Qualé a desse tal de… 1001 Spikes

  18/07/2014 - 14:36   1001 spikes, nicalis, review,  
 

De uns anos pra cá veio surgindo esse subgênero temático nos jogos que envolve um arqueólogo em umas cavernas ou ruínas ou florestas, e o arqueólogo é bonitinho, e a dificuldade de tais jogos é elevada. Os exemplos que me vem à cabeça são Spelunky, La-Mulana e Aban Hawkins and the 1000  Spikes.

Os dois primeiros são relativamente mais famosos – La-Mulana começou como um jogo de graça 8 bits e chegou a receber um remake mais recentemente emulando todo o estilo de um jogo de MSX, como homenagem a este sistema que só é lembrado por Metal Gear. Spelunky é feito pela “celebridade” indie Derek Yu que conseguiu sua fama por Aquaria e pelo fato de ser um japinha bem simpático. Aban Hawkins and the 1000 Spikes, no entanto, sempre ficou embaixo do tapete pra mim e continuaria se não fosse outra celebridade indie: Jonathan Blow, o excêntrico criador de Braid. O apreço pelo Blow varia – enquanto eu gosto demais dele e vejo seus devaneios sobre design de jogos como coisas geniais e pensadas, muita gente vira a cara por achar Braid pretensioso ou só conhecê-lo pelo documentário Indie Game: The Movie, que pintou caricaturas bem características de cada um dos seus protagonistas e não necessariamente um retrato sincero, simplesmente pela estrutura de um filme exigir isso.

Enfim, pouco tempo atrás eu vi Blow comentando sobre esse jogo, que era exclusivo da Xbox Live Arcade na época, havia inclusive um tweet dizendo que, pra quem quisesse lições de game design, Aban Hawkins seria o melhor professor – isso chamou minha atenção, tanto por eu curtir os insights do cara quanto por sempre ser bom ver alguém que você gosta elogiando algo ao invés de reclamando de algo nessa época em que o cinismo vazio reina no mundo dos joguinhos. O problema é que eu nunca tive um Xbox então deixei passar.

DO NADA o jogo foi anunciado pra tudo o que é plataforma sob o simples nome “1001 Spikes”, com conteúdo extra e tudo o mais e então pude finalmente jogar no computador e ver se eu concordava com o Blow e curtia o treco.

1001 Spikes conta a história de Aban Hawkins, um arqueólogo zoado pelo pai, que de repente recebe uma carta do mesmo dizendo que tem umas ruínas lá (aqui) na América do Sul com uns tesouros e que se ele não fosse um monte de lixo como a gente que escreve sobre videogame na internet (talvez não tenha essa parte no texto original), deveria ir lá atrás do tesouro também. O que vem depois é uma caralhada de fases de plataforma e mil e uma vidas pra conseguir passar todas – embora no fim de cada “área” que tem cinco fases, você ganhe algo entre 50 e 250 vidas a mais, então é meio difícil de realmente ficar travado sem vidas em algum ponto do jogo.

SURPRESA: o jogo segue um estilo retrô em pixel art 8 bits! Quem esperaria por essa? Mas nesse caso realmente se faz útil, tornando a parte visual do jogo mais simples e tudo bastante contrastante pra você saber direitinho o que te matou todas as vezes que morre (e serão várias). O maior inimigo do jogo é isso que o título diz, mesmo: espinhos. Espinhos estáticos, espinhos nas paredes, espinhos que aparecem do chão. Mas não são só espinhos (e eu suponho que não sejam 1001 espinhos, também, embora não tenha contado), também tem pedras, estátuas que atiram flechas, escorpiões e lava. É difícil e de vez em quando um tanto quanto injusto, mas só na hora.

