Qualé a desse tal de… Dark Souls 2

A diferença entre Dark Souls e Dark Souls 2 é que o primeiro foi feito pra ser o jogo que queria ser e consequentemente saiu difícil, enquanto sua sequência foi um jogo feito pra ser difícil.

Os erros de Dark Souls eram todos um tanto quanto sinceros. Folheando meu Design Works aqui, passo pela entrevista com Hidetaka Miyazaki, o diretor de Demon’s e Dark Souls 1. Vejo ele lamentando o quanto queria que a luta final do primeiro jogo fosse uma compilação das habilidades aprendidas pelo personagem, fosse ele um mago ou um guerreiro, mas ele acabou “se esquecendo” da mecânica de parry, que torna a batalha um tanto quanto banal.

É uma ingenuidade palpável essa. É algo que acaba reforçando o jogo como uma obra pessoal de esforço coletivo. Ele não pensou que o parry ia acabar tornando a luta fácil, mas tornou, e é isso. Na frente da porta de fumaça que protege o chefe final tem várias mensagens de “o verdadeiro Dark Souls começa aqui”, provavelmente se referindo ao fato de que em seguida da luta começa o New Game +. Mas pode ser que alguém em algum lugar do mundo tenha pensado que talvez aquela luta tenha sido o ápice do jogo justamente por refletir tanto uma ideologia inicial de autoria, e que talvez não importasse tanto se algo fosse difícil ou não.

Um dos meus rappers brasileiros favoritos no final da transcrição de uma de suas músicas credita a si mesmo a letra, os beats e os erros.

***

2014-04-24_00009

Dark Souls 2 é um jogo feito com bastante carinho pelos seus antecessores. Um carinho tão grande que de vez em quando fica meio nebuloso se quem tem que ter tal carinho são os produtores mesmo ou nós, jogadores. Vê, Majula é tipo o Nexus. A Emerald Herald é tipo a Maiden in Black. As magias são limitadas como no Dark, mas você pode recuperá-las usando um item consumível como no Demon’s! Lembra do Estus Flask? Ele tá aqui de novo, mas também dá pra recuperar seu HP com outras coisas! Lembra que você perdia metade do HP quando morria no Demon’s,  mas tinha um anel que reduzia essa perda a só 25%? Aqui conforme você morre vai perdendo vida também, mas com um anel perde-se só metade dessa vida.

“Olhem só, a gente fez a lição de casa. Ainda não percebeu? Toma mais uma referência. E agora?”

E agora?

2014-04-27_00001

Pensei por bastante tempo se eu eventualmente conseguiria escrever um texto sobre Dark Souls 2 parecido com aquele que escrevi sobre o level design do primeiro jogo, e acabei por não chegar a conclusão nenhuma. Talvez eu conseguisse criar uma teoria sobre posicionamento de inimigos e o motivo deles estarem lá em uma perspectiva de projeto, mas no final não faria muita diferença já que eventualmente os inimigos param de renascer se você os mata demais.

No entanto isso não me afetou em nada, já que em nenhum momento eu precisei repetir tanto uma área a ponto dos inimigos pararem de dar respawn (que segundo fontes é entre dez e quinze vezes). Quando algo estava difícil a ponto de se tornar frustrante eu só tentava otimizar o caminho pelo qual eu ia correr na hora de fugir até o chefão, e geralmente dava certo.

2014-05-19_00001

“Mas e aí? Como é que a gente consegue tornar esse jogo difícil?”, devem ter pensado os produtores lá na From Software. Talvez eles até tenham perguntado pro Miyazaki e ele tenha respondido “sei lá meu, eu nunca tentei fazer isso”, e então saiu todo mundo confuso da sala de reunião. “A gente já tem um trailer e uma cutscene inicial falando da dificuldade dessa porra, vocês que se virem aí”, diz o executivo enquanto limpa seus óculos e sai do prédio, esquecendo que suas lentes escureciam ao entrar em contato com a luz do sol e franzindo o rosto até se acostumar. “Praise the sun”, ele pensa, antes de voltar pra sala e dizer “ah, coloquem mais Solaire também”, e sair de novo.

