Ou “Onde é que foram parar os jogos licenciados?”
Ayrton Senna’s Monaco GP II foi um dos meus primeiros contatos reais com jogos de corrida em que eu sabia minimamente o que estava fazendo. Ele trazia todas as pistas oficiais do campeonato mundial de Fórmula 1 com equipes fictícias equivalentes às oficiais e pilotos igualmente baseados em suas contrapartes do mundo real, exceto pelo maior de todos cujo nome estampava o cartucho. O jogo também contava com circuitos desenhados pelo tricampeão e a pista de kart de sua fazenda em Tatuí, interior de São Paulo. Ainda que não seja extremamente impressionante para os padrões de hoje, depois de todos esses anos com jogos licenciados por grandes nomes do esporte é difícil encontrar algum que te aprofunde um pouco mais no atleta em si.
Na verdade, pensando agora eu não consigo dizer nenhum jogo que te faça conhecer um pouco mais sobre o nome que carrega. Duas décadas mais tarde seria Ayrton Senna que voltaria com um minidocumentário dentro de Gran Turismo 6, contando o início de sua carreira até a chegada à Fórumla 1. Um enorme desperdício de potencial em todos esses anos de Collin McRae, Tony Hawk, Dave Mirra, John Madden (!) e tantos outros.
Pensando nisso ou não, recentemente a italiana Milestone, responsável por Ride, os jogos anuais da MotoGP, de MXGP (o mundial de motocross) e demais jogos de motociclismo, trabalhou em jogos que passam longe de serem perfeitos no que propõem, mas que se dignam a tratar algo fora dos padrões. Primeiro com Sebastien Loeb Rally Evo que trouxe pistas, carros e entrevistas com o maior campeão de todos os tempos da categoria – o que por si só já é um material incrível para quem é fã ou quer simplesmente conhecer mais sobre o esporte. Infelizmente Rally Evo tem seus problemas, os carros parecem leves demais, não há um controle de sensibilidade no esterço e dada a natureza de rallies de velocidade, ele se torna cruelmente entediante rápido demais. A decisão de colocar um narrador para falar em inglês sobre a voz do piloto francês ao invés de legendas em suas entrevistas torna um pouco mais difícil a apreciação, também. Mas foi uma experiência decente, um bom começo para uma empresa que normalmente só trabalha com duas rodas.
A cereja do bolo, é claro, seria homenagear o maior nome do motociclismo moderno no 20º aniversário de sua carreira no campeonato mundial. Valentino Rossi The Game é, essencialmente, MotoGP 16 com muitos extras relacionados ao piloto italiano. Muitos. A Milestone colocou um pouco de todos os jogos que fez recentemente, as corridas das três categorias oficiais da MotoGP (Moto3, a categoria iniciante, Moto2, a intermediária e a própria MotoGP, categoria principal), um pouco de motocross na Flat Track onde Rossi treina com seus amigos em seu Motoranch, na Itália, os carros de Rally no Monza Rally Show, drift, corridas de moto de rua com as Yamahas R1M, tudo de fato ligado ao Eneacampeão mundial que faz as mais diversas estripulias quando não está num fim de semana oficial de corrida.
A história de um atleta com vinte anos de carreira e nove campeonatos mundiais se confunde com a história do próprio esporte, em algum momento. Para quem é fã do cara ou entusiasta da MotoGP, o melhor conteúdo que o jogo pode oferecer são os Eventos Históricos que trazem grandes momentos desses anos todos, bem como pistas e motocicletas clássicas com um pequeno depoimento do homem antes de ir para a pista. É um material impressionante e que, como mencionado antes, poucos jogos licenciados se propuseram a fazer. Nenhum documentário ou entrevista traz Valentino Rossi falando tanto sobre seus campeonatos e algumas de suas maiores vitórias com tantos detalhes e honestidade.
Como nem tudo são flores e quem ama diz a verdade, há alguns problemas desanimadores no modo carreira. Você corre com um piloto personalizado que faz parte do time VR46 Riders Academy, uma iniciativa do piloto italiano existente no mundo real, criada para que a Itália volte a ser uma potência competitiva depois do recente domínio espanhol. Acredito honestamente que personalização seja essencial em jogos de corrida, mas por algum motivo esse ano resolveram colocar umas características que remetem aos famosos elementos de RPG e influenciam diretamente na dirigibilidade, como sua capacidade de frenagem, agilidade para mudar a direção da moto, habilidade sob chuva, etc. Não que seja uma ideia completamente ruim, mas ela é francamente desnecessária num gênero em que o crescimento do jogador é medido em sua própria habilidade ao vencer corridas, baixar seu tempo ou enfrentar outros jogadores online. O multiplayer sofre problemas causados por esse tipo de características, pois como o jogo foi lançado primeiro na Europa, virtualmente todo mundo que você enfrentar estará no nível máximo e correndo sem empecilhos artificiais.
O salto de qualidade de MotoGP 15 (não lançado nas Américas) para Valentino Rossi The Game é claro e digno de aplausos. O visual ainda está muito longe do que os jogos de corrida têm apresentado na geração atual, mas é compreensível se analisarmos que corrida de moto é um subgênero de nicho e normalmente bem mais difícil de jogar – motos não perdoam um mísero erro de traçado ou frenagem. E é impressionante que mesmo sendo um jogo para um público tão específico ainda conseguiram que a versão nacional seja completamente traduzida e tenha narração do comentarista oficial da MotoGP no Sportv, Fausto Macieira – seguramente um dos caras que mais entende de motociclismo no país. É uma pena que um jogo com tanto material interessante fique confinado aos consoles e PCs de alguns poucos entusiastas e fanáticos quando na verdade merece ser jogado por todo mundo que tem alguns pistões batendo no coração. Espero honestamente que mais empresas se interessem em homenagear grandes atletas de maneira semelhante, parabéns à Milestone pelo trabalho.
Valentino Rossi The Game está disponível para Playstation 4, Xbox One e Steam (e tem saguões online extremamente populosos, pode vir).
E como dizem os caras que escrevem sobre motos: Braaaap!