O terrível final de Dexter e o que isso tem a ver com video games

Chegou ao fim na semana retrasada a famosa série Dexter. Iniciada em 2006, o seriado conta a história do carismático psicopata Dexter Morgan, perito em criminalística pela manhã e serial killer à noite. Com momentos tensos e um ênfase na construção da persona de Dexter, que se esforçava para se enquadrar no mundo dos “normais”, a série conseguiu cativar muitos fãs mundo afora.

Até a quarta temporada, ao menos.

Dexter foi uma série de alta qualidade – até certo ponto. A série já vinha caindo em qualidade vertiginosamente desde a sua quinta temporada, e o seu último episódio, exibido domingo retrasado, foi o chute no estômago final dos fãs que continuaram acompanhando a história esse tempo todo na esperança que a parada voltasse a ficar boa. Não ficou. Teve de tudo – cenas imbecis e até hilárias, pontos sem gancho, soluções convenientes tiradas do rabo e uma completa apatia tanto da história quanto dos personagens que dela faziam parte. Foi um final terrível com estilo de final de novela da Globo, que ao invés de resolver ou fechar a história, descartava todas as suas qualidades e parecia dizer, “ó, acabou, tá” ao mesmo tempo que não concluía coisa alguma.

Aos fãs, devidamente enfurecidos por receberem uma conclusão tão chinfrim para algo que anteriormente amavam, restava uma pergunta: “Por quê?”

POR QUE?

Deixa eu explicar aqui o que aconteceu com Dexter. O que aconteceu não é que toda a sala de roteiristas resolveu criar uma regra arbitrária onde eles só poderiam escrever novos episódios quando estivessem chapadíssimos só para zoar todo mundo que gostava da série. Não foi isso. O que aconteceu é que a sala de roteiristas simplesmente mudou.

Nas suas quatro primeiras temporadas, Dexter era uma série que focava fortemente no desenvolvimento de personagens e tomava riscos. Mas esse foi um daqueles casos onde houve uma grande rotatividade de escritores, e da quinta temporada em diante, muitas das pessoas-chave que fizeram das temporadas anteriores o que elas eram tinham sido postas pra fora da emissora.  Mas o show precisava continuar; e continuou, só que com escritores menos talentosos, personagens se tornando caricaturas do que antes eram, e uma tragédia narrativa tão grotesta quanto um hipotético trem cheio de filhotes de panda que descarrilhou e caiu em um desfiladeiro. Clyde Phillips, escritor e showrunner das primeiras temporadas, deu lugar a Chip Johannensen na quinta temporada e Scott Buck na sexta a oitava. Vendo os créditos iniciais da primeira e da última temporada, via-se que boa parte dos nomes haviam sido trocados. Deu no que deu.

DEXTER (Season 8)

DEIXA ELE AÍ E VEM PRA CÁ DEB ~ Q HJ EU TO FACIN ~

Mas enfim: este site não se chama SÉRIESFODA (apesar disso não ser uma má ideia…), então vamos fazer a ligação disso que aconteceu com Dexter com o nosso mundo dos joguinhos, bem como a indústria do entretenimento em geral. Existe uma coisa que eu sempre gosto de lembrar, e que as legiões de fãs em geral preferem esquecer: que quem faz as coisas no ramo do entretenimento não são as corporações, e sim as pessoas dentro dessas corporações.

As corporações possuem o dinheiro. As corporações possuem as filosofias de produção, e também “possuem” as brilhantes ou não-tão-brilhantes mentes que nela trabalham, e que vão usar o dinheiro dela para fazer dentro da filosofia de produção dela – algo, de preferência, bom, para que a corporação continue ganhando mais dinheiro e o ciclo se repita ad infinitum. E assegurar um controle de qualidade é algo excelente, mas o real talento, seja de escritores, diretores, produtores ou o que quer que seja, pode ser afunilado para pequenos times ou mesmo para pessoas específicas. E são esses caras que fazem toda a diferença. Resumindo essa merda toda: mão-de-obra é substituível; talento, não.

