Qualé a desse tal de… The Last of Us: Left Behind

  17/02/2014 - 19:50   dlc, Last of Us, left behind,  
 

Eu não queria que The Last of Us tivesse um DLC. A primeira coisa que eu pensei quando terminei a campanha principal foi “puta merda, Naughty Dog, nunca mais toque nesse universo”, pois tudo o que importava já estava contado e feito ali. Eu digo isso de uma maneira positiva: TLoU era completo, era uma coisa com começo, meio e fim. Não era um “nunca mais” de “não aguento mais”, era de “deixa descansar que já tá ótimo assim”. Pra mim foi um dos jogos mais importantes da geração passada por não fazer muita coisa nova e sim marcar o que já foi feito de modo excepcional.

Então a Naughty Dog anunciou que faria um DLC single player, o primeiro da história da empresa, e eu fiquei meio com a pulga atrás da orelha. Depois disseram que era anterior aos eventos principais, focado na Ellie, e a pulga parou de coçar tanto. Não ia estragar aquele final sensacional e eu poderia aproveitar mais do level design do jogo. O que eu teria a perder? Na pior das hipóteses a história não importaria, mas se The Last of Us não existisse a história dele também não importaria, sabe? Histórias de ficção só importam se elas existirem, no fim das contas. Mesmo quando temos a sensação de “porra, era isso o que eu queria desde sempre”, na real não era, essa é só a impressão que fica.

ellie

A noção de que “queríamos tal coisa desde sempre” só acontece quando nós vimos algo fazendo algo muito bacana ou algo que não consideramos tão bacana. “Ai, eu só queria que Bioshock Infinite fosse um adventure e não um shooter”, aí quando fazem um DLC com elementos de adventure não funciona tão bem quanto parecia na nossa cabeça. Vê: fulano tá criando expectativa por algo que nem existe pra tentar justificar o gosto ou desgosto por algo que existe, e aí quando fazem ou não fazem, ele se decepciona. Eu nunca quis que Bioshock tivesse menos combate, assim como eu nunca quis que The Last of Us tivesse menos combate também ou que eu pudesse jogar mais com a Ellie. Eu descubro se gosto ou não das coisas depois de conhecê-las, não antes, pois aí estou vendo em primeira mão se aquilo funciona ou não. Parece meio alienígena no mundo dos videogames isso de gostar ou desgostar de algo só depois de conhecer, né? Só pode ser louco esse Neozão.

Enfim, saiu o DLC. Depois de bastante tempo baixando os 5GB que contém arquivos de vídeo e áudio já que a maioria das texturas e modelos já estão no jogo, eu iniciei. A primeira coisa que aconteceu quando eu apertei o X no “Left Behind”, da tela principal do jogo, foi ele perguntar se eu queria conectar o facebook e deixou claro que seria pra uma coisa inofensiva. Disse que não ia incomodar ninguém, que só aconteceria uma coisa durante o jogo e que postaria essa coisa uma vez. Eu conectei, né, acho que não teria nada mais vergonhoso do que o padrão que aparece no meu facebook. Nesse momento eu já fiquei meio “assim” de novo: o jogo principal prezava tanto pela ~imersão~, desativando os trophies na primeira vez que tu joga pra nada atrapalhar, como é que ele ia integrar com redes sociais e não quebrar isso? Mas deixei pra lá e comecei a jogar.

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Me surpreendi ao notar que o jogo não era apenas uma prequel, ele tem duas linhas narrativas diferentes – uma que se passa antes mesmo, com a Ellie e sua amiga Riley em um passeio pelo shopping, e uma que se passa no meio do jogo principal, também em um shopping (embora não o mesmo). Esse paralelismo é bem sutil no começo, afinal tá tudo meio destruído então qualquer coisa pode se parecer com um shopping, mas conforme a história vai passando, indo e voltando entre os eventos anteriores e atuais, tudo vai se encaixando de maneira brilhante. Cada uma das partes pega um pedaço do jogo e o leva ao seu limite – uma preza pela narrativa, pela relação entre as duas amigas, pelo descobrimento de coisas banais pra nós mas surpreendente pra elas. A outra parte lembra mais o jogo principal, com combate, conflito, stealth e tudo o mais. Com esse vai-e-vem entre os dois pedaços nada parece demasiado ou forçado e o design das partes de combate é fenomenal. Eu não precisei dar sequer um tiro em mais da metade dos encontros em áreas hostis, deu pra ser furtivo em praticamente todas elas ou melhor: fazer armadilhas pra que humanos e infectados se enfrentassem entre si, deixando o caminho livre pra mim com a discrição necessária.

É bom deixar claro, no entanto, que em nenhum momento o jogo me disse “você pode fazer eles se enfrentarem!” em uma mensagem piscante na tela. Eu vi a situação dos dois em áreas relativamente próximas e resolvi experimentar pra ver quais eram os limites do jogo. Me senti surpreso quando, além de criar um combate não-scriptado entre as duas facções, a Ellie comentou algo sobre deixar eles se matarem. Apenas depois, não antes. Isso é fenomenal, visto que a maioria dos produtores procuram deixar claras quais são as mecânicas possíveis e não possíveis, enquanto dessa vez quem teve que descobrir fui eu. Pra quem achava que The Last of Us tinha muito combate, esse DLC veio pra mostrar que talvez tivesse mesmo, mas que ele era muito mais robusto e cheio de possibilidades do que achávamos que era.

