Que poético: meu texto de número 100 aqui no GAMESFODA na verdade é o meu primeiro post piloto, escrito há quase um ano atrás antes de eu entrar para o site, e nunca publicado até agora. Claro que precisamos dar uma editada e uma mudada no conteúdo original, mas está aí, ainda relevante de certo modo (infelizmente) um ano depois de escrito em ira.
Se você é um jogador ativo em qualquer jogo online de grande escala, com certeza sabe da fama que brasileiro tem de arruinar a diversão alheia. Na visão dos gringos, o nosso espírito virtual é o eterno “HUEHUEHUE GIBE MONI PLOX”, com aquela atitude despreocupada e brincalhona de quem não leva nada a sério. Caso você seja ainda mais ligado nos sites estrangeiros, sabe que essa fama já passou da simples jogatina e hoje invade fóruns, blogs e praticamente qualquer lugar que brasileiro possa estar virtualmente.
Vamos começar esclarecendo que, atacando a atitude de muitos brasileiros, eu não estou defendendo o resto do mundo. O principal problema é que o jeito de agir de grande parte dos jogadores verde e amarelo não é só uma zuera forte com os estrangeiros. Todas as manias e posturas a serem ditas aqui acabam afetando a nós mesmos e a maneira como jogos eletrônicos são tratados no Brasil, ou seja, sem seriedade alguma.
“Você tá levando isso muito a sério!”
Não importa o que você faça e nem com que intensidade, em algum momento vai surgir alguma dificuldade maior no meio do percurso. Seja durante a produção de um jogo ou durante sua épica escalada até o level 85 do seu Paladino, mais cedo ou mais tarde vai dar alguma merda e você vai acabar estressado. Durante o seu desabafo, amaldiçoando um bug ou reclamando da distribuição do loot, sempre vai ter alguém para apontar que você está levando tudo muito a sério.
E quem melhor pra achar que as coisas não devem ser levadas a sério do que os Brasileiros?
Para quem está de fora pode parecer até babaca gastar sua energia e tempo em joguinhos, algo que ainda deve demorar muito para que ser reconhecido como algo sério e respeitado em nosso país. Tem pessoas gastando tempo que não têm para fazer jogos que não sabem se vão dar certo, ou treinando para atingir um nível mais competitivo e profissional em um jogo. Tudo o que essas pessoas não precisam é de alguém fazendo pouco caso do empenho deles.
Invejinha Virtual
Em muitos casos, isso é quase uma variante ou especialização da atitude anterior. Aqui se enquadram os caras que já estão relativamente bem inseridos no mundo dos joguinhos eletrônicos e têm certo respeito pela coisa, mas possuem aquele recalque misturado com ignorância que os faz desacreditar nossos melhores representantes.
Sei que pode não parecer para vocês, leitores do site que manjam da qualidade do trabalho da nossa galera Indie, mas apenas uma minoria de brasileiros consegue colocar fé nos desenvolvedores e jogos daqui. Todo o resto está pela internet botando olho gordo em qualquer trabalho que não seja gringo. “Brasileiro não consegue fazer jogo bom”, “brasileiro não pode ser um bom jogador profissional”, “arte de Brasileiro é um lixo”, “Brasileiro não manja fazer site bom de games” etc. O pessoal adora gorar.
E quando alguém daqui ganha destaque internacional, provando que essas presunções estão erradas, a turma insiste em não apoiar. Eu sei que isso pode parecer um discurso de mãe orgulhosa, mas não consigo explicar esse fenômeno sem associá-lo com inveja de quem está obtendo sucesso. É muito mais fácil mascarar esse sentimento criticando cada mínimo detalhe de maneira destrutiva do que dar aquela força, ou tentar fazer a diferença também.
Sei também que muitas das pessoas afetadas por esse tipo de atitude aprenderam a relevar e a rir com a situação, mas isso acaba gerando uma cultura do “deixa pra lá”, que é justamente um dos fatores que impede nosso crescimento e reconhecimento interno. Mas, ao menos enquanto essa mentalidade continuar, é bem compreensível a escolha de diversos desenvolvedores brasileiros de não lançarem seus jogos em português.
Falta de Feedback
Esse ponto também é tão culturalmente brasileiro quanto acarajé e samba. Brasileiro NÃO dá feedback. Ponto final, fecha a casa. Sério, até aqui no site, onde a galera é mais esclarecida e tá dando uma força sempre que pode, às vezes não recebemos tanto quanto poderíamos para continuar progredindo.
Vivemos num país onde somos obrigados a aprender a conviver com oportunismo e sofremos muito com isso de maneira direta ou indireta. Sempre tem aquele cara que engrandece o trabalho do chefe pra ficar bem na fita, ou o dono de restaurante que deixa a refeição por conta da casa pra um político importante. Com esse jeitinho brasileiro, ficou estipulado na cabeça da nação que elogiar é chupar rola ou querer algum benefício de volta.
Uma pessoa entra num site bacana ou lê um texto interessante e simplesmente NÃO escreve que gostaram do conteúdo, seja por comentário, e-mail ou o que for. Por que você o faria, não é mesmo? O que tem a ganhar em troca? Ou pior: vai que o dono do site acha que você tá pagando pau?