O chefe secreto de Dynamite Headdy era um empresário que exigia uma sequência do jogo e te atacava arremessando dinheiro – uma piada da própria Treasure com a sua política de não querer fazer sequências

Uma coisa que séries de TV e jogos eletrônicos possuem em comum é que, 90% das vezes, eles são pensados como algo que possa ser aproveitado a longo prazo. Digamos que é uma “novelização”: quanto mais tempo ela dura, mais rentável é para a empresa, então o ideal é que ela dure bastante. E como todo mundo já percebeu, quase todo novo jogo que nasce hoje já é o primeiro de (no mínimo) uma trilogia.

O primeiro ponto negativo que pode nascer daí é a fadiga narrativa, onde o verdadeiro fim da história está tão distante que é praticamente invisível. Isso gera jogos que possuem uma premissa propositalmente irrelevante, e a história num todo fica rodando em círculos ao invés de avançar. O segundo ponto negativo é que quando se “estica” demais alguma coisa, a única maneira de manter o ritmo que a empresa deseja é colocando mais e mais gente pra botar a mão na massa, o que certas vezes acaba comprometendo a qualidade dos produtos oferecidos.

Um dos exemplos que eu sempre cito de série famosa que sofreu demais com esse estica-e-puxa é Resident Evil 6, da Capcom, onde cheguei a escrever um artigo inteiro só falando disso na época dos primeiros trailers. Durante duas gerações, Resi foi uma das séries mais influentes dos videogames. Seu último capítulo, porém, foi uma tentativa de agradar fãs, zumbis, gregos e troianos, em uma verdadeira quimera que empilhava tudo quanto é personagem e jogabilidade que já esteve presente (ou não) na série. Era um jogo feito sob medida pra todo mundo; e que faltava direção e, com isso, um caráter próprio. Shinji Mikami e Hideki Kamiya, responsáveis pelos melhores títulos de RE, saíram da Capcom há tempos. Hiroyuki Kobayashi, que dirigiu o 5, já tinha dito que não faria isso de novo tão cedo. Do nada a direção da maior franquia da empresa sobrou pra Eiichiro Sasaki, um mano cuja experiência prévia se resumia à ter feito os Resident Evil: Outbreak. Deu no que deu.

“E que tal se a gente pegasse aquela fedelha insuportável do segundo jogo E DEIXASSE ELA GOSTOSA?”

O meu motivo com esse texto não é fazer as pessoas se tornarem céticas em relação a tudo que apareça, mas sim que talvez revejam aonde deveriam estar focando a sua atenção. A área de jogos é uma que costuma ter um “fandom” muito grande diante de séries e empresas, com pouca atenção dada aos desenvolvedores e produtores, os realmente decisivos na qualidade do negócio. Quer saber se tal jogo vai ser bom ou ruim? Não olhe pros trailers – olhe pro histórico do time e/ou dos produtores principais. Sério. Esqueça o nome da série, o estilo, se é exclusivo de tal console ou não, e essas coisas absolutamente irrelevantes. Saiba quem dirige, ou quem escreve, ou quem produz as coisas que você gosta, e aprenderá a evitar um monte de decepções.

Michael C. Hall lendo a versão impressa do GAMESFODA DAILY

Se o último episódio de Dexter foi absolutamente detestável e azedou metade da sua audiência, o Showtime não tem muito o que reclamar – foi a maior audência já registrada na história do canal pago, graças à fama advinda dos serviços de streaming e vendas de temporadas. Mas isso não impediu que nove a cada dez comentários na página de Facebook sobre a série sejam de pessoas falando que foi o pior final que já viram. Pra você ver como as coisas funcionam.

Tivesse terminado há quatro anos atrás, Dexter seria lembrada por muitos como uma grande série. Hoje, ela será lembrada acompanhada de um grande “porém”. Não se surpreenda se daqui a algum tempo, ela nem for lembrada mais. É esse o efeito que ocorre em algo que dura mais do que devia.

Nem parece que foi nessa geração, né?

 

 

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia mas finge ser comunicador. Acha que entende alguma coisa sobre design de games.
  • ardyaileron

    Parar de ganhar dinheiro nenhuma empresa vai querer nunca mesmo… Quer dizer… Há alguma empresas quer preferem só fazer produtos de qualidade/sabem quanto terminar, um caso muito específico no mundo dos games é o GTA. Sempre demora pra sair, mas quando sai, é um estouro… Diferente de outros jogos que saem todas os anos…

  • http://twitter.com/delvings @delvings

    Não achei o final de Dexter ruim *prepara pra chuva de pedradas*

    O texto tá excelente. Parabéns, Rod!