É sim um jogo que envolve tentativa e erro e ele não tenta esconder isso, mas não exige tanta capacidade memorial quanto envolve planejamento e execução. É assim: você vê um corredor cheio de espinhos e ali na frente uns pontos seguros, então pula os espinhos e corre até o ponto seguro, que se estende por mais alguns passos – se você prestar atenção, vai ver que ao pisar nesses pontos seguros eles não são tão seguros assim. PÁ! Depois de cerca de meio segundo (e um sinal auditivo) saem espinhos do chão nesse lugar que você achou que estava a salvo! E agora? Ah, peraí, em um deles não saiu espinho do chão. Você sabe, portanto, que na verdade é ali que será o próximo ponto seguro. Mas como lembrar qual dos quadradinhos era? Você pode contar os tiles, contar o tempo, confiar na memória muscular, mas no final vai perceber que existe alguma dica visual ali. Vinas, um matinho, mas alguma coisa que não tem nos quadradinhos com espinhos vai estar ali sinalizando que aquele lugar é seguro – e também vai perceber que haviam esqueletinhos e coisas do tipo nos outros quadradinhos, pra sinalizar que naqueles ali sairia sim um espinho. E o jogo todo segue essa estrutura de “justo em retrospecto”. Ao passar por uma fase depois de morrer pela décima segunda vez na mesma fase e parar de bradar xingamentos pois seu poço de ofensas se esgotou vai pensar “como é que eu não tinha percebido isso?” e perder mais uma dezena de vidas na próxima.

Ele tem uma estrutura parecida com a de Super Meat Boy, de recomeçar rapidinho caso morra e ter as fases pequenas (tem até um contador de speedrun embutido), embora eu ache 1001 ligeiramente melhor, pelo seu movimento ser mais limitado e portanto não permitir passar nada na sorte, como ocorre com vários outros jogos de plataforma famosos por serem difíceis.

Mas, na minha opinião, o maior trunfo do jogo reside em uma de suas mecânicas mais simples: existem dois botões de pulo. Um deles é um pulo baixinho e o outro é um pulo mais alto. Sim, é isso. Nada de pulo duplo, e sim dois botões distintos – que deliberadamente ficam respectivamente nos botões mais baixo e mais alto do controle pra evitar você usar o pulo errado sem querer.

Há uma nuance sensacional nisso, no entanto: quando você usa pulo alto em um lugar de teto baixo, bate a cabeça no teto e cai mais rápido no chão. E isso tira todo o seu timing que é muito necessário em determinados momentos em que você precisa desviar de espinhos no mesmo lugar em que está, só pulando de modo que ao tocar o chão tais espinhos tenham se retraído também. E a criatividade com a qual tal mecânica simples é usada ao longo de suas fases, sempre de modo novo, é sensacional.

A outra coisa que você pode fazer além de pular é atirar uma faquinha e a quantidade é ilimitada. Usa-se isso tanto pra matar escorpiões quanto pra rebater as flechas que estátuas atiram em você, além de algumas fases que usam switchs pra ativar plataformas.

E além do número que pode ou não ter dois dígitos que o jogo possui, tem mais uma miríade de personagens de outros jogos com suas habilidades específicas – desde o Commander Video de BIT.TRIP até a Curly de Cave Story – e de outros modos que variam levemente a jogabilidade, como um modo parecido com o Mario Bros. original (não o Super) e uma torre em que você tem que subir constantemente pegando dinheiro. O jogo também tem algumas ceninhas surpreendentemente longas e bem escritas pra algo desse naipe, ajudando a dar personalidade praquele monte de pixels sem contorno que é o Aban Hawkins.

Curiosamente eu estou escrevendo isso enquanto vejo outra pessoa jogando Spelunky no meu Vita e depois de ler extensivamente sobre tudo o que La-Mulana nos oferece. E embora não tenha feito nenhuma maratona de Indiana Jones pra comparar, também posso dizer que o meu favorito desse pequeno nicho é justamente o 1001 Spikes. É o mais simples dos três, mas talvez o melhor projetado – tem um design mais sincero por ser consciente e não roguelike como Spelunky (que também tem seus picos de brilhantismo) e não é tão críptico nem necessita de raciocínio lógico e exploração como La-Mulana. Queria eu ter escrito isso antes do Marcellus pra poder usar a analogia sensacional do pãozinho com manteiga, mas fica aqui a intenção e a referência, sem querer criar outra metáfora já que a do pão é exatamente sobre isso: a simplicidade refinada a ponto de se tornar sensacional em seu próprio direito.

1001 Spikes está disponível para PC, Linux e Mac através do Steam por R$ 27,99 e para Vita, Playstation 4, Wii U, Xbox One e Nintendo 3DS por $14,99

Sobre

Guilherme Alves “Neozao” é game designer não-praticante, gosta de chá e de comer sobremesa com a menor colher possível.

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