“A solução é colocar mais inimigos” uma voz do fundo da sala responde e ninguém sabe de onde veio, já que o rapaz se encolheu por achar que falou merda. Todo mundo se olha e diz “É ISSO MESMO!” e ele se desencolhe com cuidado, orgulhoso da solução que propôs, mesmo sabendo que não era a ideal.

“E se isso não for o suficiente?” Ah, então faça com que esses inimigos sejam alertados em grupos ao invés de individualmente.

“E se isso AINDA não for o suficiente?” Ah, então faça com que os inimigos consigam seguir a direção do seu personagem mesmo se estiverem no meio de um combo.

“Acho que agora é o suficiente, né?” Não. A gente podia também fazer a zona de colisão das armas dos inimigos ser maior do que suas armas fazem parecer.

2014-05-18_00018

Dark Souls 2 é esteticamente bastante variado, apesar de ser graficamente opaco. Tem áreas claras, áreas escuras, áreas azuis e vermelhas e pretas e verdes. Florestas, fortes, grandes estruturas, mansões e montanhas. E apesar das caixas com textura repetida e nada dentro aqui e ali, não é de nenhuma maneira feio ou repetitivo. Mas aí acaba por gerar outro problema: por ter tantas áreas, todas elas parecem pequenas demais a ponto de só ficarem marcadas na memória pela frustração que geram. Você vai se lembrar mais de determinadas áreas por repetir  várias vezes pequenos trechos do que por prosseguir bastante nelas. Muitas vezes ao passar por um desafio e conseguir respirar, dará de cara com a porta do chefe e pensar “ué, mas já?”. Passado esse chefe, já estará em um cenário completamente diferente.

É curioso como o primeiro Dark Souls parece muito mais grandioso do que é na minha cabeça, em questão geográfica. Tem só umas oito áreas obrigatórias e me dava a impressão de ser realmente um mundo inteiro ligado em si mesmo. Dark Souls 2 me dá a impressão contrária: é muito maior e mais expansivo, mas não consigo pensar em muitas áreas. Curiosamente as que eu mais gostei não foram as mais difíceis ou as mais intensas, e sim as mais longas, mesmo que o combate nelas fosse escasso. Foi o detalhe de um tipo de inimigo ter medo das suas tochas. Foi a noção de que naquela área o maior perigo eram pedaços do cenário que te atiravam veneno, e não cinco inimigos correndo pra você ao mesmo tempo. Foi o fato de que dava pra você chegar em determinada área de várias maneiras possíveis e você não era obrigado a explorá-la inteira, mas ela era construída de maneira que as logísticas em si fossem consistentes.

2014-04-27_00016

E enquanto o primeiro jogo contava uma mitologia e te botava no meio dela até se completar, esse conta uma história do modo normal mesmo. Tem você, tem o seu objetivo, tem as reviravoltas e tem os flashbacks contando a história que aconteceu antes. E pra isso ele usa a mitologia que o primeiro jogo criou, talvez com uma intensidade até grande demais, se tornando realmente “Dark Souls 2″, e não uma coisa como foi o Dark em relação ao Demon’s. Não há nada de errado nisso, no entanto, e acaba por expandir o que já era legal de umas maneiras inesperadas, mas em alguns momentos – principalmente no final – a palavra “sequência” fica piscando na sua tela em vermelho gritante e ainda deixam gancho pra fazerem Dark Souls 3 e até mais, não pelo seu primor de gameplay, mas pra “fechar o arco”.

