“No crying until the ending.”
Se eu só pudesse comentar uma coisa sobre Mother, é o fato de que ele não é retroativo. Programado pela APE e publicado pela Nintendo, o primeiro jogo de Shigesato Itoi foi lançado para o Famicom em 27 de Julho de 1989, e fez seu vigésimo-terceiro aniversário na semana passada. Apesar de ter sido lançado cinco anos antes de seu sucessor para o Snes, EarthBound, estamos a um ponto que é meio impossível comentar de Mother sem lembrarmos antes (e durante, e depois) da sua sequência.
For your listening pleasure
A razão pela qual isso acontece é porque Mother, a um certo ponto, é quase um “beta” de EarthBound. Não digo isso no sentido dele ser um protótipo do mesmo jogo, mas de tentar transparecer os mesmos ideais e evocar as mesmas emoções. É um jogo com uma premissa semelhante, personagens semelhantes, situações semelhantes. Lógico que grande parte disso é proposital, com certos locais e músicas de EarthBound propositalmente desenvolvidos para te remeter primeiro jogo, mas ainda assim, a sensação que temos ao comparar os dois é que um é a versão mais lapidada do outro. E como eu realmente duvido que muitos dos fãs da série tenham começado por este, é o tipo de jogo que causará uma certa “nostalgia reversa” aos que o experienciarem pela primeira vez, ao mesmo tempo que trará uma (justificável) dose de frustração. A questão é que o primeiro Mother é um jogo bom e sólido em seu próprio mérito, mas possui uma tonelada de errinhos e simplesmente não aproveita tão bem o seu potencial quanto poderia (se quiserem comparar a um exemplo mais recente, olhem para Uncharted 1 e 2.)
A introdução conta de um jovem casal do interior da América, Maria e George, que desapareceu misteriosamente em um incidente anos atrás. Após algum tempo, apenas George retornou, e nunca comentou nada do ocorrido. Essa história é abruptamente interrompida para mostrar um moleque de boné em um quarto, onde ASSIM DO NADA o abajur sai voando e começa a te atacar. Você é Ninten, um pivete de doze anos que possui asma e o herói dessa porra toda, e a sua casa está neste exato momento sendo possuída por um fenômeno poltergeist! (???)
Saindo do seu quarto, você derrota uma boneca voadora, obtém a primeira melodia, visita o porão e adquire o diário do seu bisavô que contém nada além de uma charada esquisita. Sua mãe comenta que seu bisavô entendia de PSI, e por alguma razão isso quer dizer que você vai partir em uma AVENTURA! ou coisa parecida. Então… nada disso fez muito sentido, né? É com essa introdução meio sem pé nem cabeça, possuindo vários elementos mal explicados que falham em ter significância para os marinheiros de primeira viagem, que começa a aventura de Ninten para fazer, erm, alguma coisa. Se não fosse pela trilha que logo na saída da sua casa muito evidentemente te guia para o seu futuro ponto, eu tenho certeza que você estaria completamente perdido.
Mother é um RPG tradicional (ou nem tão tradicional assim), daqueles que você conhece novas cidades, luta contra inimigos aleatórios e ganha níveis. A “catch” dele é o negócio de se passar num mundo ocidental e você usar tacos de baseball para derrotar fazendeiros ou corvos fumantes. Você compra itens de recuperação em cadeias de fast-food, pega seu dinheiro no caixa automático, e vai pro hospital pra se curar de um resfriado. O seu objetivo geral do jogo é obter as oito melodias. Parece familiar? Devia, pois é a mesma porra de EarthBound! Eu disse que os jogos se assemelham muito. Até os personagens principais são clones totais: Ninten, Ana e Lloyd são a cara de Ness, Paula e Jeff em visuais e até personalidade. A única exceção é Teddy e Poo, mas isso é porque ninguém gosta deles. Se bem que Teddy até que é legal, ele carrega uma faca e zás. Já Poo é meio tosco. Dane-se que ele é forte pra caramba e pode equipar uma espada, ele continua tosco. Ele parece o Kuririn. Olha o nome do cara: “POO”. Pfff.
O primeiro jogo sempre foi meio que a ovelha negra da série, e não é difícil explicar porque isso acontece: ele simplesmente não alcança o nível de excelência dos outros. Tipo, ele TEM coisas legais, mas o ato de jogá-lo é bem frustrante pois seu design tem umas cagadas homéricas e há mais tropeços em seu desenvolvimento que em uma partida de Super Smash Bros Brawl. Vamos lá: você tem um mapa ENORME com áreas gigantescas com nada até onde a vista alcança, e todo canto e toda sala parecem exatamente a mesma coisa. As dungeons são desproporcionais, com alguns lugares de mil andares que são difíceis de se diferenciar e facílimas de se perder. A progressão e pacing são esquisitos e seu próximo objetivo por vezes é vago (a idéia do Itoi é que cada nova área que você descobrisse fosse um feito considerável, mas nem sempre isso funciona). Há umas decisões estranhas, como o fato dos melhores equipamentos de defesa que você pode comprar já estarem na SEGUNDA cidade (sério) e ele ser o único jogo que eu conheço no qual é possível você ter uma batalha aleatória literalmente UM PASSO depois da anterior.