É claro que feedback não envolve apenas elogios, podendo vir em forma de crítica. O fato é que a lógica é a mesma (e, quem sabe, fazendo um combo com a parada da inveja), o povo não vê razão em criticar construtivamente alguém. Afinal, críticas são apenas para humilhar e diminuir o terceiro, correto? Mais um paradigma de uma geração de trolls.
E aí? O que isso importa?
A maioria das coisas ditas aqui, tenho que confessar, acontece também em outros países, claro. Mas creio que não preciso dizer que o assunto de jogos eletrônicos no geral é tratado de maneira mais séria em outros países também. A desunião e descaso são tão aparentes por aqui que soa até estranho dizer que somos somos uma comunidade. Mas mesmo assim você pode perguntar: que diferença faz sermos desunidos? Isso importa mesmo?
Bom, amigos, importa muito.
Quando digo que isso afeta a maneira como jogos eletrônicos são vistos no Brasil, não digo apenas sobre o respeito que o assunto recebe ou sobre os problemas que temos quanto à importação, venda, e produção de jogos. Envolve também a tudo que rodeia isso. E se, quem sabe, estamos melhorando em alguns setores, em outros estamos vivendo um pré-steampunk metafórico. Um sonho de crescimento, sem as ferramentas para alcançá-lo.
Como vender um site/jogo/ideia/arte para pessoas dispostas a pagar ou financiar isso quando tudo que o povo com verba vai ver são críticas péssimas e opiniões desfavoráveis vindas do nosso mercado interno (que, ao menos para os investidores locais, seria o público alvo)? A atual atitude da massa favorece produtoras grandes e sites copy pasta, que são fáceis de vender pra quem não entende merda nenhuma do assunto (leia-se: quem é dono da grana), por serem de renome ou pertencerem a um portal já conhecido. Desfavorece o produtor indie com ideias novas, os sites e blogs que geram conteúdo próprio e acrescentam opiniões além do CTRL+V, e projetos que jamais sairiam do chão sem apoio popular.
Parte daí, também, a explicação de por que não temos tantos eventos de jogos eletrônicos atualmente em nosso país, ou por que diversos desses acabam morrendo. O povo não vai e se vai não aprecia. Se apreciar, não demonstra, não abre a boca, não mostra a cara. Se não apreciar, zoa tudo, não ajuda, não critica construtivamente. A massa quer só jogar, não quer debater, falar e discutir. A maioria quer rir e trollar, porque ser sério e maduro às vezes com uma coisa que você gosta pra caralho é coisa de nerd perdedor, não é mesmo?
Chega até ao ponto da galera menos esclarecida colocar à frente de decisões simples e resoluções de pouca importância qualquer oportunista que consegue falar um pouquinho melhor (e, sem citar nomes, nem fala tão bem assim) e articular os interesses da “comunidade”. Esse é o ponto onde estamos: tão perdidos que não temos nem condição de tomar as rédeas da situação e definir o que realmente queremos, largando tudo nas mãos do primeiro espertão que aparece.
Colocar pessoas como mencionadas acima à frente de escolhas que poderiam melhorar a realidade dos jogos eletrônicos no Brasil atualmente é uma consequência lógica. Pessoas assim são como o Batman: não é o herói que a gente quer, mas o herói que a gente merece (no mau sentido). Elas têm a exata mentalidade que o pessoal trollador e ignorante têm, não compreendendo a comunidade independente e com pouco contato com as pessoas que realmente se importam com o assunto no país. Se não cito nomes diretamente não é por medo de me sujar, mas por ser irrelevante: enquanto o comportamento geral não mudar, sempre vai ter um oportunista que não entende merda nenhuma liderando todos que aplaudem qualquer porcaria sem pensar.
É óbvio que nem todos fazem parte do podre da maçã, como sabemos pela participação construtiva dos nossos próprios leitores, e é triste ter que esclarecer coisas que soam um tanto quanto óbvias, como se eu fosse um diretor dando bronca em um aluno da quinta série. Mas tem que ser feito. Temos que tentar fazer o conceito mudar. Não podemos aceitar as posturas atuais como sendo “normais”.
O povo do Brasil é um povo bem humorado, que sempre gostou desse jeitão de brincadeira e descompromisso, mas as coisas acabam por se confundir demais. Vejam que essas críticas estão em um site conhecido por sua zueira, coisa que a gente não nega e tem até orgulho. Mas, mesmo com toda brincadeira e informalidade que passamos às vezes, temos um puta respeito e seriedade com o que fazemos e como tratamos o assunto de jogos eletrônicos. Falta discernimento para entender o que é zuera descontraída e o que é pura chucrice e infantilidade.
Se não criticarmos, não apontarmos os erros e não ficarmos putos com a situação, todos temos uma parcela de culpa no caso. Enquanto tiver uma galera enorme levando o tal do “Brasil dos Games” nesse jeitinho brasileiro de ser, trabalhar e viver de games e para games no Brasil continuará impossível, ou pelo menos um puta de um sufoco.
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