A Kingdomheartização de Resident Evil

  6/10/2012 - 17:01   Capcom, Resident Evil,  
 

O cara vai pra uma festa e encontra uma morena sozinha no canto, mexendo no celular. Ele vai lá, pergunta o nome dela, faz perguntas pessoais e procura achar algum interesse em comum para manter uma boa conversação. Ele descobre que ela gosta de livros, e a conversa se torna um pouco mais animada. Começa a perguntar qual é o autor favorito dela, quais são os livros que ela mais gosta, se ela já leu esse esse e aquele outro livro, qual a textura de página favorita, Arial ou Times New Roman etc.

Eventualmente, o assunto torna-se cansativo e acaba. Sobe aquele silêncio desconcertante. A garota diz que vai ao banheiro e some de vista do rapaz pelo resto da festa. Ao invés de tentar criar um ambiente descontraído, brincar e flertar um pouco para fazer a moça se divertir, ele buscou o único fio de ligação que conseguiu constituir e utilizou ele até não poder mais. A analogia é péssima, mas a sensação que eu tenho é que a Capcom faz algo parecido com isso com a sua série Resident Evil: utiliza ao máximo todo o conhecimento prévio emaranhado que já tinha ao invés de ter um pouco mais de coragem e tentar algo novo.

No último dia 9, foi lançado Resident Evil 6. O jogo traz de volta um punhado de personagens antigos da série: Leon, Chris, Ada, a pentelha da Sherry, juntando-os com alguns poucos novos como Jake, também conhecido como WESKER JUNIOR, que serve à proposta principal de que mesmo com um número novo, o cenário do jogo é tudo aquilo que você já viu antes.

Sinto que ultimamente os produtores da série parecem ter um ímpeto encontrolável de explicar cada pormenor da história e trazer mil personagens que já vimos antes, deixando a impressão de que a série busca ao máximo se aproveitar de toda a enorme fanbase que construiu ao longo dos anos, sem ousar e tentar acatar a um público novo. Fanservice tem sido a palavra chave há um bom tempo. Além dos títulos principais dessa geração, o Wii recebeu os spin-offs de light gun Umbrella Chronicles e Darkside Chronicles. Operation Raccoon City não parecia nada bom, seja como produto associado à série ou como um software independente, e foi lançado no início do ano à mercê de críticas negativas e apatia generalizada. O plano dela é lançar um novo jogo com a cara de um dos personagens principais na capa a cada seis meses, é isso? A razão pela qual vocês aposentaram o nosso robô azulão era para que Resident Evil virasse o novo “mascote” da companhia de uma vez por todas?

Mascotes fofinhos

Falando sobre seu trabalho como escritor, Ernest Hemingway uma vez disse: “Develop a built-in bullshit detector” (“desenvolva um detector de baboseiras”). Eu entendo que muita gente aqui curte a cronologia e se importa com as histórias de cada um dos personagens, mas o que eu sinto é que a Capcom deveria compreender que há uma hora em que basta, “enough is enough”. As detalhar detalhes da história já se esticam tanto que as justificativas e resoluções que tentam explicar o porquê de tal personagem estar ali e o de tal coisa ser de tal modo já ultrapassaram o risível, e exemplos disso não faltam.

Em RE2, Sherry Birkin não passava de uma pobre criança indefesa que se via no meio da destruição causada pelos seus pais cientistas. Vai me dizer que há mesmo alguma razão convincente para que a personagem (que era irritante pra cacete, diga-se de passagem) esteja de volta à série além de puro fanservice exagerado? Hunnigan está de volta vai saber lá o porquê. E o que dizer de Jake WESKER JUNIOR, cujo nome em si já mostra que o vilão icônico nunca morra mesmo após o próprio já ter sido assassinado dentro dos jogoss umas dezessete vezes? Nem do nome vocês conseguiram se desprender?

Nenhum desses personagens tem uma intenção independente à de convolutar ainda mais o nó que prende a série. Cada um tem uma razão “importante” para estar ali, o que torna todo o emaranhado ainda mais conturbado. É como se nada fosse por acaso e cada um dos personagens fosse predestinado à ser uma peça chave de qualquer coisa. Eles estão, até o fim de suas vidas, em um compromisso inevitável com a Umbrella, Raccoon City e a ganância da Capcom.

Então era disso que o Barry estava falando?

Tudo isso me lembra muito a estratégia da Square-Enix com a série Kingdom Hearts. KH conta a história de um moleque de cabelo espetado que vai parar em um universo que mistura personagens da Disney com os da série Final Fantasy. Se isso tem uma puta cara de fanfiction, é porque na estrutura é basicamente isso. O enfoque da série é sua drogadíssima história envolvendo vidas passadas, clones de clones de pessoas que não têm coração, pessoas nascidas de imaginários dos outros, impossibilidades metafísicas e um bando de gente repetindo a frase “Light” e “Darkness” umas novecentas vezes em cada uma das suas centenas de cutscenes. Como apelo comercial fala mais alto que qualidade, todo esse emaranhado se tornou muito lucrativo.

