Imagine um filho (bem feio de rosto) do Kratos do God of War com aquela velhinha que morreu no começo do desenho Up. Além de dar uma ótima fanfic (a qual um dia quem sabe eu escreva completamente, em sórdidos detalhes), é mais ou menos assim que eu vejo Knack.
Não é somente aquele clichezão comparativo idiota de que é “a mecânica do jogo do Deus da Guerra com gráficos dos desenhos da Pixar”. A comparação aqui é que às vezes você acaba herdando dos seus pais algum indesejado atributo e não aquele que lhe seria mais bem aproveitado. É como ser um filho homem da Angelina com o Brad e herdar os seios da mãe e a paunocuzisse do pai, com tanta coisa melhor pra ganhar geneticamente.
O jogo do nosso robozinho de lego do futuro claramente herdou as habilidades narrativas do pai, por exemplo. Tivesse herdado da sua mamãe, com certeza mereceria uns pontinhos a mais na escala de Reviews com Notinha®.
A história é basicamente: tem uns duendes (sim, essa é a tradução de goblin) zoando por aí, e um doutor que achou um robô em umas ruinas tem que descobrir por que esses monstros tão dominando tudo. Basicamente dá pra adivinhar todos os plot twists que vão acontecer lá pra frente logo nos primeiros minutos de jogo. Você acaba até se negando a acreditar que alguns desses artifícios serão usados, culminando em uma grande surpresa quando eles tomam a péssima decisão de realmente colocar aquilo no roteiro.
Prosseguindo na árvore genética, infelizmente a senhorinha do Up que cedeu os genes da mecânica e progressão de jogo não manja porra nenhuma de videogames. Não que se ele houvesse herdado essas coisas do pai seria uma pérola dos jogos, mas a linha é essa: mecanicamente ele é pior que God of War.
Todos os poderes que você ganha são válidos apenas para uma fase, impedindo você de usar qualquer um deles de maneira criativa, prendendo as únicas novidades no design repetitivo às escolhas de roteiro. Não existe uma fase sequer que você precise pensar e usar um poder determinado para resolver certa situação, nem se comprometer em evoluir certo poder e postergar outro. Todas as escolhas são feitas pelo próprio jogo e você só precisa descer porrada em quem vier pela frente.
Até mesmo uma das maiores marcas do jogo, que é o fato do protagonista crescer com as peças de artefatos que ele pega pelo caminho, é um engodo pré-programado. Não existe jeito de Knack crescer além daquilo que eles querem que você cresça dentro daquele determinado espaço, não importa o quão bem você jogue. Isso seria aceitável se eles tivessem desenvolvido um esquema onde dentro de certa área existisse um número finito de peças, onde o número máximo fosse o maior tamanho que ele pode atingir ali. Mas o que acontece na verdade é que você cresce até certo ponto, e todas as peças que sobrarem são descartadas até o protagonista chegar a algum lugar da fase que os desenvolvedores permitam Knack crescer.
Então tanto os upgrades de Knack e os seus poderes não chegam a ser mecânicas, mas sim simples ferramentas visuais utilizadas quando, e somente quando, os desenvolvedores permitem. Para ser justo existem alguns upgrades que agregam alguma coisa de boa no jogo, como um medidor de combo que aumenta sua força a cada golpe, e umas armaduras permanentes. Mas todas elas são conseguidas através de peças que você pega ou fechando a campanha diversas vezes (as peças não podem ser coletadas através da seleção de capítulos individuais), ou tendo vários amigos que jogam Knack. E convenhamos: esses dois devaneios não soam nem um pouco agradáveis.
Mas esse é o menino Knack: filho de dois pais pouco prováveis e um rapaz completamente chutado nessa escola que é a vida por esse grande bully que é o Hynx. Mas sabe quando tem uma pessoa estranha pra cacete, sem apelo nenhum que você possa conceber, mas mesmo assim ela brota um carisma lá do cosmos que aflora e conquista praticamente todos que não estão envolvidos nesse bullying metafórico?
Absolutamente todas as pessoas que vinham na minha casa quando eu estava jogando Knack e não tinham contato direto com videogames (e eu tenho bastante pessoas assim na minha vida, por incrível que pareça), ficavam encantadas com o jogo. Queriam saber mais, queriam conhecer essa aberraçãozinha constrangedora que eu estava prestes a desferir mais um murro na boca.
Nesse momento, com meus punhos em volta de seu colarinho, após tanta bordoada em cima do pobre garoto, a visão daquele coitadinho acabrunhado, desejoso de ser um jogo melhor, me fez perceber que na verdade ele não era tão ruim assim. Eu estava espancando ele por que eu era um valentão de escola contratado pela grande gangue Gamesfoda de Valentões da Escola da Vida. Era meu trabalho. Mas no fundo, longe do serviço, a gente poderia até ser amigo se pá.
Por que embora superficialmente Knack seja uma aberração conceitual, ele ainda tem muita coisa legal pra mostrar. A inteligência dos monstros, a disposição dos mesmos dentro das fases, e o padrão de ataque variado de cada um deles deixaria seu pai orgulhoso… quem sabe até invejoso. O apelo visual e a simplicidade com que ele atinge uma gama ampla de públicos mostra claramente que sua mãe lhe colocou algum juízo na mente.
Talvez o maior problema dele seja que ele tenha nascido prematuramente (afinal, foi uma gravidez de risco sendo sua mãe fictícia já de idade – só zuera, nenhuma metáfora aqui, perdão). Em sua provável evolução, na forma de uma quase certa sequência, eu não espero uma coisa que mude o mundo. Mas arrumando aqui e ali, dando mais liberdade para o jogador pensar e criando uma história que pareça menos retirada da bunda, Knack com certeza pode vir a ser não apenas um jogo bom, como uma franquia e um personagem memorável para a Sony.
Infelizmente também sei que toda essa análise não foi lida por ninguém, por que todo mundo ainda está no primeiro parágrafo, horrorizado ao imaginar o Kratos bombando a senhorinha sem dó.
Knack está disponível exclusivamente para o Playstation 4.