E apesar de não parecer por tudo o que eu reclamei aí, eu adorei Dark Souls 2. Ele ainda exige sua atenção como o primeiro exigia, seu multiplayer é melhor construído e o combate é mais maleável por agora ter uma stat que dita a velocidade de suas animações. As áreas que são bem feitas são lindas e icônicas pra caralho, NPCs tão variados e esquisitos quanto o primeiro jogo, talvez até mais. Uma história mais fácil de seguir mesmo pra quem não liga de ficar lendo descrição de item e wikia, algumas apelações pra nostalgia que são sutis o bastante pra não parecerem realmente apelações. Um New Game + com variações e não só os mesmos inimigos com mais vida. Covenants mais presentes e algumas delas que funcionam só pela zoeira, que fica até meio fora de lugar num jogo do tipo, mas que acaba por servir justamente como alívio.

2014-04-30_00003

Temos mais áreas tranquilas, classes muito melhor balanceadas, mais maneiras de se aproximar do mesmo problema sem o clássico “putz, esse chefe é mais fácil pra quem usa magia, deixa eu ler um guia na internet”, a possibilidade de reorganizar seu level em determinados pontos do jogo… Tudo isso serve pra formar um jogo que mecanicamente é melhor do que seus antecessores, embora tenha deixado a desejar um pouco na aplicação dessas mecânicas.

Os problemas de Dark Souls 2 são mais conceituais do que práticos. Se você parar pra ler as intrínsecas de seu funcionamento pode ser que arqueie um pouco a sobrancelha, mas enquanto joga isso é mais difícil de acontecer. Faltam alguns toques que só quem dirigiu os primeiros jogos poderia colocar, mas de maneira nenhuma a equipe nova entregou um produto incompetente. Talvez um produto um pouco mais barato na sua dificuldade justamente por ter sido feito pensando nela. Um produto até meio corrido, que como bem sabemos passou por alguns problemas na produção devido à sua iluminação e precisou receber alguns cortes de última hora, tornando determinadas áreas feias e com inimigos que não se comportam do jeito que você espera. Mas de maneira nenhuma um produto puramente comercial. Seus erros aconteceram por falta de entendimento de alguns conceitos, não pela ignorância intencional deles.

2014-05-18_00026

Dark Souls 2 tentou de todas as maneiras ser um jogo construído pra ser algo que ele não poderia alcançar, enquanto ele não devia ter feito isso. Devia ter tentado apenas ser o que queria ser, como o primeiro foi.

Mas se eu o critico tanto é porque gostei muito dele. Se consigo me lembrar de seus pontos bons é porque eles são tão bons que não se deixaram diminuir pelos pontos ruins. Exatamente como o primeiro Dark Souls.

Dark Souls 2 está disponível para PC através do Steam por R$85, pra PS3 e pra Xbox 360 por R$160

 

 

 

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.
  • Celso Velasquez

    Tava tudo muito bem, até chegar na Bastilha e os caras me mandarem TRÊS fucking mestres

    • Neozao

      E aí botarem os mesmos como inimigo normal em Drangleic Castle depois.

      • Celso Velasquez

        Um eu consigo matar, mas depois disso filho chora e a mãe não vê

  • Diretor Coulson, O Filho Legal

    Agora a pergunta que tem sempre que ser feita: gostou mais do 1 ou do 2?

    • Neozao

      A minha ordem de preferência é Dark -> Demon’s -> Dark 2

  • Twero

    Pergunta-se: eu lembro que um dos primeiros vídeos de gameplay a gente via o nosso personagem tentando atravessar uma ponte que um dragão o derrubava. Como se passa dessa parte?

    • Augusto

      Correndo

      • lucasq

        eles não derrubam vc :/

        • Neozao

          Na verdade derrubam, depende de quantos ovos de dragão você destrói na área. Se são mais de sete, tem que passar correndo pois um dos dragões vai vir te atacar na ponte.

          • Twero

            Olha só que genial! Achei que fosse como aquele dragão que soltava uma rajada no castelo do Demon’s, independente do que tu tinha feito. Esse aqui tem um motivo pra ocorrer!

          • lucasq

            porra que detalhe massa, fiquei mó ~decepção~ quando passei por lá e não aconteceu nada

Visit the best review site wbetting.co.uk for William Hill site.