A Square-Enix sacou tão bem o poder do que tinha em mãos que há mais de 6 anos pôe times secundários para trabalhar em spin-offs enquanto adia indefinidamente qualquer coisa relacionada a um possível Kingdom Hearts 3. Isso obriga os mais fanáticos a ir até o fim dos spin-offs apenas para ver filmezinhos de 2 minutos que tem algum detalhe minúsculo a ver com a definitiva sequência que só sai no dia de São Nunca – isso, meus caros, é sugar a sua fanbase do método mais maquiavélico possível.

Sacou agora o que é kingdomheartização?

No caso da Capcom, acho que seria interessante se os produtores de Resident Evil se dessem a liberdade de desprender um pouco as amarras de seu passado e fazer com que a série pudesse respirar de novo. Pense em Resident Evil 4 por um instante: o jogo abria com uma introdução que contava o declínio da Umbrella. Seus únicos elos fortes com o passado da série eram Leon, Ada (que tava lá mais devido a uma tensão sexual não-fornicada com o herói principal), e o zé mané do Wesker só aparecia durante um filmezinho minúsculo no final do extra Assigment Ada. De resto, não só o estilo de jogo como todos os personagens eram novos, a maioria aparecendo e desaparecendo ali mesmo (tipo o Krauser, o vilão mais “de onde caralho veio esse porra?” da história dos jogos).

Como um todo, o jogo era excelentemente fechado e conciso; ele varreu toda a sujeira desnecessária para baixo do tapete e utilizou somente alguns pedacinhos. Ele sabia precisamente onde começava e onde terminava – algo notório da excelente direção de Shinji Mikami, que se importa bem mais em criar uma experiência descontraída com narrativa de filme B do que ficar se atendo à milhões de detalhes diferentes e criando tentativas tolas de justificar cada pormenor de uma porra duma linha do tempo que se estica por mais de dezesseis anos.

“Chupa n00bs, o papai aqui é que manjava.”

Eu sei que isso é um ponto controverso e tenho grandes amigos que gostam muito da série justamente por ela dar tanto holofotes a cada um dos personagens que já passaram pela própria. Mas pense por um instante: você faz ideia do quão confuso um negócio desses parece para quem não tem conhecimento prévio e tá pulando no barco só agora?

Um exemplo bem claro que lembro é o de uma amiga minha falando sobre quando viu o 5º filme da série Resident Evil (o qual eu não assisti) com outros dois amigos meus que também são fãs. Ao que parece ele tem bastante ligações com o quinto jogo. Quando perguntei o que ela achou, ela disse que gostou, mas não entendeu quase nada da história. “Na hora que eles citavam algum ponto importante da história eles ficavam ultra empolgados tipo ‘CARAAALHO, TÁ FALANDO DAQUELE NEGÓCIO DO JOGO!’, mas como eu nunca joguei, fiquei boiando”.

Jill

Acredito que se você está desenvolvendo um produto, tem que produzi-lo de um modo que alguém possa se entreter independente de por onde comece, ou então ter um escopo definido de até onde ele vai se manter. Manter os elos por, digamos, uma trilogia pode ser um bom exemplo. Resident Evil é uma das séries mais famosas da Capcom, e não tem previsão de acabar tão cedo. Será mesmo que vai ser algo satisfatório ver um Resident Evil 17 em 2042 com o Leon S. Kennedy de 60 anos desvendando os mistérios do que aconteceu em 1998 em Raccoon City?

Hoje podemos ver que Resident Evil 4 já era o reboot que a série precisava, pondo o desnecessário em segundo plano e revitalizando a ideia central, mas isso foi posto a perder quando, após a saída do Mikami, outras pessoas no poder resolveram resgatar tudo aquilo do passado. Resta agora saber até quando a Capcom ainda vai continuar se arrastando com essa história até finalmente não poder mais e sua única alternativa for preparar um reboot intitulado apenas “Resident Evil”. Até lá, o monstro chamado fanservice vai ficando cada vez maior e mais bizarro, como se fosse mais uma aberração criada com T-Virus.

Sobre

Rodrigo "Rod" é de Salvador, Bahia. Estuda psicologia, finge ser escritor, e acha que entende alguma coisa sobre game design.
  • Jaotavio

    Se fosse um manifesto, assiná-lo-ia. Gostei de RE4, não cheguei a jogar o quinto jogo, mas o sexto é isso aí mesmo: exemplo máximo de Fanservice. Quer agradar todo mundo e não faz nada direito.

  • A diferença é que Kingdom Hearts tem uma história aberta desde o primeiro jogo, não tinham "fechado" nada em momento nenhum. E nenhum dos jogos foi completamente inútil… não entendo essa mania de só considerarem continuação quando for o "3". Resident Evil é só uma franquia da Capcom, não precisava da comparação com outra série que não tem relação nenhuma. Só ser da Capcom já explica isso tudo.

    Se tu implica com uma série não precisa comparar ela com Resident Evil. É apelação isso.

