Gosto muito do fato de que video games nos levam a aceitar com mais naturalidade conceitos que soariam bizarríssimos em outras mídias. O frango assado dentro da lixeira de subúrbio que dá força ao prefeito musculoso de suspensório, por exemplo, ou o robô azul mega poderoso que explode instantaneamente quando entra em contato com algum espinho. Digo isso porque hoje falaremos aqui do encanador gordinho de meia-idade que troca seu habitual macacão jeans por uma fantasia de gatinho felpudo gigante. Isso mesmo, senhores, Mario está de volta!

- Como assim de volta!? – você pergunta. – Hoje em dia toda semana tá saindo um jogo novo com ele!

É, se considerarmos suas partidas de tênis, festas, competições de inverno com o Sonic ou seus momentos de nostalgia na série “New” (com todas as aspas do universo) Super Mario Bros, realmente, tem Mario pra todo lado e às vezes enche o saco mesmo.  Mas juro, não é esse o caso. Quando o assunto é esse tipo de jogo do Mario do qual vamos falar, a porra fica séria.

Super Mario 3D World é, como o nome já entrega, um jogo de plataforma 3D, e todo lançamento de Mario 3D até o momento representou um marco nos padrões de qualidade do gênero e uma evolução considerável nos rumos da franquia. Será que esse sucesso se repete agora nesse lançamento para o Wii U? Sim, mas de uma forma um pouco diferente da habitual.

Não há como explicar o que quero dizer com isso sem falar um pouco do seu antecessor. Afinal, outra coisa que o nome evidencia é que 3D World é uma evolução da proposta de Super Mario 3D Land, lançado em 2011 para o 3DS. Esse foi um título bastante singular por ter tido como missão “ensinar” os jogadores mais casuais a se movimentar em um espaço 3D, provavelmente porque os jogos 2D da série “””New””” sempre foram mais acessíveis e comercialmente populares. 3D Land foi um meio-termo muito feliz entre a liberdade criativa do level design de Mario Galaxy e a objetividade e simplicidade de New Super Mario Bros. E foi, só pra constar, um jogo excepcional dentro dessa proposta.

3D World, agora no Wii U, é tudo isso que o Land foi, só que muito melhor e mais bem explorado. Tem a mesma objetividade e simplicidade, um level design (ainda) mais inspirado, cinco personagens selecionáveis (cada um com suas próprias habilidades e fraquezas), além, é claro, de GRÁFICOS HD EM ALTA DEFINIÇÃO USANDO A INCRÍVEL TECNOLOGIA HIGH DEFINITION™! Sim, convivemos com isso há praticamente uma década, mas lembrem-se de que a Nintendo só descobriu seus benefícios agora, e é curiosamente animador ver um jogo do Mario tunado com umas frescurinhas visuais que seriam impensáveis no Wii. E mesmo desconsiderando o avanço tecnológico, a direção de arte já teria deixado o jogo bonito pra caralho.

Mas talvez a novidade mais chamativa do jogo seja mesmo a possibilidade de jogar com quatro jogadores ao mesmo tempo. Reunimos recentemente a equipe do GAMESFODA para uma noitada de 3D World regado a Jägermeister e o saldo foi mais do que positivo. O jogo muda de gênero quando apreciado em galera, se tornando uma experiência de plataforma/zuera.

O momento mais memorável da noitada na casa do Hynx.

E é justamente a zuera que nos faz relevar e rir de uns fatores potencialmente irritantes, como a câmera que não consegue se adaptar à bagunça, ou aqueles momentos em que você acaba matando um amiguinho sem querer (hehe) por pular na cabeça dele ou arremessá-lo direção ao abismo da morte. Falando em arremessos, 3D World herdou desnecessariamente do multiplayer dos Mario 2D o lance do botão de correr ser o mesmo de pegar, carregar e jogar seus companheiros. Fazia sentido no Wii, onde todo mundo jogava com o Wiimote e contava apenas com os botões 1 e 2 na mão direita, mas poderia e deveria ter sido mapeado de forma mais inteligente para os jogadores que estivessem usando o Gamepad ou o controle Pro do Wii U, porque botão é o que não falta.

Problemas pequenos, porque não podemos desvincular a zuera do caos. A melhor forma de aproveitar decentemente cada detalhe do jogo é jogando com calma sozinho, no máximo em dois jogadores, de preferência retornando às fases já completadas para pegar cada uma das estrelas verdes e carimbos escondidos. E isso é só pra ter uma desculpa pra voltar mesmo, pra fazer o jogo durar mais, porque não consigo lembrar de uma única fase chata, mal pensada ou frustrante. É difícil falar da experiência de 3D World sem parecer algum fanático desses que têm um pôster do Miyamoto de sunga na parede do quarto, mas isso só acontece porque o apuro técnico da coisa é realmente invejável.

- Tá, se o jogo é tão foda assim, onde entra o lance de “um pouco diferente do habitual” que você citou ali no começo?

Está justamente no fato de tudo isso ser uma evolução do conceito de 3D Land. Toda estreia de Mario 3D em um console de mesa da Nintendo, como falei antes, foi um acontecimento. Seja com um jato d’água nas costas em um Hub World tropical que era em um pseudo mundo aberto, ou em uma galáxia onde cada plataforma tinha seu próprio eixo gravitacional, o fato é que esses jogos sempre tentaram renovar ou quebrar algum paradigma. 3D Land nunca teve essa responsabilidade. Ele precisava apenas proporcionar uma experiência portátil de um Mario 3D de forma satisfatória, e digamos que 3D World pegou um pouco dessa despretensão conceitual.

Supondo que 3D Land foi a versão miniatura de um Mario de console de mesa, podemos dizer que 3D World é a transição de um Mario portátil para a tela grande. Isso não desmerece a qualidade do jogo, de forma alguma, e na verdade essa certa zona de conforto diz mais sobre o momento da Nintendo e do Wii U do que sobre o título em si.

Super Mario 3D World não reinventa um gênero como Super Mario 64, e nem renova a franquia para direções surpreendentes como Super Mario Galaxy. E talvez ele não faça nada disso simplesmente por sentir que não precisa. É como o Usain Bolt ou o Michael Phelps competindo em mais uma Olimpíada e ganhando trocentas medalhas de ouro de novo, mas dessa vez sem quebrar nenhum recorde mundial e/ou pessoal, porque, de toda forma, não apareceu ninguém melhor desde a Olimpíada passada e ele sequer se sentiu pressionado a se superar. Ou seja, é Mario fazendo o que sempre fez de melhor, dessa vez terceirizando o papel da renovação para os gráficos HD e o modo multiplayer.

É possivelmente o melhor título de Wii U e o melhor jogo com um encanador de meia-idade fantasiado de gatinho felpudo gigante já lançado. E se isso não for o suficiente pra você, posso dizer também que é o melhor jogo de plataforma tridimensional desde… bem, Super Mario Galaxy 2.