    • http://twitter.com/emanueu @emanueu

      Eu acho que poderia ter sido bem pior. Já tava temendo um final ultra-açucarado de novela da Globo com todos se casando e vivendo felizes para sempre. Nem dava pra esperar algo muito bom dada a qualidade das últimas temporadas, então acho que consegui modular minhas expectativas e aproveitar o melhor que dava.

      • http://twitter.com/delvings @delvings

        Isso! Comigo foi a mesma coisa! Coloquei as expectativas no zero e o final me agradou.

  • http://elkritzkrieg.wordpress.com neovillen

    Videogame ainda sofre da "síndrome de diversão" e o nosso cérebro, funcionando por associação, já liga que se jogamos um bom jogo que tem o Leon como personagem os outros que tiverem o Leon como personagem vão ser igualmente bons – mesmo não sendo nem um ator atuando e nem a mesma pessoa escrevendo por trás.

    Se ligar a personagem, a franquia, a marca é muito muito ruim e não faz sentido nenhum. Poucos criadores tem nome na indústria e a maioria das pessoas não ligam pra esses nomes – quem lê os créditos? "Eu leio", alguns podem dizer, mas a maioria não liga realmente e só deixa os créditos passarem pra ver se haverá uma cena extra.

    Não diria que é PREOCUPANTE, mas com certeza prejudica a individualidade autoral. Quem consegue isso se dá bem (Kojima, Miyamoto) mas quem não consegue… bem, o Mikami foi citado no texto.

    • palasvuash

      "Autor" é um negócio meio difícil de rolar em um produto que é feito coletivamente. Existe, lógico, como é o caso do Kojima e do Suda 51 e tal. O que costuma acontecer é um monte de gnte em suas determinadas áreas projetarem o que têm de autor em um produto que é maior que a soma das partes.

      Mas, ainda no caso em que uma pessoa tem mais controle sobre o processo criativo, não é como se também esse criador não fosse uma espécie de marca, que você acaba seguindo pra comprar e que tem um conjunto de valores e ideias associadas. O jeito como a gente consome transforma mesmo o processo mais autoral e intimista em marca e em franquia. Não é uma coisa ruim nem boa, acho.

      • http://elkritzkrieg.wordpress.com neovillen

        Existem trabalhos frutos de um coletivo (por exemplo: jogos da Rockstar, Assassin's Creed, etc) mas, inevitavelmente, se você está trabalhando em algo você tá seguindo ordens – as ordens podem vir de uma mesa de reunião ou de uma pessoa em específico. Claro que ninguém faz nada sozinho, mas ter um nome para onde traçar causa mais fidelidade válida (pessoa, artista) do que a algo abstrato (personagem).

        Mas sim, concordo que um nome pode ser tão comercial quanto. É só ver o exemplo do Tom Clancy, que vendeu o nome pra Ubi e não bota um dedo em nada que tem o nome dele lá.

        • palasvuash

          É verdade, por isso é sempre bom manter a unidade na produção e em quem coordena a coisa toda. Mas, dependendo do tipo de projeto, o fato de um personagem ser mais abstrato faz com que um time possa mudar e ainda continuar dando certo exatamente pela reinterpretação constante ser um ponto de venda (não consigo pensar em nenhum caso com jogos aqui????)

  • https://www.facebook.com/charlesanjos Charles Albert Martins

    Não é pra onde vai sua atenção, é pra onde vai o SEU DINHEIRO.

  • https://www.facebook.com/bruno.marinheiro.5 Bruno Marinheiro

    Não assisti Dexter, mas esse episódio me lembra demais o que aconteceu com Arquivo X (podem me chamar de tiozinho)

  • palasvuash

    Discordo de alguns pontos.

    Caso é que você poderia trocar os primeiros roteiristas de Dexter por Ernest Hemingway, Edgar Allan Poe e Lord Byron na quarta temporada que, ainda assim, a probabilidade de piorar seria muito maior do que a de melhorar. Não é uma questão de talento – é uma questão de sinergia.