  • Não sou profundo conhecedor da série, mas sou a favor de dar um "let it go" em alguns jogos, tenho um pensamento exatamente como este:

    "Acredito que se você está desenvolvendo um produto, tem que produzi-lo de um modo que alguém possa se entreter independente de por onde comece, ou então ter um escopo definido de até onde ele vai se manter. Manter os elos por, digamos, uma trilogia pode ser um bom exemplo."

    Tive uma longa discussão em um grupo do Facebook. Porém nossa discussão tinha como foco as declarações deste artigo:
    http://www.gamevicio.com/i/noticias/141/141705-pr

    e deste:
    http://www.eurogamer.pt/articles/2012-10-03-capco

    E quando vi dizendo que queriam trazer "uma nova experiência", sugeri: porque não colocar na perspectiva FPS, aí meu amigo citou esses jogos de "light gun" como se fossem FPS 🙂

    • cara, muito arriscado discutir coisas no gamevicio, você é corajoso ein

      • Acho que você entendeu errado, um dos artigos era do Game Vício, a discussão que participei não foi lá, foi em um grupo (secreto) do Facebook…

  • bonito texto, e esse RE6 tá me tirando muitas gargalhadas. é como eu sempre falo, resident evil é um dos jogos mais GONGADOS da videogamesfera (colocando esfera no final pra parecer que a coisa é vasta)

  • É por estas e outras que a indústria ocidental de games está ultrapassando a japonesa.

    • neovillen

      Sim, porque é raro um jogo ocidental ter uma história elaborada pra precisar de mais de um título pra se desenrolar.

  • olha, realmente concordo e assino embaixo quando dizem que quem chega na série agora se fodeu e num entende nada.
    Cara, eu tentei com algum esforço ler os bios e histórias no meu RE5 pra entender algo…
    Pra que ficar remexendo onde num deve??? Acabo por senitr aquilo de o produto nunca vir por inteiro, afinal é capcom né….

  • E infelizmente vai continuar essa putaria, RE 6 já bateu records de vendas.

    O povo temo que merece.

  • Tô vendo que as pessoas jogaram tanto jogo não numerado de Kingdom Hearts que esqueceram o que é um Kingdom Hearts bom! 😛

  • Rod #putíssimo com a história do RE 6.
    Eu entendi seu ponto no artigo e concordo em partes, principalmente nas estigação da Capcom para fazer um jogo da franquia.
    Mas discordo em que todos os jogos tem porque tem que serem fechados, no sentido em que não precisasse de uma base anterior para entender pontos X e Y.
    Há jogos que só funcionam assim, e confesso que sinto falta de um RE sem nenhum personagem conhecido (porque veja, se o jogo não for bom, dificilmente venderá e ficará naquele esquecimento como são certos jogos épicos, mas que venderam pouco), mas há franquias que se enriquecem ou até dão um gosto nostálgico por eles se lembrarem de N personagem de tal lugar.

    Me diga quem consegue jogar Metal Gear Solid 4 sem ter a sensação que perdeu MUITA COISA por não ter jogado, pelo menos, os jogos da série Solid anteriores. Nem o database que a Konami lançou quebra muito esse galho.

  • gostei do texto Rod.

    mas a coisa que me importa é o TERROR!!!!!

    estou cagando e andando com historinha de personagem e mimimi, caras se comprei um "game de terror" que me assombrar como acontecia antes. e você está certo, RE já deveria ter acabado, assim como a Umbrella. já estamos no sexto game e não seria surpresa se em RE 9, o mundo inteiro fosse pro saco, virando um Fallout. se a Africa já era, a Europa(em RE 4) e agora a China e Washington, não duvido nada que no próximo game, metade do planeta já será inteiramente zumbi.

    • amigo me desculpe qualquer baboseira que eu falar, mas acredito que esteje enganado em alguns pontos. ja que apesar de ser o re6 na verdade esta no 10º jogo da serie. eu joguei todos e pretendo jogar o 6, sou sim um re famboy mas sou famboy de muitos outros jogos. mais uma coisa o re4 e totalmente fora da casinha, já que não utiliza a cronologia de uma pandemia gerada pela umbrela e apresenta uma historia envolvendo parasitas que controla a mente dos infectados, aparentemente em uma vila religiosa na iltalia( nao apresenta a ideia da Europa toda ter sido tomada nem de longe) já no 5 a historia realmente volta ao foco inicial da franquia que e a pandemia pelo T vírus ou uma de suas variações o 6 ainda não vi spoilers e nem pretendo ver prefiro a emoção da surpresa acredito que resident foi a melhor serie ate antes de sair o 4. o 4 foi um jogasso mas devia ter outro nome pq a unica ligação era o Leon e a ada. quem não lembrou dele segurando ela pela mão no r2 que me shingue primeiro xD e sim gosto de series longas e cute senes mas também gosto de jogos rápidos e sem historia quando quero isso vo joga cs=] que e um jogo feito pra ter historia curta e adoraria sim jogar RE87 em 2064

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