Era o dia 26 de Setembro do ano passado quando o meu amigo @nervosdepapel me comentou sobre o tal do Undertale. Não vou negar que tremi na base quando ouvi o clássico “é tipo EarthBound” – quase sempre que alguém joga essa frase no meio é pra descrever algo que não tem nada a ver com EarthBound, só chegando a, no máximo, ter um humor um pouco mais engraçadinho aqui ou ali. Mas eu confiava no bom-gosto desse meu amigo – ele também gosta e entende EarthBound, ntão mesmo sem ter muita certeza do que esperar, resolvi dar uma chance. Quatro dias depois, no dia 30, eu comecei a jogar Undertale.
Olhando agora, mesmo que ele nunca tivesse me comentado sobre a existência do tal jogo, eu invariavelmente teria ouvido falar dele do mesmo jeito – mas ainda assim, eu gosto de agradecer a ele por ter me apresentado tão cedo. Algo em gostar de coisas que muita gente ainda não conhece e bradar pra todo mundo que eu conheço que existe algo especial ali é uma coisa que, por qualquer motivo, sempre me traz uma alegria bem especial.
Undertale de fato era como EarthBound; e não apenas em um nível superficial, mas em um nível pessoal. Não era apenas “engraçadinho”, ou estranho pelo propósito de ser estranho. Era um jogo verdadeiramente interessante, divertido e comovente, e que fazia uma coisa mais competentemente do que sua própria influência: subvertia todos os valores tradicionais de um RPG, ao invés de simplesmente abraçá-los por não conhecer mais nada além de sua maior referência.
EarthBound era um verdadeiro tour-de-force para o marinheiro de primeira viagem aguentar o suficiente para entender o que era especial sobre ele; seu começo é lento, seus menus são antiquados e todo o seu esquema de jogabilidade é tão completamente padrão que vindo da média de RPGs do Snes, você provavelmente esperaria alguma novidade já nos primeiros minutos. Undertale, porém, compreendia essa fraqueza de sua referência e fazia exatamente o contrário: ele já presumia que você tivesse completo entendimento de como tudo do gênero funcionava para virar de ponta-cabeça todas as suas expectativas logo de cara e prender a sua atenção. Enquanto você permanecia pelo simples gosto da novidade, ou curiosidade em ver que outras pequenas surpresas poderiam te esperar na próxima tela, o jogo ia sutilmente desabrochando todos os seus outros diversos valores. Quando o jogador começava a perceber o que estava nas entrelinhas – um significado mais oculto, mais maduro e até mais sombrio – já estava absolutamente cativado, mesmo que não entendesse o porquê.
Perdão, mas que se foda a modéstia: puta jogada de gênio, de verdade. Se tem uma coisa que mostra o que é aprender com e não apenas tentar replicar de suas influências, é isso aí.
Já nos primeiros minutos de jogo, eu estava completamente elétrico. Desde a primeira canção que ouvi assim que abri o jogo e vi a introdução eu percebi que havia algo de diferente ali. “Puta merda”, eu pensei, “isso vai ser o novo Hotline Miami, não é?” (no sentido de ser um jogo indie cuja popularidade ia se espalhar assustadoramente através do boca a boca. Não precisou de cinco minutos pra eu ter certeza disso – e não me surpreendi nada quando de fato isso se tornou verdade.)
Mas eu estava elétrico não apenas porque o jogo havia me cativado de um modo que eu imaginava ser impossível acontecer novamente. Eu estava elétrico pois eu percebi que era a primeira vez que muita gente finalmente ia experienciar algo como EarthBound, e eu quase senti como se isso fosse uma justiça sendo feita – no fato de ser um produto instantaneamente mais acessível, cujo futuro sucesso era notável e que finalmente ia conseguir passar uma mensagem similar. É uma coisa difícil de se explicar. Era quase como ver, após muitos anos, aquilo que você ama ter o reconhecimento que merece – mesmo que de forma indireta.
Se você me perguntar qual é a maior força de Undertale, eu diria que a maior força de Undertale é ser uma obra autoral. Não por ter sido feita quase por uma única pessoa, mas por essa uma única pessoa ter sabido se expressar de forma magistral em quase tudo que ela fez e essa atenção aos detalhes – e, por que não dizer, competência – exprimiam por cada poro do jogo. Undertale quase parece uma conversa com um grande amigo pois tudo no jogo remete à conversa e comunicação. O resultado é intenso, memorável, e em um modo, quase catártico.
O próprio autor já se restringe de participar de certas coisas e omitir certas opiniões, e prefere deixar que cada pessoa tome suas próprias conclusões sobre o que o jogo significa, mas em algumas das poucas vezes que mencionou isso, ele comentou sobre como apenas esperava que o jogo tivesse um impacto positivo na vida das pessoas. Se isso acontecesse, ele estaria satisfeito.
Nunca tive vergonha em admitir, até mesmo pra pessoas que não tem muita ou qualquer familiaridade com videogames, o quanto EarthBound é importante pra mim – foi um jogo que moldou a minha visão de muitas coisas, me tornou mais compreensivo, e de um modo, provavelmente a única vez que senti que jogo fez de mim uma pessoa melhor. Por conseguinte, quase todos os jogos posteriores pareceram bem sem importância, salvo poucas exceções – e Undertale é uma dessas exceções, por ser um jogo carregado de influência, sabedoria e significado. Assim como fiz com EarthBound, eu saí recomendando o jogo para Deus e o mundo, e na esmagadora maioria das vezes as respostas foram muito positivas.
É curioso como quando gostamos das pessoas gostamos também de recomendá-las as coisas que amamos – não por uma obrigatoriedade social, mas simplesmente porque apreciamos tanto essas pessoas que sentimos que elas podem ser contempladas por aquilo que gostamos também. Sentimos que isso pode fazê-las feliz tanto quanto fez a nós.
Pessoalmente, eu só fico feliz que esse jogo exista. Jogar Undertale, assim como a série Mother ou os recentes Persona, é mais sobre a jornada do que sobre o destino. Graças à escrita e ao carisma, que são impactantes e tão pessoais, a sensação ao jogar Undertale é como fazer uma curta viagem para um lugar desconhecido e conhecer novos amigos; e eu não dou a mínima para o quão brega isso soa, pois, no fundo, essa ainda é uma das melhores coisas que você pode fazer na sua vida. E se um mero jogo eletrônico consegue replicar essa sensação, é um sinal de que esse jogo tem muito o que contar.
Feliz aniversário, Undertale. E obrigado.