    Mesmo que os escritores originais digam, detalhe por detalhe, como deve ser desenvolvida a história a partir dali e deixarem todas as referências possíveis, o que ainda vai contar é a interpretação de tudo isso pela galera nova. E você não pode culpar pessoas por terem suas próprias experiências.

    Isso quer dizer o seguinte: pessoas dentro das corporações fazem jogos, mas a relação entre público e obra é muito mais baseada na referência da corporação (ou marca). Isso é inevitável. Se os primeiros roteiristas de Dexter escreverem uma história paralela com tudo que a série poderia ter sido, sensacional e perfeitamente alinhada com o que fez a série fazer sucesso, ainda será praticamente uma fanfic.

    É possível para cada um prestar mais atenção nas pessoas que estão fazendo os jogos, mas não se pode culpar ninguém por esperar que o "oficial", mesmo que não seja o melhor, venha da marca que é a referência e que é uma das partes da essência da franquia e de como ela é replicada na sociedade.

    • http://twitter.com/Nubobot42 @Nubobot42

      Eu acho que esse comentário inteira o que eu pensei a respeito do texto: ele é ótimo, mas essa parte de "talento" é bem boba.
      Isso não é o que acontece só com arte, mas com qualquer coisa: a parte "troca de funcionários" é uma das questões mais delicadas e complexas no gerenciamento de projetos justamente porque, independente do nível de qualidade do funcionário novo que você está colocando no projeto, ele nunca vai entrar com a mesma sintonia com o projeto e com as pessoas envolvidas que o funcionário antigo (exceto se o antigo já não tinha nenhuma), e isso ou vai levar muito tempo pra acontecer ou simplesmente não vai acontecer.
      Ou seja: "trocar pessoas" já é o próprio fator crítico, o resto é o de menos.

  • http://twitter.com/emanueu @emanueu

    SERIESFODA?
    DO IT!

    Muito bom o texto. Eu mesmo não sou de olhar muito pra quem tá por trás ds produções. Em jogos então, com esses caras japoneses que é difícil distinguir o nome até que virem um Miyamoto ou Kojima da vida…

  • https://www.facebook.com/RodrigoCard Rodrigo Cardoso Rocha

    Guiter Hero… :'(

    • https://www.facebook.com/RodrigoCard Rodrigo Cardoso Rocha

      GuitAr Hero… (carinha triste)
      Emoticon feio nem passou a emossaum 🙁

  • https://www.facebook.com/pulsotwero Samir Montalvão Fraiha

    Senti uma síndrome de EA e Activision agora….

    Mas devo concordar em todos os aspectos, Rodd. Mesmo com o povo xingando muito as empresas, são as pessoas que precisam de mais atenção. Quantas pessoas clamam por um RE clássico? Pena, todo mundo que fez aquilo já deu no pé. Pessoal pede por um Okami 2? Foi mal, Hideki Kamiya está em outros ares agora. Megaman bom e com a devida atenção? Mikami tá aí com o Mighty No. 9.

    (As vezes penso que a Capcom não dá muita bola pro Blue Bomber porque ela não consegue achar alguém que dê um jeito na série. Aliás, a Capcom é um ótimo exemplo de empresa que não sabe o que fazer com as franquias por não ter mais o pessoal/tem pouco pessoal realmente talentoso).

    Faço de minha palavras de um certo quadrinista que aposentou suas personagens: é preciso saber até quando algo que você cria tem algo a dizer. É preciso saber quando se deve parar. O Mickey tem mais o que dizer desde 1930 pra cá? Como marca, ele e os super da DC e da Marvel serão imortalizados, mas muito fracos por não terem mais nada a dizer.

  • https://www.facebook.com/luiggi.ligocky Luiggi Ligocky

    Olha, quanto a olhar para o autor que fez a coisa pra avaliar, não sei não. Muito diretor bom, já fez bosta na vida. Isso porque jogos são um trabalho em equipe que funciona de todos os lados, o próprio Shinji Mikami foi diretor de P.N. 03, que é um lixo. Sinceramente acho que da na mesma do que associar o jogo a empresa ou sei la. Até porque hoje em dia, os times tem bastante enfase quando se fala de um jogo, não é algo de outro mundo mais.

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