Mas de todos os tropeços, acho que o “melhor” de todos merece seu próprio parágrafo: o jogo não teve a sua dificuldade balanceada antes do lançamento. Basicamente, o negócio já tava tão embolado no final do projeto que Itoi simplesmente tacou o foda-se e as partes finais do jogo não foram testadas devidamente para saber se elas apresentavam um desafio justo ou simplesmente escroto (spoiler: é o segundo). Isso quer dizer que Mother é difícil pra caralho. Não é o tal “Nintendo Hard”, é um negócio escrotíssimo e mal planejado, mesmo. Perto do final, o jogo te obriga a “grindar” para conseguir chegar em algum lugar ou você vira patê. “Grinding” é o tipo de coisa que em 92,7% dos casos não é obrigatório em um RPG, a menos que você seja um jogador ruim pra caramba que tem preguiça de botar a cachola pra funcionar e prefere perder tempo a repensar suas estratégias. Infelizmente, o caso aqui é um planejamento capenga e deadlines fechando o cerco.
Tanto a versão do NES quanto a do GBA possuem patches feito por fãs que habilitam um “Easy Mode”, onde a experiência e dinheiro são dobrados. Eu recomendo que você use esses patches, pois eles de fato tornam o jogo mais justo, mais fluído e mais divertido de ser jogado. Particularmente não acho que ninguém deveria ser obrigado a perder horas e horas fazendo um esforço repetitivo só para poder chegar em algum lugar (mas ó, se tu for um daqueles malucos que curte passar horas matando os mesmo bichinho pra ganhar 2 de experiência ENTÃO VAI FUNDO VÉI, não sou eu que pago suas conta memo, to nei ai).
Mas, agora, vamos observar o negócio no geral: se Mother é tão semelhante assim a EarthBound, e EarthBound é em muitos pontos vastamente superior e mais jogável, por que galhofas alguma criatura optaria em jogar o primeiro Mother, com seus mapas gigantes e dificuldade desequilibrada, além de puro masoquismo? A questão é que Mother, apesar de TANTAS cagadas, tem seus momentos; e são momentos muito legais.
Sim, ele tem uma caralhada de defeitos, e até mesmo muitos dos fãs da série não tiveram a paciência de jogá-lo até o final (lembrando que essa série só tem três jogos diferentes e alguns dos fãs mais pirados do planeta). Ele indiscutivelmente envelheceu mal, o que me obrigou a passar o artigo inteiro falando mais de seus problemas do que de qualquer outra coisa. Mas aos que tiverem paciência, há algo bem massa aqui, o que pode fazer isso valer a pena.
Ele carrega uma inocência latente porém contraditória, com situações que alternam entre bonitinhas (até demais) ao macabro, ao punitivo, ou ao simplesmente desconexo. No meu primeiro NARG, comentei que EarthBound valia a pena pelas pequenas situações que você experienciava. Mother é parecido nesse quesito, mas um pouco diferente: ele é muito mais simbólico. É coisa pequena, mas muito pequena mesmo. É a perspicácia de Pippi, é a EXCELENTE música, é a viagem de trem que mostra o quanto desse mundo você já percorreu a pé, é a apresentação ao vivo dos personagens cantando All I Ever Needed Was You, é a inesperada cena da dança e da confissão (que é, com o perdão da descrição tosca, fofíssima), é o drama de Youngtown, é a unusual conclusão que lhe encaixa peças que você mal lembrava que ainda estavam ali e enfim contextualiza toda a sua participação naquele mundo. São essas, e tantas outras.
Resumidamente, o que faz Mother valer é isso: simbologia e significado, e sua forte ligação uma com a outra. Isso, ou talvez seja a mera possibilidade de ligar o jogo e ouvir de novo aquela música da introdução que eu lhe apresentei no início deste atigo – uma música tão melancólica e misteriosa, que evoca um forte sentimento de solitude, e te apresenta ao mundo de Mother sem exatamente fazê-lo saber o que esperar – e sentir que agora ela lhe parece diferente. Que agora ela “bate” de um jeito que não batia antes, e te lembra que até a mais imperfeita das visões pode lhe apresentar algo transbordando de significado. E isso, ao meu ver, vale a pena.
The End
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