele foi à frente do seu tempo, e por mais que isso não o tenha impedido de ser cultuado, eu sinto que ele ficaria mais “confortável” se posto lado a lado com esses jogos recentes como Journey, Flower e Braid que usam métodos sensoriais e esquemas incomuns para incrementar as suas narrativas. Dear Esther? não, nem fodendo

Rez é tipo o seu filme favorito, que mesmo que você saiba o que vai acontecer, nada te impede de aproveitar cada segundo novamente. É o tipo de coisa pro escapista esporádico, que deseja mergulhar naquela vivência e esquecer do mundo por alguns minutos, mas não tem tempo (ou vontade) de se afastar do mundo real por mais do que isso. Cada vez que você encara uma nova viagem, você sente que saiu ainda melhor e mais estasiado do que antes, como se você houvesse absorvido algo daquilo.

Como muitas coisas na vida, eu acredito que sua primeira vez com Rez não vá ser a melhor de todas. A primeira jornada é aquela onde você vai estar pegando as manhas, vai morrer algumas vezes, e enfim, se bater um pouquinho. Da segunda vez em diante você já vai saber melhor do que fazer, e se preferir, pode até escolher um modo onde seu avatar é invencível e você só fica lá curtindo numa boa (não recomendo, mas aí é contigo). O jogo tem uma penca de desbloqueáveis, que por mais que não mudem muita coisa, estimula os replays.

Fora isso, aquelas recomendações de sempre: luz desligada, som beeem alto, e ah, o Rumble ligado é absolutamente obrigatório. Sério, Rez tem, indiscutivelmente, o melhor uso de Rumble que eu já vi na minha vida. Quando você já estiver mais confiante nas suas habilidades, recomendaria também desligar o HUD – faz uma diferença danada. E como você provavelmente já se ligou, jogar bêbado também é do caralho.

O Rez Trance Vibrator era uma acessório USB que funcionava como um segundo Rumble, tremendo no ritmo da música. Ele não tinha um modo ou lugar correto para ser utilizado, deixando isso pra criatividade do jogador. Como eu já sei que vocês tão pensando em bobagem, só digo uma coisa: internet tá aí pra isso.

Eu acredito que videogames são uma forma de entretenimento que ainda buscam um reconhecimento amplo pelo público, mas tropeça por enfoques limitados e por tentar  simular demais coisas que já existem mundo afora e esquecer das forças exclusivas de sua mídia – principalmente no que se trata do poder da interação, o qual detém exclusividade. Não é que eu seja contra as histórias em games, mas eu sinto que existe muito mais para a indústria explorar do que apenas ficar recriando cutscenes e mais cutscenes na tentativa de se passar por um filme Hollywoodiano. Existem inúmeras formas de se contar uma história; e eu tenho um apreço especial por aquelas obras que compreendem tão bem o seu poder em serem únicas que proporcionam algo que não poderia ser replicado em qualquer outro lugar.

Hoje em dia, muitos se perguntam se games são arte. É uma discussão que eu pessoalmente acho cansativa e que não vale o esforço – me abstenho de tomar uma posição simplesmente porque eu acho que essa parada já deu no saco faz tempo, e não é como se bravejar de um lado ou de outro fosse mudar coisa alguma. Mas se, por qualquer motivo, alguém me pedisse por um exemplo, eu não teria a menor dúvida: Rez ia ser o primeiro título que ia aparecer na minha cabeça.

- Disponível para Dreamcast, PlayStation 2, e remasterizado em HD para Xbox 360.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia mas finge ser comunicador. Acha que entende alguma coisa sobre design de games.
  • tfantoni

    "Hoje em dia, muitos se perguntam se games são arte. É uma discussão que eu pessoalmente acho cansativa e que não vale o esforço"

    pra mim só é cansativa porque a maioria das discussões que já presenciei a respeito até o momento sempre caíam no mesmo senso comum de usar o termo ''arte'' como valorativo, e, portanto, sempre se resumia a uma meia dúzias de jogos "artísticos". eu ainda vou escrever a respeito, mesmo que isso não tenha fins práticos pra usuários comuns como nós – parafraseando o ludobardo, "games são arte? isso importa?"

  • http://www.facebook.com/pulsotwero Samir Montalvão Fraiha

    Não conhecia esse, valeu pelo NARG, Rod!
    Vou procurar a versão do PS2, tava pensando em recorrer aos meios ilícitos, mas como o rumble se tornou algo obrigatório, irei para a versão mais próxima de mim.

    Adoro esses jogos que a princípios parecem esquisitos, mas tem uma mensagem oculta (ou nem tão oculta assim) foda pra caralho, sem falar que tudo sendo refletido na forma de jogar.

  • eltonbm

    Não posso negar que estou surpreso. Embora tenha dedicado um bocado de horas para a versão do DC, e que a coleção Qubed(Rez, E4 e Lumines) foi o primeiro jogo original que comprei para um console, e ainda sim sua resenha/crítica me ajudou a rever algumas coisas. Inclusive vou aproveitar este final de semana para passar mais uma vez por Rez e logo depois dar um pulo em Child of Eden. Acho que vai ser interessante.

  • tfantoni

    Agora que li o texto inteiro com calma, farei mais um comentário quanto à seguinte afirmação:

    "[..] principalmente no que se trata do poder da interação, o qual detém exclusividade"

    Não. Não detém, nunca deteve e (muito provavelmente) jamais deterá.

    Jogos podem ter a interatividade como seu maior "trunfo" quantitativamente, mas afirmar que isso é uma exclusividade da mesma é um reducionismo da porra. Várias outras mídias já usaram a interatividade, o que muda é a intensidade e frequência. Sabe aqueles livros e filmes em que você escolhe os rumos da história e personagens? Pois é. Sabe aquelas peças teatrais em que o público intervém, quebrando a quarta parede? Pois é. Não é porque a interação acontece em meios diferentes que deixará de sê-la.

  • Anarcker

    Muito bom mesmo (o texto e o jogo). XD

    E uma pena a Sega não lançar esse aí em HD pra PC também.
    Nunca cheguei a pegar os 95% da última fase, mas o jogo é uma viagem e, de fato, só na última fase é que eu realmente comecei a entender algo na época que eu joguei. 😛

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