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Quanto a parte de Ellie e Riley passeando é mais difícil de escrever sobre sem estragar nenhum momento específico. O que posso dizer é que o jogo faz uso de suas mecânicas de combate, stealth e narrativa de modo completamente inocente e não-violento, mais uma vez reforçando que suas mecânicas são bastante maleáveis. Ele brinca consigo mesmo, com a nossa noção de videogames e com o que esperaríamos dele. É banal, como as coisas num geral da vida são banais, e por isso é tão natural. É natural como o facebook é natural nas nossas vidas, mas não na das protagonistas.

Lembro quando o Phil Fish começou a jogar a campanha principal e, ao começar a primeira cena de combate, ele lamentar perguntando “afinal, por quê sempre tem que ser um cara com uma arma?”. E realmente, qual o motivo pra isso? Dá pra responder com outra pergunta: por que sempre tem que ser um bonequinho carismático pulando? A resposta pra essas duas é: porque não importa. Não importa se for feito do jeito certo, de jeitos diferentes e criativos. O Mario pulando na cabeça de um Goomba é como o Gomez, de FEZ, pulando pra pegar um cubo. A mecânica é a mesma, mas é usada em um contexto diferente que dá uma roupagem completamente nova. Segurar L1 pro Joel mirar sua pistola e apertar R1 pra atirar em um Clicker é, mecanicamente, igual a mirar com L1 sua arminha de água e apertar R1 pra soltar um jato na sua amiga, mas o contexto diferente dá uma roupagem completamente nova.

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Ao começar a jogar, resolvi contar quantos tiros eu estava dando. Quando cheguei no sexto e tive que recarregar a arma, deixei essa contagem pra lá, pois não importa. Se eu tivesse continuado contando, eu deveria considerar os jatinhos de água como tiros?

The Last of Us: Left Behind não chegou a durar duas horas. Eu repeti algumas cenas por curiosidade e algumas por ter morrido, mesmo. Também repeti uma pois sem querer tinha escolhido “não” na hora de compartilhar no facebook. Com essa polêmica recente do Metal Gear Solid Ground Zeroes ter a missão principal curta, Left Behind vem pra provar que se em um jogo linear isso não tem problema algum, em um aberto terá menos ainda. É só saber desenhar bem esse tempo e torná-lo relevante do modo que seja. E não digo “contar uma história relevante”. A de Left Behind não é relevante. Ela é excelente, mas não é relevante. Mas a obra é relevante por ser tudo o que o jogo principal foi, em uma escala menor e enaltecendo os pontos positivos.

A série Uncharted  havia deixado um gosto muito ruim na minha boca, me tornando cínico a qualquer trabalho da Naughty Dog. Joguei The Last of Us não esperando absolutamente nada do jogo e saí surpreendido demais com seu carinho por si mesmo e suas mecânicas. O DLC elevou isso ainda mais, me deixando (pela primeira vez desde Jak 2) ansioso pelo que o estúdio fará em seguida. Se o jogo principal era uma bandeira de “chegamos até aqui” pros videogames, Left Behind é o ato de cravar essa bandeira na lua, acenar pra câmera e notar que os pequenos passos são mais importantes que as bandeiras.

last of us

The Last of Us: Left Behind está disponível na Playstation Store por 15 dólares (exige o jogo original)

 

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • Claudio

    porque foi lançado no Dia dos namorados? well…

    pena que não vou jogar agora, Disco do jogo emprestado. Espero resistir à vontade de comprar a versão digital com Season pass por $60. Podia ser standalone igual os DLCs do GTA IV

    • Neozao

      Cuidado com os spoilers, cara!

  • Dingo Egret

    O problema do Ground Zeroes não é a campanha curta ou alguma preocupação de que ele não seja bom por causa disso. O problema é ter uma campanha curtíssima, ser apenas um prólogo e custar caro para essa duração, por melhor que seja o game…. era só botar um precinho camarada que teria evitado, pelo menos em parte, todo esse bafafá. É como pegar o esse DLC do TLoU e vender por 40 dólares. ……

    • Neozao

      mas o ground zeroes é vendido por 20 dólares na Store do PS3 :v
      Lembrando que as versões físicas só existem porque os próprios fãs pediram, era pra ser um jogo apenas digital.

      • Kyo

        Sem contar que 40 dólares é o preço FÍSICO da Nova geração. A edição física de PS3/X360 é 30 dólares (que será convertido de alguma forma pra 200 reais aqui)

  • Pedro Emanuel Carneiro

    Cara, parabéns pelo texto. Sua redação foi excelente e, apesar de eu não ser o gamer que gostaria de ser por falta de dinheiro, mesmo, eu assisto a diversos gameplays e principalmente dos canais NerdCubed e do BRKsEDU. O Edu está com uma série de The Last of Us: Left Behind, e o seu texto mostra o quanto o videogame é uma arte (e deveria estar entre as belas artes) e o quanto consegue mudar nossa concepção da realidade e nossa recepção a posturas e atitudes inesperadas de outrem. Novamente: Parabéns pelo texto, e já peço que continue assim e melhorando. Você acaba de ganhar um leitor. :)

    • Neozao

      Fico muito agradecido pelos elogios! Continue acompanhando o site e comentando, é bastante importante pra gente :-)

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